sábado, 26 de maio de 2012

Os popstars da fé



A revista ISTOÉ desta semana publica uma longa matéria sobre os astros da música católica e evangélica:

A rotina dos popstars da fé

Divididos entre religião e carreira, família e viagens, missas e shows, esses campeões de vendas se desdobram para equilibrar o divino e o mundano no dia a dia

João Loes e Rodrigo Cardoso

Eles detestam ser chamados de estrelas. Repetem, insistentemente, que são, na melhor das hipóteses, um mero canal para a graça de Deus. A humildade do discurso, porém, contrasta com a postura de celebridade desses ídolos cristãos e com os números que compõem este que já é o mais expressivo segmento do mercado fonográfico do País. Estima-se que, só em 2011, a produção de discos e DVDs religiosos no Brasil rendeu R$ 1,5 bilhão. Como não poderia deixar de ser, no mesmo ano, os discos e os DVDs mais vendidos, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (Abpd), foram dos astros da fé padre Marcelo Rossi e padre Fábio de Melo, respectivamente.

O domínio não é só católico. Estrelas do mundo gospel têm tido cada vez mais espaço para brilhar. Pudera, hoje o Brasil tem pelo menos 38 milhões de evangélicos, segundo dados do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV). Nomes como Aline Barros, Ana Paula Valadão e Regis Danese são verdadeiras potências capazes de arrastar centenas de milhares de pessoas a shows, cruzar barreiras religiosas e vender milhões de discos e DVDs. “E tem uma outra coisa – para os evangélicos, pirataria é roubo e roubo é pecado”, afirma o evangélico Danese. Como consequência, as perdas para a pirataria de gravadoras especializadas nesse mercado não passam de 15% do faturamento, enquanto para as outras o percentual pode chegar a até 60%.

Mas como vivem essas pessoas, divididas entre a pureza da mensagem divina e a lógica violenta do mercado? Como administram fé, carreira artística, vida religiosa, família, viagens, fãs, sucesso e dinheiro? ISTOÉ ouviu cinco dos mais importantes representantes do gênero na atualidade, além de gente do seu círculo social, para a seguir mostrar as alegrias, tristezas, paixões e dúvidas dos astros da fé.

"Gosto de roça, de bicho. Em casa tenho pouquíssimos ruídos"
Padre Fábio de Melo

Um mês atrás, padre Fábio de Melo desabafou em seu Twitter que, cansado da cidade grande, qualquer dia venderia seu iPhone e compraria um casal de gansos. Aos 42 anos, o sacerdote que nasceu em Formiga, interior de Minas Gerais, e atravessou fronteiras graças aos cerca de 30 produtos que lançou no mercado – entre CDs, DVDs e livros –, mora sozinho em um sítio numa região rural de Taubaté, interior de São Paulo. É lá, ao lado dos dois cachorros, o mastiff inglês Nathan e o bulldog francês Lucca, que ele relaxa. “Gosto de roça, de bicho. Em casa tenho pouquíssimos ruídos urbanos por perto”, afirma o sexto maior vendedor de CDs do Brasil no ano passado. No momento, o sacerdote cantor que já vendeu dois milhões de CDs e 700 mil DVDs afirma: “Estou cada vez menos urbano.”

Apesar do discurso desapegado, padre Fábio ainda não se livrou de seu smartphone. Também não abre mão de dirigir o próprio carro na ida ao supermercado. Até já arriscou uma volta em um modelo stock car, como mostra a foto acima, em 2010, um desejo antigo. Mas cavalgar, cuidar pessoalmente dos cachorros e ajudar na limpeza da casa e do jardim são seus principais passatempos quando encontra uma folga na agenda tomada – entre celebrações e um programa de rádio – por 100 shows anuais e pelo menos um lançamento de CD ou DVD por ano. “Com essa rotina, ficar em casa é sempre um luxo”, diz o sacerdote. Vestindo batina, o caçula de oito filhos explodiu como um fenômeno da música gospel no início dos anos 2000. “A vocação espiritual do Fábio era a de um padre, mas a vocação natural era a de um artista. Sendo assim, que se tornasse um padre artista”, afirma o padre João Carlos Almeida, diretor da Faculdade Dehoniana e formador espiritual, musical e universitário do sacerdote mineiro.

