segunda-feira, 26 de maio de 2014

O Vaticano em guerra


Matéria publicada no IHU:

Guerras vaticanas ao redor do papa

Basta repassar no gravador a longa fila de rostos episcopais preocupados, perplexos, tensos e às vezes irritados, que apareceram nas telas de TV enquanto o pontífice falava à Conferência Episcopal Italiana (CEI), para entender que o 19 de maio foi um dia fora do comum na história do episcopado italiano.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 21-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quem acompanhou João Paulo II, Bento XVI e Francisco nas suas viagens na Itália e no exterior conhece bem o barulho dos aplausos ensurdecedores. Na segunda-feira, não se viu nem um rastro disso na sala do Sínodo.

O aplauso final em diversos setores do hemiciclo se limitou ao mínimo. É um sinal de alerta. Muitos meios de comunicação, drogados pela campanha eleitoral italiana, explicaram em chave italiana o apelo papal a não ceder ao "catastrofismo", quase como se Bergoglio quisesse roubar espaço do jovem Renzi.

Não é assim. O Papa Francisco se referia à "emergência histórica" da miséria e do precariado crescente em todo o planeta, enfatizando a exigência de que os bispos, na fase atual, não se detenham no plano, "embora nobre", das ideias, mas saibam entrar na realidade com gestos concretos para dar uma contribuição para encontrar saídas de uma situação – global – que esmaga cada vez mais a maioria dos seres humanos.

Antes ainda do aspecto social, no entanto, a "pregação" do papa argentino se dirigiu aos bispos de carne e osso, ao seu modo de se apresentar, ao seu modo de agir, à sua atitude ou não de criar comunidade em torno de si, valorizando o papel dos leigos e a presença das mulheres e dos jovens.

É claro que o pontífice que veio "do fim do mundo" pede que das hierarquias italianas emerja uma gigantesca operação de reconversão, um esforço grandioso para abandonar toda tentação de se sentir "potentados" na sua realidade social (pequenos, médios ou grandes, não importa), a fim de se colocarem diante da humanidade contemporânea simplesmente na veste de discípulos de Cristo.

"Que o seu anúncio seja cadenciado pela eloquência dos gestos", exclamou. Reiterando logo depois: "Eu recomendo: a eloquência dos gestos". Como que dizendo que, sem o testemunho concreto de uma diversidade de vida e de ações, o anúncio da Boa Nova não chega.

Evidentemente, no ano passado, Francisco não percebeu no episcopado uma prontidão para segui-lo. No mínimo, captou uma inércia filial a lhe dizer sempre sim, permanecendo fixos nas suas próprias posições de costume. Isso explica a irritação do pontífice, que se traduziu na decisão sem precedentes de não se limitar – como faziam seus antecessores – a indicar, nos bastidores, a linha do presidente da CEI, sugerindo-lhe as ênfases a fazer ressoar na palestra introdutória, mas também a tomar a palavra logo no início da assembleia dos bispos para mostrar claramente o horizonte em que se mover.

Não foi uma operação indolor. A ausência de qualquer reconhecimento do trabalho desempenhado pela conferência episcopal, a insistente lista dos erros (as "tentações") que os bispos italianos são chamados a corrigir, são fatores destinados, por sua vez, a provocar irritação nos ambientes prelatícios. E a alimentar a surda oposição daquele setores episcopais e cardinalícios que alimentam a guerrilha antipapal do jornal Il Foglio e de uma massa de sites contrários ao papado argentino, acusado de simplismo, demagogia e pouca profundidade teológica.

Uma guerra subterrânea está em curso no Vaticano e na Igreja universal em torno do projeto de reformas de Francisco. A clara dissonância que se produziu entre o papa e uma parte da CEI representa uma novidade no panorama eclesial.

Certamente não agradável. Certamente capaz de tornar mais obstaculizado o processo de reforma. O andamento do debate irá mostrar quantos serão, concretamente, os bispos da CEI prontos para se consumir para apoiar e realizar as mudanças profundas exigidas por Francisco.

Em relação a décadas anteriores, o cardeal Bagnasco sem dúvida tentou governar a CEI de maneira menos autoritária, mas aqui é preciso – Francisco exige – um sopro de liberdade de debate e de propostas, típico da época do Concílio Vaticano II, que a atual estrutura da CEI até agora não permitiu.

Nessa terça-feira, 20, o cardeal-presidente Bagnasco tomou a palavra. Ficou perceptível que, a propósito da futura modalidade de escolha do presidente, ele já abriu uma fresta para correções ou, eventualmente, para "novas formas" em relação ao fechamento dos últimos meses.

A velha proposta previa que o presidente, depois de uma sondagem entre todos os bispos, sempre seja escolhido pelo papa. A assembleia terá a coragem de chegar a uma verdadeira eleição?



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