Vamos combinar: São Paulo é uma megalópole com problemas monstruosos e não há melhor momento para discutir as possíveis soluções do que as eleições municipais, não é mesmo?
Entretanto, parece que o candidado a prefeito José Serra (PSDB) se enveredou por um caminho totalmente disparatado ao arregimentar Silas Malafaia para combater o "kit gay" de seu opositor Fernando Haddad (PT).
É como se São Paulo não tivesse problemas muito maiores e mais urgentes a serem combatidos e resolvidos.
Prova de que o candidato tucano perdeu o senso de ridículo e o contato com a realidade da cidade é a sua tentativa de corrigir as "estatísticas" sobre as possibilidade de um(a) bissexual se dar bem no fim de semana, como você pode ler na entrevista que ele concedeu ao Estadão (trecho destacado em vermelho), em que fala também sobre religião.
É bom lembrar que José Serra não é exatamente um especialista em porcentagem, como ficou claro no vídeo abaixo, registrado na campanha presidencial de 2010:
Se o debate permanecer nesse nível, São Paulo seguirá o exemplo de seus rios e agonizará por décadas a fio.
'Kit gay quer doutrinar, em vez de educar', afirma Serra
Tucano diz ter sido mais efetivo no combate à discriminação que PT e que é preconceito reprimir manifestação de religiosos
Bruno Boghossian e Iuri Pitta, de O Estado de S.Paulo
Na semana em que o candidato a prefeito de São Paulo Fernando Haddad voltou a ser alvo de setores religiosos, o tucano José Serra disse que o problema do material de combate à homofobia elaborado na gestão do petista no Ministério da Educação era “pedagógico”. “O kit gay quer doutrinar, em vez de educar”, afirmou. A presidente Dilma Rousseff cancelou a distribuição do material.
Serra defendeu que religiosos possam manifestar opinião nas eleições e criticou o PT por “reprimir” as que não são favoráveis ao partido. “O Silas Malafaia apoiou o Eduardo Paes com vice do PT no Rio. Foi do conselhão do Lula. Declarou apoio a mim, virou inimigo.”
O tucano reconheceu que a renúncia à Prefeitura, em 2006, prejudicou sua votação há uma semana e anunciou que vai adotar propostas de siglas que o apoiam no 2.º turno, como o auxílio-creche a mães que esperam vaga, de Soninha Francine (PPS).
O sr. diz que pesquisas não necessariamente captam o que o eleitor vai escolher na urna, mas o cenário hoje é desfavorável ao sr. Como reverter esse quadro?
As pesquisas sempre são um retrato, e nesta campanha têm sido um retrato borrado. Poucas vezes as pesquisas desviaram tanto as análises quanto nessa eleição.
Como o sr. pretende se apresentar nesse 2º turno?
O 2.º turno tem uma característica de quantidade que muda a qualidade. É mais intenso. Não tenho estratégia diferente, mas sei que tudo vai se intensificar. Eleição é escolha, comparação. Biografia, capacidade de realizar, de ter prioridades, fazer acontecer, com quem você anda, quem te cerca, tudo isso pesa.
A avaliação de que a polarização PT-PSDB estaria desgastada foi precipitada?
Os fatos mostraram que se manteve. E pode estar certo de que, terminado o segundo turno, ninguém vai lembrar disso, que a polarização tinha cansado. Tinha opções de voto, mas o índice de abstenção, nulos e brancos foi alto. Se fosse só a polarização, no 1.º turno haveria um índice de participação maior.
O sr. tratou da questão da renúncia na campanha, mas ainda hoje é questionado pelos eleitores sobre isso. Essa dúvida prejudicou sua votação no 1º turno?
Acho que sim, embora na época não fosse uma dúvida. É um problema que surgiu na própria eleição municipal, e é natural que seja assim. Dentro do que me é permitido fazer, eu fiz e vou continuar fazendo. Eu não deixo de conversar a respeito.
O plano de governo só vai ser divulgado agora. Por quê?
