Artigo de Ricardo Feltrin na Folha Online de hoje mostra uma faceta de Glauco que poucos conheciam:
Glauco foi líder religioso amoroso, mas exigente com discípulos
RICARDO FELTRIN
secretário de Redação da Folha Online
"Eu vi o meu povo amarrado
Todo acorrentado por falta de amor
Minha mãezinha estava comigo
E me sustentava com seu grande amor."
(Chaveirinho, "Águia Dourada", hino nº 15, por Glauco Vilas Boas)
Uma vez Glauco sonhou que a igreja que ele criou, a Céu de Maria, no Jaraguá, era invadida por pessoas que fugiam de São Paulo. No sonho, contou Glauco, as pessoas fugiam da cidade desesperadas, por causa da violência, e ele temeu não ter como ajudá-las, pois eram muitas.
Glauco relatou esse sonho durante um ritual em 2000, no dia em que recebia e celebrava a iniciação de mais um grupo em sua igreja, na chamada cerimônia de "fardamento" --quando os fieis são oficialmente iniciados na doutrina.
Glauco ganhou o título de padrinho ao fundar a igreja Céu de Maria em meados dos anos 90, mas sua origem religiosa é muito anterior a isso. Ele contava que teve a primeira epifania mística ao ler livros de Carlos Castaneda, escritor e guru de uma geração, e autor entre outras obras do clássico "A Erva do Diabo". Definia Castaneda como o grande marco em sua vida.
Antes do Daime, Glauco frequentou centros de ensino esotéricos como Rosacruz, Eubiose e teosofia. Ele tomou o daime pela primeira vez na igreja fundada pelo escritor Alex Polari, na montanhosa Visconde de Mauá, no interior do Rio de Janeiro. Logo no primeiro trabalho diz ter visto "a luz" que modificaria sua vida para sempre. Começou sua caminhada como mestre reunindo um pequeno grupo de amigos em uma casinha no Butantã (zona oeste de SP).
Era lá que todos tomavam a amarga bebida sagrada, enviada pelos pioneiros da Amazônia, bebida feita da folha de planta chacrona e do cipó de mariri, e cujo preparo é também um ritual em si, chamado "feitio", e que pode se estender por até um mês. Glauco costumava se referir ao daime como "o vinho da floresta".
Para os vizinhos do Butantã, no entanto, não havia nada de sagrado nas celebrações, e era comum os trabalhos terminarem com a presença profana da polícia. Glauco, no entanto, teve sua missão reconhecida pela igreja central do daime no país, o Céu do Mapiá, no Acre, e com a benção de suas lideranças montou a própria igreja num grande terreno adquirido próximo ao pico do Jaraguá.
Com seu próprio suor, da mulher Bia e dos filhos de ambos, a Céu de Maria cresceu e, em alguns rituais, reúne mais de 300 pessoas, vindas de várias partes do mundo. Glauco, o padrinho, era querido e amável com todos, comandava os trabalhos no centro da igreja, sentado em um banquinho, acompanhando os cânticos com seu acordeão escuro.
De seu posto central, apenas usando o olhar, era capaz de agradecer ou admoestar o daimista ou visitante que estivesse ajudando ou atrapalhando o trabalho. Da mesma forma que era um líder carinhoso, não hesitava em interromper o ritual e ralhar com toda igreja quando notava falta de concentração ou dispersão.
Além de líder religioso, Glauco também era compositor e deixa para a doutrina que abraçou dois grandes hinários de fé, um conjunto de cânticos, como o verso publicado no alto deste texto.
Esses dois hinários, o Chaveirinho e o Chaveirão, foram cantados anteontem à noite, dia de seu aniversário de 53 anos, quase no mesmo local em que ele partiu nexta sexta, vítima da violência que ele intuiu em sonho, mas não pode evitar na realidade.
Seus dois hinários serão cantados novamente hoje, em todas as igrejas daimistas do país, e voltarão a ser cantados todos os anos nesta mesma data, em memória à partida de Padrinho Glauco.
