"Paternidade" é um conceito cada vez mais abrangente na jurisprudência brasileira, com todas as consequências legais daí advindas.
Prova disso é a recente decisão da Justiça de Santa Catarina sobre o tema, publicada no Estadão:
Em SC, padrasto é condenado a dar pensão a ex-enteada
LUCIANO BOTTINI FILHO
Em decisão inédita, a Justiça de Santa Catarina determinou que um engenheiro de 54 anos pague pensão à filha de sua ex-companheira. A jovem, de 16 anos, é filha do primeiro casamento da mãe e conviveu com o padrasto por dez anos. A decisão, em caráter liminar, endossa uma nova visão do Direito de Família: pai é quem cria, independentemente do nome que consta na certidão de nascimento.
A mãe, Madalena (nome fictício), de 41 anos, conta que o engenheiro arcou com as despesas da família, incluindo colégio particular, alimentação, viagens e presentes, desde que a filha tinha 6 anos. As duas constam como dependentes no Imposto de Renda do engenheiro.
O valor estipulado pela Justiça é de 20% dos rendimentos do padrasto, aproximadamente de R$ 1,5 mil. A jovem já recebe pensão do pai biológico, de 1 salário mínimo. A mãe se separou do primeiro marido quando a jovem tinha 2 anos.
Na decisão, a juíza Adriana Mendes Bertoncini, da 1.ª Vara de Família de São José, argumenta que "mesmo que a menor receba tal auxílio, nada impede que, pelo elo afetivo existente entre ela e o requerido, este continue a contribuir financeiramente para suas necessidades básicas".
Adriana presumiu o que chama de "paternidade socioafetiva" pelo fato de o engenheiro ser o responsável pelo contrato escolar da adolescente. Cabe recurso da liminar, concedida sem que o padrasto fosse ouvido.
A família, afirma Madalena, morou a maior parte do tempo em casas separadas. Apenas por um ano os três viveram juntos. "Era um relacionamento como marido e mulher, mas cada um tinha o seu espaço."
Presentes
A mãe reforça a presença do ex-companheiro como figura paterna. "Ele participava de datas comemorativas, como o Dia dos Pais. Era ele quem recebia os presentes que ela fazia e as homenagens, não o pai biológico." Segundo Madalena, o ex-companheiro lhe deu um carro para que buscasse a filha no colégio e pagou prestações do financiamento do imóvel onde morava.
No fim de 2011, o engenheiro arcou com todas as despesas de uma viagem que mãe e filha fizeram à Disney, nos Estados Unidos. As duas viajaram em março, um mês depois do fim do relacionamento. "Desde fevereiro, quando nos separamos, ele nunca mais fez nenhum contato com ela, nem mesmo pelo telefone. Foi uma separação brusca, que deixou minha filha desorientada", diz Madalena.
A mãe procurou, então, uma advogada para pleitear a pensão. Agora, ela também vai requisitar à Justiça, a pedido da filha, que determine que o engenheiro faça visitas regulares à jovem, que conta à mãe ter saudades do padrasto. Após a separação, o pai biológico formou outra família e mantém contatos esporádicos com a adolescente. "Ele a convida para sair, mas, na maioria das vezes, ela não quer. Ela só sente falta do padrasto."
Procurado, o engenheiro não quis comentar o assunto, argumentando que não tinha sido citado na decisão. "Eu nem sabia disso, para mim é novidade."