terça-feira, 8 de outubro de 2013

O jumentinho de Valdemiro Santiago

Na década de 1980, tive um colega de trabalho que frequentava e tinha um cargo importante numa determinada igreja evangélica de orientação pentecostal.

Naquela época, o neopentecostalismo estava ainda nas fraldas. 

[Talvez continue assim até hoje...]

Lembro-me muito bem dele, porque foi a primeira vez na vida que, depois de convertido, convivi com uma pessoa que se dizia irmão na fé mas o seu comportamento no ambiente profissional era algo completamente distinto do que se podia se esperar do testemunho de um cristão.

Hoje essa dicotomia é - infelizmente - muito comum, mas naquela época, em que éramos muito poucos evangélicos e ainda não estava na moda ser "gospel", chocava ver alguém que se dizia cristão ter um comportamento cotidiano completamente oposto àquele que tinha na igreja.

Nem por isso, entretanto, eu tomava o todo pela parte, ou seja, não era por causa do testemunho desse colega de trabalho que eu definia toda a denominação que ele  frequentava. 

Havia, ainda, o benefício da dúvida...

O que não havia, então, era essa profusão de denominações que se dividem exponencialmente a cada dia, e - apesar de nossas diferenças doutrinárias - tínhamos um bom convívio entre os irmãos de confissões distintas, e nos respeitávamos.

Bons tempos aqueles. Éramos poucos, mas éramos dignos, ou pelo menos nos esforçávamos para sê-lo.

Aquele colega de trabalho que se dizia "irmão", entretanto, chegava irado ao trampo toda segunda-feira e, como eu era o único evangélico por ali, ele vinha desabafar comigo.

Rotineiramente, ele dizia que o pastor da igreja dele, uma pessoa muito conceituada na denominação, havia contado outra "parábola de pastor" no culto de domingo à noite.

"Parábola de pastor", nos dizeres dele, eram as estorinhas que o pastor inventava aproveitando alguma narrativa bíblica pinçada exclusivamente para o fim de mandar uma mensagem cifrada (às vezes claríssima) para um irmão ou um determinado grupo de pessoas da igreja a quem ele queria - especificamente - derrubar, atacar ou ofender.

Afinal, uma boa frase (que não está na Bíblia) é aquela que diz que para bom entendedor, meia palavra (ou meia parábola) basta!

Entretanto, apesar de sua tradicional ira das segundas-feiras, ele estava e continuou por anos na mesma igreja, sempre buscando - à sua maneira - fustigar o seu pastor Forrest Gump. Freud deve explicar...

No último domingo, 06/10/13, acordei pouco antes das 6 da manhã, e zapeando a TV me deparei com o "apóstolo" Valdemiro Santiago discorrendo sobre um jumentinho.

Pelo que vi no Google, parece que não é a primeira vez que ele recorre a esse expediente da carochinha. Tanto que no dia seguinte,  ele voltou ao tema, ainda que eu tenha ouvido apenas rapidamente.

O texto bíblico em que - supostamente - ele se baseava parecia ser o capítulo 19 do evangelho de Lucas, em que Jesus entra em Jerusalém montado num jumento nos últimos dias de seu ministério aqui no planeta Terra.

Só que havia alguma coisa que não batia, e por isso quis ouvir aonde a estorinha ia parar.

Para minha surpresa, Valdemiro Santiago contava uma ilustração (não sei se a criação é dele) em que jumentinho que havia levado Jesus, ao voltar para os seus colegas animais, se gabou de que o povo de Jerusalém o tinha recebido com alarido, aplausos e mantos estendidos pelo chão.

Nenhum jumento, obviamente, deu a mínima para a soberba do coleguinha, e ele ficou chateado até que um jumento mais velho, o "vovô" da tropa, o chamou e disse que acreditava na sua versão dos fatos, mas lhe alertou:

- Na verdade, os humanos não estavam tão exaltados por sua causa, mas por causa daquele que você carregava no lombo.

Explicando sua "parábola" inusitada, ainda que evitando a comparação direta, Valdemiro quis mostrar que ele e todos os demais "pastores" que competem pelo rico mercado evangélico brasileiro são, na verdade, "jumentinhos" disputando a aclamação popular.

Assim, o que diferenciaria um jumento do outro seria quem eles carregam nas costas, e, na versão valdemirística, obviamente ele levaria vantagem, já que seria portador do próprio Deus.

No final de seu discurso, o objetivo do "apóstolo" ficou mais evidente: ele estava se colocando na posição de vítima dos "bispos" que abandonam a sua denominação para criarem as suas próprias "igrejas", dizendo que não se importava com isso e até abençoava aqueles membros que quisessem seguir os desertores.

Desta maneira, com aquela cara de "ai que dó de mim!" que ele domina à perfeição, Valdemiro disse que os rebeldes podiam contar com a bênção dele e que o "apóstolo" os receberia de braços abertos se e quando eles quisessem voltar ao seu rebanho.

No seu "evangelho" particular, o "apóstolo" se sente autorizado a reinterpretar versículos bíblicos a seu bel prazer, rearranjando-os para atingir os seus objetivos pessoais inconfessáveis (ao menos publicamente).

Cada dia mais se percebe no Brasil, portanto, a formação de  uma  nova "religião" travestida de "cristã", "evangélica", em que a pureza da doutrina e da própria Palavra de Deus é relegada a mera "inspiração" para "parábolas de pastor" com interesses particulares muito específicos.

Esse rito, digamos, "evangeliquês", além de representar um culto à personalidade dos líderes de determinadas denominações, serve de veículo para um projeto vaidoso de poder, em que o cristianismo é um mero detalhe.

Deve ser por isso que esse "evangeliquês" agora é tema de humoristas, como se vê no vídeo abaixo:



Alguém poderia objetar que Valdemiro "carrega" Deus no lombo, e isso bastaria para eximi-lo de qualquer crítica.

Esquecem-se, convenientemente, de que Deus tem a soberania e a liberdade de usar quem ele quiser, inclusive animais, como já comentamos aqui no artigo "As jumentinhas de Balaão", animais estes que, segundo o relato bíblico, são muito mais importantes do que o xororô de determinados autointitulados "apóstolos".

Resta a impressão de que há uma debandada de "bispos", "pastores" e "obreiros" lá pelos lados da denominação de Valdemiro.

Aproveitando a "parábola" que ele próprio contou, deve ter jumento soberbo demais no meio daquela tropa de muares.

Pelo jeito, de nada vai lhe adiantar desfilar suas boas intenções mascaradas de "parábolas de pastor".

Afinal, como todo bom caipira está careca de saber, de boas intenções o inferno está cheio...



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