Pelo menos é isso o que pensa o senador Demóstenes Torres (DEM/GO), segundo informa a Folha Online na notícia abaixo, no que é certamente acompanhado por boa parte da assim chamada "elite" brasileira. Ninguém nega que as guerras tribais na África favoreceram o tráfico de escravos, mas qualquer leigo em economia sabe que toda transação comercial envolve duas pontas: oferta e demanda. A seguir o raciocínio do nobre senador, os senhores de engenho do Brasil fizeram um tremendo favor à África ao aceitar comprar os negros, ajudando-os a evitar brigas e controlar o excedente populacional. Tipo assim: "já que vão morrer aí mesmo, que venham morrer aqui, os que não forem lançados ao mar" (nota: abomino a expressão "tipo assim", mas ela se encaixa bem na argumentação rasteira do senador). Mais ou menos como os paulistanos quatrocentões que aceitaram pagar merreca aos nordestinos que toparam vir ao sul em pau-de-arara para construir São Paulo.
A prevalecer a sabedoria do superinformado senador, teremos que reescrever os livros de História do Brasil, para ensinar que as mulheres negras não eram forçadas ao sexo com seus senhores, mas se submetiam aos seus caprichos de luxúria com imenso prazer. Tipo assim: mais ou menos como a mulher que é culpada pelo estrupo só porque é "jeitosa", ou o Paulo Maluf aconselhando os bandidos: "Estupra, mas não mata!". Se os superdemocratas do DEM continuarem com esta incrível linha de raciocínio, José Roberto Arruda terá que ser solto imediatamente, já que tem muito político em Brasília, e alguém tinha que limpar seus bolsos. Enfim, todo mundo tem direito a ter a sua opinião, mas ela deve ser minimamente inteligente, sem usar o próprio preconceito para reforçá-lo.
DEM corresponsabiliza negros pela escravidão
LAURA CAPRIGLIONE
LUCAS FERRAZ
da Folha de S.Paulo, em Brasília
Para uma discussão que sempre convoca emoções e discursos inflamados, como é a das cotas raciais ou reserva de vagas nas universidades públicas para negros, a audiência pública que se iniciou ontem (3) no Supremo Tribunal Federal transcorreu em calma na maior parte do tempo. Até que um óóóóóóó atravessou a sala. Quem falava, então, era o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se esforçava para demonstrar a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos.
Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: "Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana."
Sobre a miscigenação: "Nós temos uma história tão bonita de miscigenação... [Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual."
As referências à história "tão bonita" da miscigenação brasileira, ao negro traficante de mão de obra negra, o democrata usou para argumentar contra as cotas raciais, já adotadas em 68 instituições de ensino superior em todo o país, estaduais e federais. Desde 2003, cerca de 52 mil alunos já se formaram tendo ingressado na faculdade como cotistas.
O partido de Demóstenes considera que as cotas raciais são inconstitucionais porque, ao reservar vagas para negros e afrodescendentes, contrariariam o princípio da igualdade dos candidatos no vestibular.
Na condição de relator de dois processos sobre o tema (também há um recurso extraordinário interposto por um candidato que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu convocar a audiência pública, que se estenderá até sexta-feira, com intervenções pró e anticotas.
A audiência pública é uma forma de as partes interessadas levarem seus pontos de vista ao STF. Segundo Lewandowski, o assunto será votado ainda neste ano. Se considerar que as cotas ferem preceito fundamental, acaba essa modalidade de ingresso no sistema universitário. Se considerar que são ok, a decisão sobre adotar ou não uma política de cotas continuará a ser dos conselhos universitários.
No primeiro dia, falou uma maioria de favoráveis às cotas, em um placar de 10 a 3. Falaram representantes de ministérios e de universidades favoráveis às cotas, e os advogados do DEM e do estudante gaúcho, além de Demóstenes.
A prevalecer a sabedoria do superinformado senador, teremos que reescrever os livros de História do Brasil, para ensinar que as mulheres negras não eram forçadas ao sexo com seus senhores, mas se submetiam aos seus caprichos de luxúria com imenso prazer. Tipo assim: mais ou menos como a mulher que é culpada pelo estrupo só porque é "jeitosa", ou o Paulo Maluf aconselhando os bandidos: "Estupra, mas não mata!". Se os superdemocratas do DEM continuarem com esta incrível linha de raciocínio, José Roberto Arruda terá que ser solto imediatamente, já que tem muito político em Brasília, e alguém tinha que limpar seus bolsos. Enfim, todo mundo tem direito a ter a sua opinião, mas ela deve ser minimamente inteligente, sem usar o próprio preconceito para reforçá-lo.
DEM corresponsabiliza negros pela escravidão
LAURA CAPRIGLIONE
LUCAS FERRAZ
da Folha de S.Paulo, em Brasília
Para uma discussão que sempre convoca emoções e discursos inflamados, como é a das cotas raciais ou reserva de vagas nas universidades públicas para negros, a audiência pública que se iniciou ontem (3) no Supremo Tribunal Federal transcorreu em calma na maior parte do tempo. Até que um óóóóóóó atravessou a sala. Quem falava, então, era o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se esforçava para demonstrar a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos.
Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: "Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana."
Sobre a miscigenação: "Nós temos uma história tão bonita de miscigenação... [Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual."
As referências à história "tão bonita" da miscigenação brasileira, ao negro traficante de mão de obra negra, o democrata usou para argumentar contra as cotas raciais, já adotadas em 68 instituições de ensino superior em todo o país, estaduais e federais. Desde 2003, cerca de 52 mil alunos já se formaram tendo ingressado na faculdade como cotistas.
O partido de Demóstenes considera que as cotas raciais são inconstitucionais porque, ao reservar vagas para negros e afrodescendentes, contrariariam o princípio da igualdade dos candidatos no vestibular.
Na condição de relator de dois processos sobre o tema (também há um recurso extraordinário interposto por um candidato que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu convocar a audiência pública, que se estenderá até sexta-feira, com intervenções pró e anticotas.
A audiência pública é uma forma de as partes interessadas levarem seus pontos de vista ao STF. Segundo Lewandowski, o assunto será votado ainda neste ano. Se considerar que as cotas ferem preceito fundamental, acaba essa modalidade de ingresso no sistema universitário. Se considerar que são ok, a decisão sobre adotar ou não uma política de cotas continuará a ser dos conselhos universitários.
No primeiro dia, falou uma maioria de favoráveis às cotas, em um placar de 10 a 3. Falaram representantes de ministérios e de universidades favoráveis às cotas, e os advogados do DEM e do estudante gaúcho, além de Demóstenes.