Dois fatos aparentemente isolados marcaram esta semana em Brasília. Primeiro, a aprovação do novo Código Florestal que – na prática – protege tudo menos as florestas, e depois a confirmação da política de quotas para afrodescendentes nas universidades pelo Supremo Tribunal Federal.
A rigor, ambos os fatos apontam para uma característica tipicamente brasileira que é seu apego atávico às capitanias hereditárias e aos senhores de engenho, situações em que a vasta propriedade e o interesse de alguns prevalece sobre os anseios da imensa maioria, nem que seja para reduzi-la à escravidão.
O Brasil continua sendo o país em que os senhores de engenho dominam suas capitanias hereditárias, se elegendo às custas da senzala e se dando ao luxo de impor um devastador Código Florestal à população apenas para atender aos seus interesses agrários imediatos. O meio-ambiente que exploda.
Curioso é que, na aprovação do novo Código, muitos parlamentares evangélicos se alinharam com os ruralistas no estupro da natureza brasileira, porque de certa maneira eles também são “senhores de engenho” de um rebanho que vota neles cegamente.
Por isso mesmo, nenhum deles quer ouvir falar em “reforma política”, que permitiria que o povo fosse melhor representado sem os currais eleitorais dominados exatamente por esses senhores da terra e da fé.
Por outro lado, a ratificação - pelo STF – da política de quotas para afrodescendentes dá a esperança de que se reduza um pouco da desigualdade social no país, conforme já dissemos aqui no blog no artigo “Quotas, pra que te quero?” em setembro de 2009.
É claro que essa política, por si só, não resolve o problema e deve ser implementada provisoriamente, enquanto perdurar a dificuldade de acesso da comunidade afrodescendente à educação superior, mas a decisão unânime do STF impõe uma derrota histórica aos senhores de engenho.
Apesar de todo o seu esforço contrário às quotas, a Globo, por exemplo, cujo diretor de jornalismo, Ali Kamel, conseguiu escrever um livro intitulado “Não Somos Racistas”, e a toda hora convocava o sociólogo, geógrafo e “especialista em quotas” Demétrio Magnoli para atacá-las, saiu como uma das grandes derrotadas no caso.
O DEM – partido que promoveu a ação contra as quotas no STF e ao qual Magnoli é ligado – foi o outro grande perdedor, sempre lembrando que em março de 2010 o seu então impoluto senador Demóstenes Torres dizia que “os negros são culpados da escravidão”.
Outro expoente na defesa das capitanias hereditárias, Reinaldo Azevedo, também é um dos que foram derrotados na sua defesa da "meritocracia", justamente ele que tem se tornado o novo paladino das causas evangélicas. Quando alguém precisa recorrer a Reinaldo Azevedo para defender a fé cristã, isto muito provavelmente significa que o seu "deus" é outro.
Apesar de não ser nem um pouco fã dele, o Ministro Marco Aurélio Mello sintetizou numa frase curta - de forma brilhante - do que se tratava o caso das quotas: “A meritocracia sem pontos iniciais igualitários é apenas uma forma de aristocracia”.
Só que, apesar dessa derrota ocasional, é essa mesma aristocracia que continuará devastando as florestas do país a seu bel prazer, a fim de engordar seu gado e alargar seus latifúndios, eventualmente utilizando trabalho escravo aqui ou acolá.
Entretanto, ao menos uma porta – a da educação – se abre àqueles que se esforçarem muito para escapar dessa nefasta dependência dos senhores de engenho.
Que ninguém se iluda, todavia: a Casa Grande continua mandando...
Para saber mais sobre a opinião do blog sobre a questão das quotas, clique aqui.