Depoimento em primeira pessoa de Nana Queiroz para o Brasil Post:
Como foi ser mulher e crescer no Opus Dei
Devo ser um dos projetos mais fracassados do Opus Dei no Brasil. Nasci em uma família do que eles chamam supernumerários (casais que dedicam a vida a espalhar a mensagem do Opus Dei), cresci ouvindo palestras e aulas sobre sua doutrina.
Para quem não sabe, o Opus Dei é uma entidade da Igreja Católica, e não uma seita como muitos dizem. Também não tem nada a ver com toda aquela baboseira do Código da Vinci, a começar pelo fato de que não existem monges no Opus Dei e matar pessoas estaria completamente fora de questão mesmo para os mais apaixonados.
Digo isso porque o Opus Dei já tem defeitos demais para ser acusado dos que não tem. E o primeiro deles é sua doutrina com relação às mulheres.
Certo verão, quando eu tinha 14 anos, cheguei para uma das palestras na casa do Opus Dei na Vila Mariana, em São Paulo, com um blusinha regata extremamente confortável. Uma das mulheres que viviam na casa em esquema de completa dedicação (ela havia abdicado de namorar e ter família, por exemplo, pelo que ela acreditava ser correto) chegou para mim e disse:
- Sei que você é magrinha e não tem um corpo muito provocativo (!), mas você nunca deve subestimar o efeito que tem nos homens. Não vai querer ser responsável pelo pecado de outra pessoa, né?
Acho que este foi o primeiro momento em que eu senti que aquela instituição era absurda e eu deveria sair correndo. Que tipo de pensamento é este de que eu sou responsável pelo que outra pessoa pensa ou faz só porque estou com calor???
Era a culpabilização da mulher pelas atrocidades do homem ali, falando na voz da religião.
Durante minha adolescência, enfrentei diversos momentos em que isso foi reforçado. Quando comecei a namorar, aos 15, tinha muito medo de ir para o inferno porque meu namorado tinha tido uma ereção ao me beijar. Fui a um padre e perguntei o que deveria fazer. Ele me respondeu:
- Você é a condutora da carruagem, se há risco, não deve nem beijar seu namorado, para não perder o controle dos cavalos.
O pobre do meu primeiro namoradinho topou o desafio e me namorou sem beijo na boca nem nada por algum tempo. Um abraço querido nele, se estiver lendo isso.
Eu não vou falar sobre casar virgem e outros princípios das religiões. Posso discordar deles (profundamente, aliás), mas defendo até a morte o direito das pessoas terem suas convicções e viverem conforme mandam suas consciências. O que não admito é que a religião seja usada para colocar as mulheres em uma posição de profunda culpa como a que eu vivi durante minha adolescência.
Via meu corpo como um convite ao crime e um risco eterno de ganhar o inferno sem nem saber. Passava calor por medo de ser vista de maneira sexual. Se um homem me olhasse de um jeito que eu não queria, a culpa era minha, eu convidei o olhar, afinal. Se alguém passasse a mão em mim eu deveria pensar em que roupa tinha usado para provocar este comportamento no homem.
Aos 18 anos, me libertei da religião dos meus pais e nunca mais pisei no Opus Dei. Ainda sou muito espiritualizada, mas temo religiões como as crianças temem o Bicho Papão.
Claro, devo a eles uma série de coisas bonitas, como o ensinamento de que meu trabalho deve sempre estar a serviço do mundo que quero construir. Respeito profundamente as pessoas que encontram ali um significado para suas vidas, como meus pais e um dos meus irmãos. Mas nunca consegui perdoá-los por como me fizeram perceber meu corpo. Pior: por como me fizeram perceber como mulher. Espero que um dia eles pensem sobre isso e mudem. Eu acredito em transformações.