Padre Fábio aprendeu direitinho com seu mentor. A timidez e a melancolia do início da carreira saíram de cena e o mineiro boa-pinta de olhar triste conquistou o público se valendo de uma linguagem comum ao ambiente acadêmico – própria de quem se formou em teologia e filosofia, fez pós-graduação e lecionou em faculdades. “Fábio não é padre que faz sermão em igreja. Em qualquer lugar que ele vá seu discurso é estudado”, afirma padre Almeida. “Ele é um poeta do evangelho”, diz o pré-candidato a prefeito de São Paulo Gabriel Chalita, que publicou dois livros em parceria com o amigo religioso. Um poeta que, além da articulação das palavras, zela pela aparência. Ela, afinal, também tem o dom de cativar fãs fiéis. “Vou regularmente ao dermatologista. Já tive câncer de pele e uma paralisia facial na juventude. E procuro controlar o peso”, afirma ele. “Eu me cuido, sim. Estar bem-vestido faz parte do meu trabalho. É uma hipocrisia achar que o padre precisa andar mal-arrumado e desleixado.”

"Trocaria meu corpo por três de 18 anos"
Padre Marcelo Rossi

Padre Marcelo Rossi, 45 anos, estava pronto. Na tarde do domingo 20, de batina branca, ele rumou para a cripta que fica embaixo do enorme palco do Santuário Theotókos Mãe de Deus, em construção há oito anos. Ali, seu corpo repousará em sono eterno quando sua missão na terra acabar. O momento era de oração. Todos estavam em corrente vibrando para que a gravação do DVD “Ágape”, que começaria alguns lances de escada acima e dali a pouco mais de uma hora, corresse bem. “Dava pra sentir a energia no ar”, diz um membro da equipe musical. E que energia! Uma multidão de 45 mil fiéis já se aglomerava diante do palco do santuário para acompanhar a gravação e se fazia ouvir, através do concreto da cripta, com poderosos gritos de Jesus.

Seria ingênuo pensar que padre Marcelo já se acostumou com eventos como esse. E, mesmo que tivesse se acostumado, este certamente teria sabor diferente. O DVD “Ágape” é um desdobramento do sucesso inédito e retumbante do religioso no mercado editorial com o livro de mesmo nome lançado em 2010, que já vendeu oito milhões de cópias. “Minha vida está uma loucura, uma correria, mas uma bênção”, diz ele. Até agosto, de segunda a quarta, sua agenda está tomada por sessões de autógrafo em 12 cidades brasileiras. Em meio a esse stresse, ele faz o que pode para manter a rotina. Acorda sempre entre as três e quatro da manhã, faz uma breve oração, não toma café e mergulha nos afazeres diários, que incluem uma entrada ao vivo em rádio, obrigações com a obra no santuário e cuidados com a saúde. “Procuro fazer esteira e fisioterapia quatro vezes por semana”, diz.

Em 2010, depois que sofreu um grave acidente na mesma esteira que usa hoje, padre Marcelo chegou a celebrar missas em cadeira de rodas. A queda lhe rendeu um pé quebrado, tendões rompidos e um insistente problema no joelho que ainda teimam em incomodá-lo. Para amenizar as dores, o religioso tem alternado quatro pares de tênis do tipo esportivo, desenhado para amortecer impactos. Membros da equipe de filmagem da Rede Vida, que transmite suas missas há anos, e voluntários mais antigos que trabalham organizando a multidão nas celebrações em São Paulo dão como certa a ingestão de remédios pelo padre, tanto para dor quanto para inflamação. Isso poderia explicar, em parte, a dificuldade que ele tem tido em se mexer com agilidade e o visível inchaço de seu rosto. “Só com muita fé para fazer o que ele faz com as dores que deve sentir”, disse uma pessoa próxima, que revelou ainda que o popstar católico não pisa num supermercado, restaurante ou cinema há anos. “Não tem jeito, junta uma multidão pra ver, tocar, tirar foto e pedir bênção.”

Sobre o fervor dos fiéis, Marcelo lembra de uma história divertida. “Uma vez, uma senhora me viu dirigindo e começou a me fechar até que eu tive que subir, literalmente, na calçada e parar o carro”, diz ele. “Ela desceu, se ajoelhou e pediu uma bênção”, conta. Desde então ele não dirige mais e conta com o fiel Chicão, motorista e faz-tudo, para ajudá-lo a se deslocar. Quando questionado sobre o que espera do futuro, dá sinais de que o cansaço físico já começou a pesar. “Nos próximos cinco anos me vejo com mais experiência”, diz. “Mas trocaria meu corpo por três de 18 anos.”

