Em fevereiro deste ano, ocorreu um caso parecido em Rhode Island, nos Estados Unidos, com uma estudante chamada Jessica Ahlquist, que se queixou de um banner que continha a oração da escola e estava pendurado na sala de aula, o que lhe gerou problemas locais e uma polêmica enorme no país, levando organizações ateístas a se movimentarem para garantir à aluna uma bolsa de estudo de no mínimo 40.000 dólares para fazer frente às futuras despesas com a sua universidade. Agora é a vez da pequena cidade de Miraí, em Minas Gerais, enfrentar um caso parecido, segundo noticia a Folha de S. Paulo de hoje, com o vídeo e áudio do bullying abaixo, gravado e editado pelo próprio aluno:
Aluno ateu diz ser perseguido por não rezar na sala de aula
Caso ocorreu em escola estadual de Minas Gerais; após polêmica, professora foi orientada a não orar mais
Ateu há dois anos, aluno ouviu da docente que 'jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida'
RICARDO GALLO
Uma professora de geografia de uma escola estadual de Minas Gerais resolveu iniciar as suas aulas rezando o pai-nosso com todos os alunos. Um deles, ateu, decidiu manter-se em silêncio.
Ao notar a reação do estudante, ela lhe disse, segundo o relato do aluno, que "um jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida". O aluno se irritou, os dois discutiram, e o caso foi parar na diretoria da escola.
O Estado brasileiro é laico e a Constituição, tal como o estatuto do magistério, proíbe discriminação religiosa.
A Secretaria de Estado da Educação de Minas apura se houve infração da professora. A secretaria disse ontem tê-la orientado a não rezar mais em sala de aula.
O caso ocorreu há duas semanas na escola estadual Santo Antonio, em Miraí, cidade de 13,8 mil habitantes que fica na Zona da Mata, a 335 km de Belo Horizonte.
Uma inspetora regional responsável pela escola disse que a professora foi "mal interpretada" e que sempre tinha o "hábito" de rezar.
Quem discutiu com a docente foi Ciel Vieira, 17, ateu há dois anos. "Eu disse que o que ela fazia era impraticável segundo a Constituição. E a professora disse que essa lei não existia". Lila Jane de Paula, a professora de Ciel, não quis falar com a reportagem.
DISCUSSÃO
Ciel, cuja mãe autorizou que ele falasse com a Folha, afirmou ter pedido para a professora parar, sentindo-se humilhado. Lila o instou, diz, a levar um juiz à sala de aula.
"Ela não me pediu desculpas." A resistência à oração o fez ser vítima de bullying de colegas, afirma -disseram que ele era "do demônio".
O garoto gravou parte da oração e pôs no YouTube, sob o título "Bullying e Intolerância Religiosa". No vídeo, é possível escutar o som do pai-nosso. Ao fim, ouve-se: "Livrai-nos do Ciel", em vez de "Livrai-nos do mal". Foram colegas de classe, diz.
Avisada, a mãe de Ciel foi à escola. Segundo ela, Lila se justificou dizendo que, ao falar que "o jovem que não tem Deus nunca vai ser nada na vida", quis, na verdade, falar que o jovem não seria nada "espiritualmente".
"Meu filho sempre foi um aluno ético. Até chorei quando vi o vídeo dele", disse a mãe, que é espírita e não quis dizer o nome. Ficou acertado com a escola que a professora não daria mais a primeira aula para Ciel -assim, ele não teria que ouvir o pai-nosso. "Resolveram o meu problema e jogaram o resto para de baixo do tapete", disse.
A ONG Ação Educativa condenou a prática. Um professor público tem de ser neutro, diz. "As orações nas escolas públicas ocorrem desde sempre, à revelia da lei", diz Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), indicou dom Tarcisio Scaramussa para falar à Folha, mas ele não foi encontrado.