Eu não parei de apresentar propostas a cada dia, isso que é importante. O programa (registrado) no TRE é para valer. Agora estamos organizando as temáticas, pegando contribuições dos partidos que estão entrando. Por exemplo, a questão das creches. Vamos criar um auxílio-creche, uma bolsa para as mães que estiverem na fila. É uma ideia que veio do PPS. Do PDT tem coisas importantes, como (corrigir) a diversidade das velocidades limites na mesma via.
No 1º turno, seus dois principais adversários trataram de projetos a fim de reduzir a tarifa de ônibus. O sr. tem proposta para reduzir o custo da passagem?
A proposta do bilhete mensal não é redução de custo. Aí é que está a enganação. A outra não tinha cabimento. Não é que cause dano, só não tem relevância, e foi apresentado como grande ideia, a meu ver por estratégia eleitoral e porque não pensaram muito.
O ministro Gilberto Carvalho disse que o mensalão atrapalhou o PT na eleição. O sr. concorda?
Claro que atrapalha. O mensalão é um processo em cima do PT e do seu governo. E não é só processo, agora é condenação. O empenho deles é que passe desapercebido, mas não passa.
O sr. já tinha apoio do PR, que tem um réu condenado, e agora tem do PTB, que também tem...
O (Roberto) Jefferson foi quem denunciou o mensalão. Pode ter gente de outros partidos, mas o mensalão é do PT.
Em resposta, o PT já tem falado do chamado “mensalão mineiro”.
É a reação tipicamente petista. Bate carteira e grita ‘ladrão’ para dispersar a atenção. O PT no governo foi um retrocesso em termos de moralidade pública.
O sr. se refere só ao governo Lula, ou inclui o governo Dilma?
A Dilma pegou essa herança. Ela é do PT, se comporta como petista. Começou fazendo gentilezas ao Fernando Henrique, mas na hora H voltou as coisas anteriores, satanizando o governo anterior sem hesitar.
O sr. acha que o material de combate à homofobia foi o ponto mais fraco da gestão de Fernando Haddad na Educação?
O pior foi a área educacional propriamente dita. Quem tem que se explicar sobre o kit é ele, a Dilma, que revogou (a distribuição), e o TCU, que está cobrando os R$ 800 mil gastos nisso. Quando eu era ministro, não saia uma peça publicitária ou educacional sem que antes eu tivesse revisado o conteúdo. É inadmissível. Mas a questão é a gestão, que vai deixar marcas desastrosas para o futuro: a desmoralização do Enem, as maiores greves da história desde o governo Figueiredo.
Ainda sobre o kit, pastores evangélicos, em especial Silas Malafaia, fizeram críticas fortes ao conteúdo. O sr. concorda?
O Silas Malafaia apoiou o Eduardo Paes com vice do PT no Rio. Ele foi do conselhão do Lula, aquele conselho de desenvolvimento social. O problema é que, declarando apoio a mim, passou a ser inimigo do PT. Eu não vi a crítica mais aprofundada, mas tem um erro incrível, inclusive de matemática, quando no fundo faz apologia do bissexualismo. Diz é bom ser bissexual porque você aumenta em 50% a chance de ter programa no fim de semana. Não é 50%, é 100%. Segundo, isso não é combater homofobia, é uma espécie de doutrina. O problema do kit gay é acima de tudo pedagógico. Quer doutrinar, em vez de educar.
Se assumir a Prefeitura, o sr. pretende criar programa de combate à intolerância nas escolas?
Homofobia, intolerância, tem que ser combatidos sempre, de forma adequada. Eu fiz isso sempre na vida pública: políticas para deficientes, mulheres, idosos. Meu currículo em matéria de enfrentamento da discriminação e do preconceito ganha de qualquer petista. Essa questão religião-política: os católicos e os evangélicos têm o direito de se manifestar. De repente isso fica proibido. No caso do PT, sempre que não é a favor deles. Eu não sou cristão de boca de urna. O PT quer sempre reprimir isso quando não é do lado deles. É antidemocrático e preconceituoso.