"Acompanho o dever de casa do Nicolas, o levo para a escola, alimento e dou banho na Maria Catherine"
Pastora Aline Barros

Nicolas sobe as escadas de casa chorando. No andar de cima, sua mãe, a pastora, cantora e escritora Aline Barros, interrompe a conversa telefônica para acalmar o primogênito de 8 anos, que está usando aparelho nos dentes. “Deixa a mamãe ver. Onde está doendo?”, diz. Aos 35 anos, a maior expoente feminina da música gospel brasileira tem hoje os filhos mais perto de si do que os microfones com os quais se tornou fenômeno da indústria fonográfica. Sete meses atrás, Aline deu à luz Maria Catherine e, desde então, a maternidade sobrepujou a sua rotina artística. Foi só em março, após seis meses dedicados exclusivamente à filha, que a cantora retomou os compromissos no show biz. “Minhas manhãs ainda são para os meus filhos. Acompanho o dever de casa do Nicolas, o levo para a escola, alimento e dou banho na Maria Catherine”, diz a pastora da Igreja Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no Rio de Janeiro, frequentada por ela toda quarta e domingo.

Desde 1995, quando lançou o primeiro de 27 álbuns, a evangélica já vendeu cerca de seis milhões de cópias e ganhou quatro Grammys latinos (o último no ano passado). Aline foi a primeira cantora gospel do País a conquistar um Grammy, em 2004. A gravação do álbum premiado, “Fruto de Amor”, foi cercada de muita tensão. Na época, um problema nas cordas vocais provocava rouquidão na pastora e só lhe permitia gravar depois de uma longa pausa de recuperação. “Procurei uma fonoaudióloga, que me disse que eu estava com apenas 5% da voz em perfeitas condições”, lembra.

Com a voz recuperada, a pastora iria cantar para cerca de dez mil pessoas no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, no sábado 26. Onipresente em programas de tevê fora do segmento cristão e amparada por números de uma estrela, com músicas gravadas em espanhol, a carioca que cresceu no subúrbio da Vila da Penha e hoje vive no confortável bairro da Barra da Tijuca não se veste com o manto comum às celebridades. “Se deixar, a Aline passa o dia de jeans e tênis”, revela a sua mãe, Sandra Barros. “Ela é despojadona.” De fato, a pastora cantora já esteve em três programas de tevê diferentes, em uma mesma semana, calçando o mesmo sapato.

A evangélica se policia para não fazer a vida girar em torno da carreira. Seu marido, o ex-jogador de futebol Gilmar dos Santos, com quem está há 12 anos, revela um pacto feito pelo casal. “Desde que nos casamos, acertamos que não permitiríamos que a nossa vida ficasse refém de uma agenda.” Hoje, quando tem de viajar de avião para alguns dos 110 shows que faz por ano, ela carrega a filha no colo e procura embarcar em voos próximos ao horário dos shows. Inspirada pela fase materna, Aline planeja montar uma loja de roupas infantis. “Eu visto a Maria Catherine três vezes por dia, só para ficar namorando suas roupinhas”, diz.

"Hoje, meu foco é minha filha"
Regis Danese

A rotina de shows já foi mais puxada para Regis Danese, nascido João Geraldo Danese Silveira em 2 de abril de 1972, na cidade de Passos, interior de Minas Gerais. Até 2010, quando vivia o auge do sucesso da música “Faz um Milagre em Mim”, que o consagrou no mercado gospel, o pacato mineiro se desdobrava para cumprir uma agenda de shows que chegava a ter 40 apresentações em um mês. A música, de 2008, é tida pela indústria fonográfica evangélica como a responsável por romper importantes barreiras. Foi das primeiras a ser tocada livremente em rádios FM laicas, a ser gravada por padres católicos e a ganhar dezenas de versões. Foram 50 mil discos vendidos no primeiro mês de lançamento e um milhão em menos de um ano. “Graças a ela, fazíamos três shows em uma noite só”, diz Danese, que vive em Belo Horizonte.

Hoje, o ritmo de shows diminuiu, mas ainda está longe de ser tranquilo. São cerca de oito apresentações por mês. E, onde quer que esteja, Danese, como bom evangélico, está sempre com sua “Bíblia” – a mesma, aliás, desde sua conversão, em 2000. Durante os voos para os locais de show, muitas vezes em pequenos aviões particulares, ela é lida com mais fervor. O artista admite que tem um medo saudável do aparelho. “Uma vez pegamos uma tempestade em um aviãozinho de duas hélices que chacoalhava tanto que nem a Bíblia eu consegui ler, então comecei a cantar”, lembra ele.

