Não vou citar nomes, porque eles não merecem sequer ser referidos ou lembrados, mas é impressionante a profusão dos esquemas de pirâmide que se espalham entre os evangélicos.
Esse fenômeno é um tanto quanto cíclico, embora varie de roupagem com o passar do tempo. O "conto do vigário" vira o "conto do pastor" e vice-versa...
No começo da década de 2000, por exemplo, quando nem havia redes sociais, era muito comum ser exposto às "correntes" que eram enviadas por cartas convencionais, via email ou pelos fóruns de discussões na internet, em que os "irmãos" passavam uma espécie de "lista" em que cada pessoa era convidada a "abençoar" outros "irmãos" com o depósito de uma certa quantia (geralmente R$ 1,00) para o(s) nome(s) imediatamente anteriores.
Algo mais ou menos assim:
Mais "pirâmide" que isso, impossível. O golpe todo se sustentava nos espertos que acreditavam (ou fingiam acreditar) na balela que um "irmão" lhes contava e tratavam de envolver outros incautos no esquema.
Ai do recipiente da mensagem que fosse honesto e se recusasse a participar dessa maracutaia! A simpática e alvissareira "cartinha" já deixava claras as maldições para aqueles que "quebrassem a corrente".
[Sim, há certos "evangélicos" especializados em rogar praga...]
A fraude era bem amadora e nem se preocupava em mascarar o óbvio estelionato, fornecendo dados completos como nome, RG e conta bancária, e havia crente que insistia em dizer que aquilo era uma "bênção", e coitado de quem ousasse lhes dizer que estavam cometendo um crime.
Quando confrontados, das duas uma: ou faziam questão de persistir no erro dizendo que não havia nada de errado no que estavam fazendo, ou alegavam não saber que o esquema configurava crime.
Um dos princípios básicos de direito, em latim, entretanto, diz que "ignorantia legis neminem excusat", ou seja, "ninguém pode alegar desconhecer a lei". Não adianta o sujeito dizer que não sabia que a "pirâmide" que ele promovia era crime.
Como você já deve ter imaginado, o golpe tem um certo prazo de validade, porque é insustentável no tempo. O estouro é inevitável.
Chega uma hora em que a corda estica demais e adivinhe de que lado ela vai arrebentar...
Chega uma hora em que a corda estica demais e adivinhe de que lado ela vai arrebentar...
Ao contrário do ditado popular, os últimos a entrarem só serão os primeiros a reclamar que foram lesados por algum estelionatário que lhes vendeu a ilusão.
Como há muita gente envolvida, e os valores subtraídos na ponta são de pequena monta, a apuração desses crimes geralmente não dá em nada, salvo raras exceções.
O vigarista que teve a ideia inicial, e está no topo da pirâmide, é quem realmente faz a festa.
Agora, o que é impressionante é a quantidade de "evangélicos" que não só caem como promovem e "ungem" este golpe.
Primeiramente, como já tivemos oportunidade de comentar no artigo "O conto do bilhete premiado", “cada um, porém, é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tiago 1:14).
É fácil e cômodo vestir a máscara de "vítima" e se dizer enganado por alguém, mas esses "evangélicos" são ludibriados mesmo é pela sua própria cobiça, pelo seu desejo de se dar bem, o que é até compreensível (embora inaceitável) com o pensamento mágico da prosperidade que é pregado todo santo dia em muitas "igrejas" que se dizem cristãs por aí.
Em segundo lugar, conforme também já analisamos no artigo "Os ais de Habacuque e o triunfalismo evangélico", os "crentes" de hoje em dia recebem a palavra de certos "pastores" como verdades insofismáveis e revelações novidadeiras, sem o cuidado bereano de conferirem na Bíblia se o que eles pregam corresponde à verdade de Deus.
Um dos "ais" de Habacuque (2:9) se refere a esse desejo mórbido e inconsequente do dinheiro fácil: “Ai daquele que adquire para a sua casa lucros criminosos, para por o seu ninho no alto, a fim de se livrar das garras da calamidade!”
O lucro fácil e criminoso - este SIM! - corresponde a uma maldição bíblica, que nada tem a ver com a "bênção" da pirâmide próspera apregoada em certos púlpitos ou com as pragas rogadas contra aqueles que quebram a corrente "ungida".
Parece que o livro de Habacuque foi descartado da Bíblia, assim como a busca da santidade, a ética e o bom senso da vida de certos indivíduos que se dizem "cristãos".
Falta-lhes, no mínimo, discernimento. A palavra "evangélico" adquiriu um sentido mágico no Brasil, de maneira que basta qualquer meliante se dizer "evangélico" que um bando de "evangélicos" passa a crer neles de olhos vendados.
Abusando do argumento do "não julgueis" de Mateus 7:1, esses evangélicos deliberada e convenientemente se esquecem do "julgai segundo o reto juízo" de João 7:24 (leia a comparação clicando aqui) e - a exemplo dos guias cegos de Mateus 23:24 - engolem
Na sua busca desenfreada por poder e dinheiro, Deus é só um detalhe útil para enganar os outros.
Nos últimos tempos, o esquema de pirâmide se apropriou do pomposo nome de "marketing multinível", que é até um negócio que - em certas condições bastante específicas - não tem nada de errado, embora haja muita gente que queira ampliar o seu conceito para açambarcar esferas assim não tão confiáveis.
Algumas empresas se aproveitaram desse nome para gerar gigantescas pirâmides financeiras que estão sendo investigadas pelas autoridades competentes, mas que - antes de virarem casos de polícia - chegaram a levar cidades inteiras à beira da falência quando o esquema ruiu.
Não por acaso, havia muitos "evangélicos" nessas pirâmides de nome chic. Afinal, ninguém vai montar uma pirâmide e dar-lhe o nome de "sepulcro caiado", por mais múmias malcheirosas que haja lá dentro.
Se o ocorrido já não bastasse para a desonra do nome de "evangélico", que um dia já foi respeitado no Brasil, parece que agora há "pastores", "bispos" e "apóstolos" que estão propondo novos negócios de "marketing multinível" com o "caridoso" e "desinteressado" fim de dar "prosperidade" aos "irmãos".
Como são bonzinhos...
Assim, na ânsia do lucro fácil, muitos "evangélicos" estão preferindo voltar à escravidão do Egito para construírem lá as suas inglórias pirâmides, ao invés de desfrutarem da paz de consciência e da liberdade que há no evangelho puro e simples de Jesus Cristo.
Não tardará muito para que eles também sejam investigados, denunciados, proibidos e - queira Deus! - punidos, mas até lá muitos incautos serão irremediavelmente lesados, com o agravante de algum espertalhão ter usado o nome de Deus em vão para engodá-los.
Vai ser muito difícil, então, confirmar se resolve alguma coisa aquele outro ditado popular: "vá reclamar com o bispo!"