sábado, 26 de outubro de 2013

Por uma vida mais simples e sustentável

Há famílias inteiras mudando seu comportamento com vistas a um mundo melhor. Uma gota no oceano, mas estão fazendo a sua parte.

A matéria é do G1 Paraná:

Famílias urbanas preferem vida simples a facilidades modernas

Casal de Curitiba, com dois filhos pequenos, trocou o carro por bicicleta.
Com 80% a menos de renda, dentista diz que vida agora faz mais sentido.

Substituir o carro pela bicicleta e a fralda descartável por fralda de pano são parte das escolhas que transformam a cada dia a vida do casal Luis e Lia Patrício, analista de informática e veterinária, respectivamente. Moradores de Curitiba, eles optaram em viver de uma maneira mais simples.

A televisão e outros equipamentos eletrônicos foram abolidos da vida deles. Eles mantêm apenas um laptop para manter contato com familiares que não moram na mesma cidade. Uso de sacolas plásticas no supermercado e consumo carne também foram práticas eliminadas dos hábitos do casal.

“É uma escolha que a gente fez muito consciente e que a gente continua fazendo todo dia. A gente acha que é viável. A gente está satisfeito com isso, a gente é feliz com isso”, conta Lia. Pais de duas crianças – Ana Maria de três anos e Rafael, de um –, o casal passa os valores nos quais acreditam desde cedo para os filhos.

Patrício leva os meninos à escola todos os dias de bicicleta. Às 7h30, eles saem de casa, faça chuva ou sol. O tradicional “tempo cinza” da capital paranaense, com dias frios e chuvosos, não é empecilho nem desculpa para eles. Munidos com jaquetas, luvas, gorros, calças impermeáveis, botas e capas de chuva eles enfrentam o frio e a chuva. “Você não pode simplesmente desprezar [o mau tempo]. Quando está no inverno e está muito frio tem que sair agasalhado”, afirma Patrício.

Compostagem (um processo de transformação do lixo orgânico em adubo, que pode ser utilizado na agricultura, em jardins e plantas), horta no quintal de casa e a produção dos próprios alimentos também fazem parte do dia a dia da família. “A gente acha que faz muito sentido fazer o máximo de coisas que a gente pode para a gente mesmo. A gente tenta fazer o nosso pão, a nossa granola, o iogurte – o menos industrializado, que passe por menos linha de produção, o mais natural possível. Essa opção concorda mais com o nosso estilo de vida e deixa a gente mais confortável. Faz mais sentido”, explica Lia.

Saindo da inércia

A troca total do carro pela bicicleta foi em 2007, quando o analista de informática decidiu vender o veículo da família. Desde então, o casal começou a enxergar a vida de outra maneira. “A bicicleta foi o que tirou a gente da inércia. Fazer o pão, cuidar do lixo e não usar o saco plástico são coisas que aconteceram durante a humanidade inteira. A sociedade passou a maltratar tanto a natureza há pouco tempo. É um resgate, mas a gente não tem a ilusão de que já está salvando o mundo. A gente tem uma vida relativamente normal, ainda tem um longo caminho para ir. É uma decisão de cada dia. A gente vai descobrindo uma coisinha, um jeitinho novo de fazer e vai tentando agregar isso a nossa rotina”, diz Patrício.

“Quando você ocupa a mente com as coisas mais simples e mais básicas aí, naturalmente, você precisa fazer menos escolhas”, completa. O estilo de vida da família inclusive virou livro. Em setembro de 2013, Patrício lançou “Minha garagem é uma sala de estar”.

Convicto das escolhas, o analista de informática também reflete sobre a vida em sociedade. Segundo Patrício, umas das maiores ilusões do mundo atual é a independência. “Nós somos seres sociais e poder depender das outras pessoas ao invés de ser uma falha, uma fraqueza, na verdade, é a nossa força. É quando a gente está com outras pessoas, ajudando outras pessoas e aceitando essa ajuda é que a gente se sente parte de uma coisa maior. Uma das ilusões de hoje em dia é querer sair de casa, terminar a faculdade, conseguir um emprego para conseguir independência”, pondera.

Casa da Videira

Cláudio Oliver também é adepto da simplicidade como forma de vida. Tanto que, há quase seis anos, largou o consultório dentário onde trabalhava como dentista para viver uma vida com mais sentido, conforme ele mesmo diz. Oliver é coordenador da Casa da Videira, um coletivo definido como uma associação sem fins lucrativos que desenvolve iniciativas nas áreas ambiental e social em busca de um estilo de vida equilibrado e coerente, promovendo práticas regenerativas para o bem comum.

Na sede, uma casa no bairro Mossunguê, em Curitiba, o grupo almoça junto todos os dias. As refeições vêm quase que totalmente do quintal, onde eles criam pequenos animais e plantam hortaliças, legumes e frutas.