A voz, instrumento de trabalho e de fé, é cuidada com esmero. Só não recebe mais atenção que o cabelo, sempre espetado. São pelo menos 30 minutos de preparo, com sprays e produtos para garantir o efeito conhecido pelos fãs. “Às vezes, quando não tem cabeleireiro, eu ajudo, mas não fica lá essas coisas”, brinca Evander Domingues, o Vandinho, violonista da banda de Danese e amigo dos tempos em que ambos ainda eram membros do grupo de pagode Só Pra Contrariar.

É de Vandinho, da fé inabalável e da família que Regis tem tirado forças para encarar o mais recente desafio que a vida lhe jogou: a leucemia da filha mais nova, Brenda, 3 anos. Em viagem para a Disney, nos Estados Unidos, no mês de janeiro, a menina começou a passar mal, estava anêmica, muito branca e cheia de manchas roxas pelo corpo. Em visita a um hospital de Orlando, foi internada imediatamente e teve de receber uma transfusão de emergência. “Ela estava praticamente sem sangue”, diz Kelly Danese, mulher de Regis. Hoje, o tratamento quimioterápico pelo qual a menina passa em Belo Horizonte mudou a rotina da família.

O astro gospel já não joga mais seu futebolzinho semanal e pouco se diverte. “Todo o tempo livre que ele tem passa em casa olhando para a Brenda e orando”, diz Kelly. Um DVD, que seria gravado no mês que vem pelo astro, foi cancelado. Os shows, porém, continuam. Quando está fora, ele liga mais de cinco vezes por dia para saber notícias. “Hoje, meu foco é minha filha”, diz Danese.

"Nem o sucesso da missão justifica o fracasso da família"
Ana Paula Valadão

“Vai com Deus, porque quando você cantar o ladrão não vai mais ser ladrão.” A frase dita pelo precoce Isaque Valadão, 6 anos, é o que move Ana Paula Valadão, mãe do garoto e vocalista da banda Diante do Trono, um fenômeno da música gospel que existe há 15 anos e já vendeu mais de dez milhões de discos. Quando as obrigações da carreira musical atropelam a rotina dessa mineira de Belo Horizonte, é na frase de Isaque que ela pensa. “É a garantia que tenho de que estou no caminho que Deus quer pra mim”, diz Ana, 36 anos, integrante, ao lado da família, da Igreja Batista da Lagoinha. “Ela encara a carreira e os sacrifícios exigidos como missão divina”, diz a irmã, Mariana Valadão. E espera seriedade, compromisso e abdicação semelhantes de todos de sua equipe. Atualmente, por exemplo, os 16 membros do Diante do Trono estão no que ela chama de “jejum de delícias” em preparo para a gravação do 15o disco da banda, marcada para acontecer no dia 9 de junho. Durante os 40 dias que antecedem a apresentação, cada um deve cortar do cardápio três ou quatro alimentos que come por puro prazer. “O rigor é tanto que ela chega a proibir, nos hotéis, que a equipe assista à televisão ou use a piscina antes de fazer uma apresentação”, diz o irmão, André Valadão, outra estrela do mundo gospel.

Comunicar-se com familiares, porém, está liberado. Ela está sempre em contato com os dois filhos e o marido pelo iPhone. Usando um aplicativo que permite a troca gratuita de mensagens de texto e imagens, manda e recebe notícias constantes. Na última viagem, por exemplo, o companheiro mandou fotos de Isaque e do irmão, Benjamin, 3 anos, depois do banho, vestidos com o uniforme da escola e na hora de dormir, aconchegados no canto dela da cama de casal. Já ela fotografou o quarto do hotel e a roupa que escolheu para se apresentar. “Para eles verem como a mamãe está”, diz ela. Quando volta, ela lê e assina todos os recados mandados pelas professoras sobre seus meninos e faz questão de levá-los ao colégio sempre que está em Belo Horizonte. “Nem o sucesso da missão justifica o fracasso da família”, afirma.

Paciente com os fãs, Ana Paula encara a rotina de autógrafos, fotos e conversas como parte de sua missão. “Gosto da troca com eles”, afirma. A coisa só complica quando invadem seu espaço. Certa vez, enquanto estava hospedada em um hotel-fazenda de férias, um dos camareiros a acordou de um preguiçoso sono da tarde em seu quarto, enquanto os filhos e o marido estavam na piscina. Ele queria tirar uma foto. “Achei um pouco demais”, diz ela, rindo. No fim a foto foi tirada e o rapaz ainda reclamou da imagem. Faz parte.

(entrevistas adicionais podem ser lidas no site da ISTOÉ)



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