Aparentemente, num mundo em que o dogma é idolatrado, não há espaço para a inteligência nem para a compreensão e gentileza, e muito menos para a humanidade. A notícia vem do IHU:
Padre nega a comunhão a menino deficiente
Comunhão negada a um menino de dez anos que sofre de uma grave deficiência mental. O menino não seria, segundo o sacerdote, capaz de compreender o mistério da Eucaristia.
A nota é de Giacomo Galeazzi, publicada no blog Oltretevere, 11-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão de Piergiorgio Zaghi, pároco de Porto Garibaldi, em Ferrara, na Itália, que havia falado sobre isso em uma homilia, dividiu os paroquianos e provocou um forte debate. Os leigos da cidade condenaram o comportamento do sacerdote, enquanto os paroquianos se dividiram entre aqueles que se dizem próximos à escolha do pároco (lembrando também o fato de que os pais estão divorciados e não o acompanham continuamente à missa e à catequese) e aqueles que estão mais perplexos, referindo-se também ao apelo do papa para garantir a Eucaristia, na medida do possível, mesmo aos deficientes mentais.
"É incrível que essas coisas aconteçam". O Pe. Andrea Gallo não usa meias palavras ao comentar a notícia do pároco da província de Ferrara que pulou na fila da Eucaristia um menino com retardo mental. A comunhão é um "momento altíssimo", em que "o corpo de Jesus é 'partido' para todos, em que se diz do sangue 'bebam todos'", explica Pe. Gallo. "Tomemos o exemplo das primeiras comunidades cristãs: naquela época não havia a hóstia, mas sim o pão que justamente se partia para todos. Nesse gesto, as migalhas que restavam eram também dadas a todos os presentes. E, depois, este menino também havia participado da catequese".
Segundo o Pe. Gallo, "mesmo que o menino tivesse dificuldade para engolir, esse problema poderia ser superado, imagine... Ele andava em um corpo martirizado, sofredor. Quem pode dizer qual é a verdadeira linguagem real de um deficiente? Às vezes, eles falam com um gesto, com os olhos".
O Pe. Gallo encontra "deficientes mentais todos os dias. Eles falam com os olhos, com pequenos gestos. O pároco diz que era importante entender se o menino intuía a dimensão do sacramento? Eu só estou dizendo que não se podia excluí-lo com esse gesto. Quem me diz, ao contrário, que aqueles que fazem a comunhão a entendem? Pode acontecer, até mesmo comigo, que a fé possa vacilar: mas depois eu me confio a Jesus, porque o amor não exclui ninguém. Como reparar este dano? dando-lhe o pão, pondo-o no centro, fazendo-o entender que ele não está excluído de nada".
Para o Pe. Giovanni Ramonda, responsável da Comunidade João XXIII, fundada pelo Pe. Benzi, "diversos párocos dão desenvoltamente a comunhão a divorciados em segunda união, transgredindo uma clara indicação da Igreja, enquanto a uma criatura predileta pelo Senhor é negado o seu corpo e o seu sangue. Fiquemos atentos para não filtrar os mosquitos e engolir os camelos. Como dizia o Pe. Benzi, os deficientes são 'anjos crucificados'".
O episódio foi definido como "absurdo, não apenas no plano ético, mas principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais reconhecidos às crianças", diz o sociólogo Antonio Marziale, presidente do Observatório dos Direitos dos Menores. "Estou transtornado com o episódio – disse – que denuncia um estado de obscurantismo cultural digno do pior da Idade Média".
A decisão foi duramente criticada também pela associação de católicos progressistas Nós Somos Igreja. "Em Porto Garibaldi – disse o coordenador regional Giuliano Bianco – tem-se a impressão de que a Igreja perdeu de vista a presença real de Cristo na Eucaristia: quem sonharia em proibir a uma mãe e a um pai, que levam o seu filhinho, incapaz de entender e de querer, diante da presença de Jesus de se aproximar, de tocar e de receber o Salvador?".
A família se fechou na reserva. O seu interesse, neste momento, é principalmente o de proteger seu filho, que se tornou objeto de um debate do qual ele certamente abriria mão.
Não é a primeira vez que isso ocorre na Europa, entretanto. Há cerca de 3 anos, algo parecido aconteceu em Barcelona com uma menina portadora da síndrome de Down, em que o mais surpreendente foi o fato de que o padre não só lhe negou a possibilidade de comunhão como disse que se empenharia em "perseguir" a família caso eles procurassem outra paróquia para garantir à garota o sacramento. O caso catalão, ao que parece, teve um final feliz, segundo noticiou em junho de 2009 o Correio da Manhã de Portugal:
Padre nega comunhão a deficiente
Um padre negou a primeira comunhão a uma menina de Barcelona alegando que a menor, com síndrome de Down, é "um anjo de Deus" logo, não peca, e portanto não necessita do sacramento divino. Os pais da menor contestam o sacerdote e acusam-no de discriminação.
Tudo começou há três anos, quando a mãe, Lídia, levou a filha Carla e o seu irmão gémeo à Igreja de Sant Martí para começarem a frequentar a catequese. O pároco Josep Lluís Moles recusou a criança porque esta "teria de amadurecer" e poderia "prejudicar o desenvolvimento da catequização".
Os pais aceitaram a decisão. Um ano mais tarde, levaram novamente Carla para a catequese. Desta feita o padre decidiu fazer depender a primeira comunhão da capacidade da criança: se aprendesse o Pai Nosso em sete meses dar-lhe-ia a primeira comunhão. Só que, meses depois, mudou de ideias, e, quando a mãe foi confirmar a data da cerimónia, referiu que "não era necessário" que a criança comungasse, porque ao "ser um anjo de Deus não é uma pecadora".
Como o irmão gémeo queria fazer a primeira comunhão na mesma igreja que a irmã, a mãe procurou outro sítio em que a filha pudesse comungar. Mas, segundo ela, o sacerdote garantiu-lhe que interferiria para impedir o acto.
A família encontrou por fim uma igreja em Badalona disposta a dar a primeira comunhão aos dois irmãos gémeos. A cerimónia acontece hoje.