“A gente transformou o que era casa e o que sempre foi a casa nos últimos seis mil anos de civilização. A casa, a não ser a casa de pouquíssimos nobres, sempre foi um centro de produção. Um lugar onde se produz não só vida, mas se produzia coisas concretas: roupas, comida, a própria casa, os móveis. Muito recentemente, não estamos falando em mais de 60 anos, a gente vem em um processo, que se acelerou nos últimos 20 anos de uma maneira especial, no qual a casa deixou de ser um centro de produção e passou a ser um centro de consumo. É nisso que se centraliza o estilo de vida que a gente tenta colocar aqui”, define Oliver.

O dentista conta que, com a decisão de parar de atuar no consultório, a renda dele reduziu 80%. Mesmo assim, a vida que hoje ele leva faz mais sentido. Questionado se é mais feliz ao viver de uma maneira mais simples, ele diz: “Eu tenho muito mais momentos de alegria. Eu tenho menos estresse. Eu consigo perceber uma dose muito maior de lealdade na minha vida. Se isso tudo for sinônimo de felicidade, a resposta seria sim. Mas eu descobri que tem coisa que é bem mais importante do que ser feliz, é fazer sentido”.

“Eu não sei quanto custa o tempo que eu passo de qualidade com a minha filha. Eu não sei quanto custa a comida boa que eu como com os meus amigos todo dia. Eu não sei dizer quanto custa ou quanto custaria, isso é, se seria possível através do dinheiro, eu dormir do jeito que eu durmo, eu estar cercado de gente boa como eu estou. Eu avalio é que, antes, eu tinha uma angústia enorme de ter que ganhar dinheiro para conseguir coisas que me satisfizessem momentaneamente, alguma necessidade que eu supusesse que eu tinha e não, necessariamente, me desse alegria, prazer, tempo com a minha esposa e com a minha filha, com meus amigos, tempo para pensar, para estudar”, explica Oliver.

Simplicidade

O filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Jelson Oliveira, está escrevendo um livro sobre o tema: “Simplicidade”, previsto para ser lançado ainda em 2013. Ele relata que, com o crescimento do número de ofertas e de facilidades de acesso aos bens de consumo, as pessoas devem se dar conta da necessidade de “colocar freios voluntários”.

“Cada vez mais temos aumentado o excesso de oferta. Tudo é em excesso: informação, produtos, oferta desde educação até igreja. Em cada esquina tem alguém oferecendo ‘n’ oportunidades para a gente. Quanto mais isto acontece, mais a gente recua no tempo e mais a gente parece que quer buscar aquilo que Epicuro [filósofo grego] chamou de ‘simplicidade’ ou ‘autarquia’. Buscou a ideia de que a gente precisa viver encontrando dentro de nós mesmos os motivos da felicidade”.

De acordo com o professor, o conceito de sustentabilidade, tão em voga na atualidade, está diretamente relacionado à simplicidade. “Significa: eu posso optar por não fazer agora. Eu posso optar por não tomar banho de uma hora porque as gerações do futuro vão precisar de água. Eu não posso hipotecar essa possibilidade em troca da minha realização pessoal, individual, agora. Aí caímos no problema do individualismo da nossa cultura e do egoísmo. Somos sociedade de massa em que o indivíduo foi atomizado. A gente vive como se só que a gente faz, o nosso prazer, é só isso que interessa; e do ponto de vista da sociedade isto não é possível. Nenhuma sociedade se ergue sobre o egoísmo de um indivíduo”, explica.

Na avaliação de Oliveira, a iniciativa de viver de maneira mais simples é de pessoas que já tiveram acesso aos bens de consumo e perceberam o quão danoso pode ser no ponto de vista espiritual e da felicidade e, por essa razão, decidiram recuar.

Reflexão

Aos interessados em viver com mais simplicidade, o professor concede algumas dicas, como pensar sobre as ações e sobre a realidade para, então, dar o primeiro passo. “Não se trata de quebrar tudo que a gente tem e dizer ‘não, não quero’. Trata-se de refletir sobre como vamos usar essas coisas de uma forma mais intensa”.

“Meu exemplo é sempre o do vinho. Se eu compro um vinho, eu posso comprar um caro ou barato, não interessa quanto o que eu posso pagar no vinho, o que interessa é como eu vou usar este vinho. Eu bebo este vinho, chamei a pessoa que eu amo e bebo aquela noite e sou muito feliz. Qualquer coisa que eu tomar depois, muito mais caro ou melhor, meu corpo anula aquela possibilidade de que eu usufrua daquela segunda, terceira, ou quarta garrafa de vinho da mesma forma que usufruí da primeira”, exemplifica.

Ele orienta a mudança a partir de coisas práticas do dia a dia, como não pegar sacolas plásticas no supermercado, separar o lixo, deixar o carro em casa e usar a bicicleta. “Práticas cotidianas que advém de um cuidado, um gesto reflexivo”.

“A simplicidade é o valor mais urgente do nosso tempo. Eu me recuso a acreditar que o ser humano autêntico é esse ser humano da correria. É esse ser humano dos milhões de compromissos, cheio de dependências das coisas exteriores. Eu acho que o ser humano autêntico é o ser humano capaz de se relacionar de forma mais honesta, de forma mais bonita, mais justa com os outros, consigo mesmo, quem sabe com a natureza e, quem sabe, até com Deus”.



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