Glauco foi líder religioso amoroso, mas exigente com discípulos
RICARDO FELTRIN
secretário de Redação da Folha Online
"Eu vi o meu povo amarrado
Todo acorrentado por falta de amor
Minha mãezinha estava comigo
E me sustentava com seu grande amor."
(Chaveirinho, "Águia Dourada", hino nº 15, por Glauco Vilas Boas)
Uma vez Glauco sonhou que a igreja que ele criou, a Céu de Maria, no Jaraguá, era invadida por pessoas que fugiam de São Paulo. No sonho, contou Glauco, as pessoas fugiam da cidade desesperadas, por causa da violência, e ele temeu não ter como ajudá-las, pois eram muitas.
Glauco relatou esse sonho durante um ritual em 2000, no dia em que recebia e celebrava a iniciação de mais um grupo em sua igreja, na chamada cerimônia de "fardamento" --quando os fieis são oficialmente iniciados na doutrina.
Glauco ganhou o título de padrinho ao fundar a igreja Céu de Maria em meados dos anos 90, mas sua origem religiosa é muito anterior a isso. Ele contava que teve a primeira epifania mística ao ler livros de Carlos Castaneda, escritor e guru de uma geração, e autor entre outras obras do clássico "A Erva do Diabo". Definia Castaneda como o grande marco em sua vida.
Antes do Daime, Glauco frequentou centros de ensino esotéricos como Rosacruz, Eubiose e teosofia. Ele tomou o daime pela primeira vez na igreja fundada pelo escritor Alex Polari, na montanhosa Visconde de Mauá, no interior do Rio de Janeiro. Logo no primeiro trabalho diz ter visto "a luz" que modificaria sua vida para sempre. Começou sua caminhada como mestre reunindo um pequeno grupo de amigos em uma casinha no Butantã (zona oeste de SP).
Era lá que todos tomavam a amarga bebida sagrada, enviada pelos pioneiros da Amazônia, bebida feita da folha de planta chacrona e do cipó de mariri, e cujo preparo é também um ritual em si, chamado "feitio", e que pode se estender por até um mês. Glauco costumava se referir ao daime como "o vinho da floresta".
Para os vizinhos do Butantã, no entanto, não havia nada de sagrado nas celebrações, e era comum os trabalhos terminarem com a presença profana da polícia. Glauco, no entanto, teve sua missão reconhecida pela igreja central do daime no país, o Céu do Mapiá, no Acre, e com a benção de suas lideranças montou a própria igreja num grande terreno adquirido próximo ao pico do Jaraguá.
Com seu próprio suor, da mulher Bia e dos filhos de ambos, a Céu de Maria cresceu e, em alguns rituais, reúne mais de 300 pessoas, vindas de várias partes do mundo. Glauco, o padrinho, era querido e amável com todos, comandava os trabalhos no centro da igreja, sentado em um banquinho, acompanhando os cânticos com seu acordeão escuro.
De seu posto central, apenas usando o olhar, era capaz de agradecer ou admoestar o daimista ou visitante que estivesse ajudando ou atrapalhando o trabalho. Da mesma forma que era um líder carinhoso, não hesitava em interromper o ritual e ralhar com toda igreja quando notava falta de concentração ou dispersão.
Além de líder religioso, Glauco também era compositor e deixa para a doutrina que abraçou dois grandes hinários de fé, um conjunto de cânticos, como o verso publicado no alto deste texto.
Esses dois hinários, o Chaveirinho e o Chaveirão, foram cantados anteontem à noite, dia de seu aniversário de 53 anos, quase no mesmo local em que ele partiu nexta sexta, vítima da violência que ele intuiu em sonho, mas não pode evitar na realidade.
Seus dois hinários serão cantados novamente hoje, em todas as igrejas daimistas do país, e voltarão a ser cantados todos os anos nesta mesma data, em memória à partida de Padrinho Glauco.