quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Internet não é sinônimo de livre informação

Interessante matéria publicada na revista Época de 06/08/12:

"A internet esconde quem discorda de você"

Autor do livro O filtro invisível, o ativista digital americano Eli Pariser alerta contra a personalização do conteúdo em sites como o Google e o Facebook

DANILO VENTICINQUE

Numa tarde em 2011, ao acessar seu perfil no Facebook, o americano Eli Pariser, de 31 anos, notou uma mudança repentina. Sem aviso, todos os posts de seus amigos republicanos tinham desaparecido. A fórmula usada pelo site para decidir que posts eram mais relevantes determinara que, como ele clicava mais em links enviados por democratas, as atualizações desses amigos eram mais importantes que as dos outros e deveriam receber mais destaque. A mudança não lhe agradou. Embora trabalhasse num site que arrecadava doações para as campanhas de candidatos democratas, Pariser não queria deixar de ter acesso às opiniões de colegas conservadores, que considerava igualmente importantes para seu trabalho.

A busca por uma explicação para o sumiço dos amigos republicanos inspirou o livro O filtro invisível, que aborda os perigos da personalização do conteúdo em sites como o Facebook e o Google. Quanto maior for o esforço para oferecer informações personalizadas a cada usuário, maior o risco de que os filtros isolem as pessoas em bolhas virtuais, sem nenhum acesso a opiniões diferentes das suas. Além de transformar o autor num dos palestrantes mais populares do mundo da tecnologia, o livro provocou um debate intenso nas redes sociais e inspirou pequenas mudanças no sistema de buscas do Google.

ÉPOCA – O título de seu livro, O filtro invisível, sugere que as informações que acessamos na internet são filtradas antes de chegar a nós. Quando isso começou a acontecer?

Eli Pariser – Costumo dizer que a internet não é a mesma desde dezembro de 2010, quando o Google ativou as buscas personalizadas para todos os usuários. Foi o momento em que deixamos de ter um Google para todos, com os mesmos resultados, e passamos a ter resultados filtrados para cada pessoa. Duas pessoas procurando as mesmas palavras ao mesmo tempo podem receber resultados muito diferentes. Foi uma mudança importante, pois os usuários imaginam que o Google seja neutro e imparcial e ofereça respostas universais. Mas ele deixou de fazer isso há algum tempo.

ÉPOCA – Como esses filtros digitais funcionam?

Pariser – A personalização surgiu como uma forma de tentar adivinhar o que o usuário quer, mesmo que ele faça uma busca incompleta. Se você buscar por “Egito” e suas informações pessoais armazenadas no banco de dados do Google indicarem que você costuma viajar com frequência, é mais provável que os primeiros resultados sejam sites de companhias aéreas que vendam passagens para lá. Isso pode até ser bom. Mas informações importantes podem ficar de fora dos resultados. Se a situação interna no Egito estiver tensa e houver algum tipo de revolta naquele dia, essa informação é tão importante para você quanto para um amigo seu interessado em política internacional. O mesmo vale para o Facebook. O site edita o conteúdo de sua linha do tempo para dar mais ênfase aos amigos com quem você costuma interagir mais e esconder os posts de amigos com quem você interage menos. Isso é feito por fórmulas matemáticas complexas, que levam em conta cada um de nossos cliques quando estamos no site, e funciona de acordo com regras obscuras para o usuário. Sabemos de concreto apenas que, quanto mais tempo passamos no Facebook, mais temos acesso apenas às opiniões de nossos amigos. E, entre nossos amigos, as pessoas com quem interagimos mais ou concordamos mais têm um peso maior. Isso nos coloca num ciclo: quanto mais vemos os posts de algumas pessoas, mais interagimos com elas e mais destaque elas têm. No fim das contas, os sites escondem quem discorda de você, e sua visão de mundo acaba ficando distorcida.

ÉPOCA – Fora da internet, também é comum dar mais atenção a pessoas cujas opiniões são parecidas com as nossas. Esse fenômeno nas redes sociais não seria apenas a repetição de um hábito comum a todos?

Pariser – Isso sempre existiu, mas o agravante da internet é que existe uma suposta neutralidade. Quando você lê uma revista ou liga a televisão, você tem uma ideia de qual é a linha editorial daquela publicação ou canal. O mesmo vale, mais ainda, quando você conversa pessoalmente com um amigo cujas opiniões políticas você conhece. Você sabe quais pontos de vista estão lá e quais não estão, e sabe onde encontrar os que ficaram de fora. No Google e no Facebook, nada é explícito. Você não sabe em que perfil de usuário os sites te enquadram nem em que informações se basearam para chegar àquela conclusão. Não é possível saber o que você está perdendo, que partes da internet estão fora de seu alcance. As informações desaparecem sem aviso.

