Não é fácil a vida de quem se senta no trono da Praça de São Pedro quando vê uma freira americana pela frente. Parece que os pedidos de ordenação feminina representam o nervo exposto do Vaticano, e os Estados Unidos, neste particular, são o seu calcanhar de Aquiles, que quer se mostrar invulnerável, mas não há reprimenda que faça as religiosas norteamericanas se calarem.
O papa João Paulo II já havia sentido isso na pele durante sua primeira visita aos Estados Unidos, em 1979, quando - numa reunião com cerca de 5.000 religiosas no Santuário Nacional de Washington - teve que ouvir, visivelmente constrangido e contrariado, o pedido de uma delas (vídeo abaixo).
A freira Theresa Kane, então presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR - "Conferência de Liderança das Religiosas"), foi corajosa o suficiente para pedir ao papa, no seu discurso de saudação tête-à-tête, que "incluísse as mulheres em todos os ministérios da Igreja" a fim de que elas se tornassem "membros completamente participantes" dela.
Apesar de toda a reação contrária que veio a seguir e que culminou no "não" supostamente definitivo à ordenação feminina, mediante a carta "Ordinatio Sacerdotali" de 1995, o movimento nunca arrefeceu, mesmo à revelia da autoridade papal.
A "Ordinatio Sacerdotali" de João Paulo II teve como pretexto a então recente abertura do sacerdócio anglicano às mulheres, ocorrida em 1992, mas o alvo - na verdade - era outro: matar no ninho os movimentos internos católicos que reforçavam o mesmo pleito.
Bento XVI assumiu o papado em 2005, mantendo a linha conservadora do antecessor, mas também não conseguiu calar as freiras norteamericanas. Não lhe restou outra saída, senão, tentar "enquadrar" de novo a LCWR, que reúne nada mais, nada menos que 80% das religiosas dos Estados Unidos.
Para tanto, entrou em cena a Congregação para a Doutrina da Fé, nome atual aparentemente inofensivo do antigo "Santo Ofício", responsável pela inquisição medieval, atualmente dirigida pelo cardeal norteamericano William Joseph Levada.
Em 2008, o Cardeal Levada tratou de dar um corretivo nas levadas freiras do seu país (com o perdão do péssimo - mas inevitável - trocadilho), indicando o arcebispo de Seattle, Peter Sartain, para investigar e reorganizar a LCWR.
Apontando uma série de divergências com o ensino tradicional católico quanto ao sacerdócio feminino, aborto, sexualidade e temáticas feministas, o relatório do bispo Leonardo Blaire, de Toledo (Ohio), responsável pela "visita apostólica", deu margem à intervenção do Vaticano na LCWR.
Na prática, isto significa que o grupo de freiras norteamericanas estará, a partir de agora, debaixo de estrita vigilância e supervisão das autoridades vaticanas. Resta saber se isto conseguirá calá-las.
Já a Irmã Theresa Kane continua firme, falante e dentro da igreja. A julgar pelo histórico passado, é melhor apostar - sem dinheiro e informalmente - que não conseguirão emudecê-las.