quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Entre privadas e tons de cinza, o gospel monta a sua indústria

Parece que o título da matéria da Folha de S. Paulo cunhou a palavra perfeita para identificar o movimento "gospel" no Brasil: "indústria".

Agora, o teor do artigo mostra que faltam alguns versículos na Bíblia que os ídolos gospel leem, como "eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado" (Mateus 12:36 - NVI) e "aquilo que eles fazem em oculto, até mencionar é vergonhoso" (Efésios 5:12 - NVI).

Não se surpreenda, portanto, ao ver Thalles Roberto dizendo que seu estilo "é diferente da música me abraça ali que eu chupo aqui", ou André Valadão, sempre preocupado com seu All Star e sua calça rasgada, ironizando: "quem é de fora acha que falamos de privada, mas é o trono de Deus".

Isto revela muito sobre eles, assim como sobre o pastor que disse que "é como se a gente fosse 25 Tons de Cinza". Ele teve o cuidado de não se identificar.

Afinal, "a boca fala do que está cheio o coração" (Mateus 12:34 - NVI), não é mesmo?

Torture-se Delicie-se então com a matéria publicada em 05/11/14:

Indústria gospel afina receita para criar popstar

Gênero bilionário faz concursos na TV e busca público além do evangélico
Novo disco do campeão de vendas Thalles Roberto chegou ao primeiro lugar do iTunes em um mês

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO

"Vim da doideira, das drogas e sei que preciso de overdose na minha vida. Hoje minha overdose é o Espírito Santo", diz Thalles Roberto, 36.

Se é de excessos que vive o músico, atual campeão da indústria gospel, seus números não ficam atrás.

Seu novo CD, "IDE - Ao Vivo na Igreja Bola de Neve", vendeu 35 mil cópias físicas em 30 dias (a tiragem inicial é de 50 mil, a mesma do novo álbum de Maria Rita e metade do de Ivete Sangalo) e chegou ao primeiro lugar em vendas digitais no iTunes.

Ele foi a maior atração da Marcha para Jesus, que reuniu 200 mil pessoas na zona norte paulistana em setembro. O funkeiro Naldo chegou a subir ao palco para um dueto, mas era o nome de Thalles que o povo berrava.

Quem não quer ser Thalles Roberto? É a pergunta que ecoa no estúdio da Rede Gospel, canal de TV da igreja Renascer em Cristo. Aconteceu lá, em 26/10, a final da segunda edição do "Gospel Singer".

Feito à imagem e semelhança de "American Idol" e "The Voice", o reality show é composto exclusivamente por evangélicos --do júri ao cinegrafista que tatuou o patriarca bíblico Isaac no antebraço que levanta a câmera.

Thalles estava no "Gospel Singer" para, com mais cinco jurados, escolher o próximo... Thalles.

Ou seja, alguém que concilie a fé e o tino comercial desse ex-backing vocal da banda mineira Jota Quest --e que agora nada de braçada num mercado que gera R$ 1,5 bilhão anuais, segundo a gravadora Universal.

Joias, calças justas, jaqueta estilo aviador e óculos escuros. Tal qual um Lenny Kravitz que encontrou Jesus, ele canta, em pegada soul, versos como "o inicio é como o mel, mas o final do adultério amarga/ vai ter que pagar pensão, mó tumulto, meu filho".

Mó tumulto pode ser também a disputa entre músicos evangélicos, que começam a deixar seus templos para frequentar programas de auditório e trilhas de novelas da TV Globo.

"Cada igreja tem um cantor, e cada cantor quer ser um grande cantor", diz Thalles.

Guilherme Bueno, vocalista da banda ganhadora do "Gospel Singer", a Tempo de Adorar, sentiu a pressão.

Fã de Oasis, comemorou a vitória entornando várias Coca-Colas num churrasco. "Tem pastor de igreja grande com artista que não consegue decolar. Aí não apoia quem está dando certo. O único que não tropeçou foi Jesus, né?", diz.

Para quem chega ao estrelato, o desafio é alcançar seculares (como chamam os de fora da religião) sem desrespeitar os "irmãos". "Falamos que Deus entra, tira o amargo do coração. É diferente da música me abraça ali que eu chupo aqui'", comenta Thalles.

"O mercado busca quem tem relacionamento real com as igrejas, pois vem de lá o público", diz Renata Cenizio, gerente da Universal Music Christian, o braço cristão da gravadora de Thalles Roberto.

"A palavra é credibilidade. Qual igreja frequenta? É ativo nela? É boa mãe ou bom pai?", diz André Valadão, do elenco gospel da Som Livre.

Ele faz parte da banda Diante do Trono, uma das mais bem-sucedidas no gênero (3,6 milhões de discos vendidos), mas pouco conhecida fora do gospel. "Quem é de fora acha que falamos de privada, mas é o trono de Deus", ri.

25 TONS DE CINZA

É verdade que a altura das saias está mais perto dos joelhos que do umbigo, e os colares de ouro sustentam crucifixos em vez de cifrões. Mas, das vestes ao repertório entre pop rock e sertanejo universitário, o gospel escapole do clichê do "crente".

"É como música clássica, você não vê mulher cantando de maiô ou shortinho. Mas somos contemporâneos. Faço show de All Star e calça rasgada", diz Valadão.

"É a mesma coisa, só que num tom menor. É como se a gente fosse 25 Tons de Cinza'", compara um pastor, que prefere não se identificar.

Nesse sentido, "Gospel Singer" é uma versão "light" de programas do gênero.

Ao julgar os cinco finalistas entre 2.357 inscritos, o júri ora gosta "da voz, mas não da gravata rosa" de um, ora acha "pouco comercial" o som "meio Zé Ramalho" do barbudo que lembra Edir Macedo.

Tudo sob a bênção da bispa Sonia Hernandes, diz a apresentadora Camila Campos, 29, vice-campeã do programa em 2013: "A bispa é pauleira e extremamente roqueira".

Colaborou GIULIANA DE TOLEDO, de São Paulo



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