ÉPOCA – O livro compara a ação dos filtros à censura. Não é exagero?

Pariser – É uma forma muito sutil de censura. Você não é proibido de ver nada, mas sua atenção é dirigida de forma que você não note que a informação existe. Como dependemos cada vez mais dos resultados de busca ou de indicações nas redes sociais para chegar a um conteúdo na internet, o filtro invisível pode esconder páginas e pessoas definitivamente. As consequências disso podem ser muito graves.

ÉPOCA – Isso muda a visão romântica da internet como um espaço livre e sem fronteiras para a troca de informações?

Pariser – É pior que isso. Nós, na prática, não estamos todos na mesma internet. Duas pessoas podem acessar o mesmo site ao mesmo tempo e ver informações diferentes, adaptadas a suas opiniões. Cresci com grandes expectativas em relação à internet. Esperava que ela fosse um lugar em que todos pudessem expandir sua visão de mundo. A personalização excessiva não permite que isso aconteça. E a tendência é que ela aumente, porque os sites que fazem isso são muito lucrativos. É mais fácil vender publicidade num site quando o anunciante sabe que o público que chegou a ele foi filtrado e gosta do produto anunciado. Também existe um mercado enorme para empresas que vendem nossas informações pessoais para outros sites. Quanto mais empresas compram essas informações, mais nossas preferências continuam a ditar o que nos é mostrado. Há muito dinheiro nesse mercado. Mas o mais lucrativo não é necessariamente o melhor para a sociedade. As grandes empresas de tecnologia são comandadas por pessoas muito jovens, com uma capacidade técnica impressionante, mas que não têm a formação humana necessária para perceber que existe um dilema ético na personalização dos sites.

ÉPOCA – Que riscos corremos quando não temos contato com opiniões diferentes das nossas?

Pariser – A primeira coisa que você perde é seu senso de falibilidade. Quando todas as pessoas a seu redor concordam com você, é fácil acreditar que sua opinião é a verdade para todos, e não apenas para alguns de seus amigos. E, se ninguém enfrenta seus argumentos, é natural que você imagine que está certo e que não há espaço para discussão. Isso vale para tudo, desde as grandes questões políticas aos pequenos preconceitos. Com o tempo, essa falta de debate pode tornar as pessoas mais intolerantes.

ÉPOCA – É possível reverter esse fenômeno ou a era de ouro da internet acabou?

Pariser – Não sou um pessimista. Acredito que as empresas precisam achar uma maneira de dar poder aos usuários, e não apenas aos anunciantes. É possível encontrar formas de personalizar o conteúdo e, ao mesmo tempo, permitir que os usuários saibam o que é deixado de fora. Assim, poderíamos decidir se queremos os resultados filtrados ou não. Depois que lancei meu livro, o Google passou a permitir que as pessoas tivessem acesso aos resultados sem filtro mais facilmente. Algumas pesquisas que fizemos mostram que vários usuários preferem esses resultados. Fiquei feliz com a mudança. Quando tive minhas primeiras conversas com executivos do Google para escrever O filtro invisível, era muito difícil convencê-los de que havia dilemas éticos na maneira como os resultados das buscas eram apresentados. O Twitter é outro bom exemplo de como o usuário pode estar no controle. Ao contrário do Facebook, ele não atribui maior ou menor relevância aos tweets de quem concorda conosco. Quando você decide seguir alguém, passa a receber todo o conteúdo produzido pela pessoa. Se quiser deixar de ver os posts de alguém, precisa deixar de segui-lo. É uma relação menos passiva entre usuário e serviço.

ÉPOCA – O que podemos fazer para evitar esses filtros quando estamos na internet?

Pariser – É muito difícil acessar a internet sem fornecer informações pessoais. O Facebook não existe sem isso. Alguém que quisesse escapar do filtro invisível teria de ficar fora dessa rede social. Para algumas pessoas, seria uma perda muito grande. O Google também depende muito dessas informações para funcionar. Se você fizesse uma busca por “pizza” sem que o Google tivesse acesso a dados sobre sua localização, seria impossível indicar uma pizzaria perto de sua casa. Um pouco de personalização ajuda a fornecer resultados mais úteis. O que precisamos fazer não é evitar usar esses sites, mas sim lutar para que eles nos permitam escolher se acessaremos a versão personalizada ou não. Também deveríamos ter mais controle sobre o que é feito com nossas informações pessoais. Elas são valiosas. Quando acessamos um serviço teoricamente gratuito, como o Gmail ou o Facebook, na verdade estamos pagando com nossos dados, que têm um valor de mercado. Essas informações ajudam a construir filtros de conteúdo ainda mais elaborados, usados para vender publicidade. Não sabemos o preço que estamos pagando para acessar um site gratuito, mas as empresas sabem.



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