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Culto vira comício e igreja faz até "pesquisa eleitoral"
Pastor da Assembleia de Deus pede que fiéis repitam várias vezes nome do candidato Guilherme Sartori, sem dizer que ele disputa eleição; culto também tem santinho e enquete de intenção de voto
Débora Melo
Já passa das 17h45, e o Culto da Família começa em mais um domingo na Assembleia de Deus do Brás - Ministério Madureira (ADBrás), na zona leste de São Paulo. Do lado de fora, muita gente ainda chegando: homens, mulheres, idosos, crianças. Depois de subir as escadas, já dentro do templo, uma obreira faz um sinal com a mão e diz: “Posso fazer uma pesquisa com você? Em quem você vai votar?”, pergunta, exibindo um formulário onde o fiel pode indicar suas escolhas para senador, deputado federal e deputado estadual. “É só para a gente saber como está o desempenho do pastor aqui da casa”, explica a mulher à reportagem.
O candidato a quem ela se refere é o pastor Cezinha (Cezar Freire), que concorre a uma vaga de deputado estadual pelo DEM. Dentro da igreja, os cerca de 5 mil assentos vão ficando ocupados. Nas cadeiras vazias, junto aos envelopes de “dízimo” e "oferta", os fiéis encontram uma espécie de cartão-postal do presidente da ADBrás, pastor Samuel Ferreira, sorridente ao lado de sua mulher, pastora Keila Ferreira. No verso, uma mensagem sobre “um momento muito importante, as eleições”: “O Cezar hoje é projeto de Deus e de nossa comunidade e precisamos dele na Assembleia Legislativa de São Paulo”, diz o texto, que continua com uma mensagem de “vote”, seguida do nome e do número do candidato.
Além de Cezinha, o santinho pede votos para o deputado federal Jorge Tadeu, também do DEM, que concorre à reeleição. “Apresento-lhe também nosso irmão Jorge Tadeu, para deputado federal. Com ele em Brasília teremos a certeza da defesa e luta pelos nossos ideais”. E então o fiel é informado sobre o número do candidato na urna, não sem antes receber uma nova mensagem do pastor Ferreira: “Peço a você que nos ajude agora com seu voto e sua influência junto aos seus familiares, amigos e conhecidos para conseguirmos mais votos” (veja reprodução do cartão no final da matéria).
A legislação eleitoral proíbe “a veiculação de propaganda de qualquer natureza” em “bens de uso comum” (estádios de futebol, bares, restaurantes, cinemas e igrejas, por exemplo), e o desrespeito à lei pode gerar multa de R$ 2 mil a R$ 8 mil. Para especialistas em direito eleitoral, o material assinado pelo pastor Ferreira configura propaganda irregular.
“O pastor não pode colocar a igreja a serviço da campanha eleitoral de ninguém. Quem está sujeito à multa, neste caso, é o pastor. Se ficar comprovado que os candidatos tinham conhecimento, todos devem pagar”, diz o advogado Arthur Rollo. “Além disso, vão para o inferno”, brinca.
Quanto à pesquisa de intenção de voto, o advogado Guilherme Gonçalves afirma que, como se trata de um “levantamento informal”, não há problema do ponto de vista legal. Já o advogado Arthur Rollo sustenta que a enquete é “uma forma de tutelar o voto do fiel”. “Não é o tipo de conduta saudável à democracia. É como se fizesse lavagem cerebral e quisesse ver se a lavagem cerebral está surtindo efeito”, afirma.
Comício velado
Por volta das 19h, o pastor Samuel Ferreira, que conduz o Culto da Família, diz aos fiéis que quer apresentar “um cara muito simpático, de uma família tradicional, filho de um desembargador do Tribunal de Justiça, que ajuda a igreja em momentos de dificuldade”, e então convida Guilherme Sartori para se juntar a ele. O jovem se levanta de uma cadeira no próprio palco, onde estava sentado com a noiva e a mãe, e ouve com atenção tudo de bom que o pastor tem a dizer a respeito dele e de sua família.
Feito o discurso, o pastor pede para que os presentes agradeçam e orem pela família do desembargador e convida os fiéis a repetirem “Família Sartori”. Depois, conclama o rebanho a gritar em uníssono: “Guilherme Sartori”. Obedientes, os fiéis repetem o nome de Guilherme várias vezes, com os braços erguidos.
“Quem é esse rapaz?”, pergunta a reportagem para uma fiel que repetia o nome de Sartori. “Não sei direito. Filho de juiz, né?” Em um acesso rápido ao Google, a explicação: Guilherme Sartori é candidato a deputado federal pelo PTB.
Em nenhum momento o pastor Ferreira ou o próprio Sartori contaram aos fiéis que quem estava ali era um candidato. Depois de ser apresentado pelo pastor, Sartori afirma, em discurso, que se coloca à disposição da igreja e dos fiéis porque "quando a gente está na Justiça a gente ajuda a família brasileira"
Dias depois, em entrevista por telefone, Sartori disse que ver os fiéis repetindo seu nome não lhe causa constrangimento algum. “Constrangimento por quê? Ele (pastor) é meu amigo, fui apresentado como amigo. Sou uma pessoa boa, que quer ajudar as pessoas, ajudar o País. Não tem constrangimento nenhum”, declara. “Não pedi voto, não fiz panfletagem. Isso é antiético, não se pode fazer isso (na igreja)”, continua, para então admitir o objetivo eleitoreiro da visita. “Como eu sou jovem, tenho que ir (ao culto) para fazer o meu nome ser conhecido. A gente é muito ético. Fica difícil concorrer com esses candidatos que têm muito dinheiro", encerra Sartori.