quinta-feira, 6 de março de 2014

Hannah Arendt, um filme para pensar

Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia de origem alemã que analisou a questão do mal como poucos outros pensadores fizeram na história da humanidade.

Perseguida pelo nazismo, abandonou a Alemanha em 1933, antes da guerra portanto, e se refugiou em Paris até que as tropas de Hitler invadiram a França em 1940, quando ela foi enviada ao campo de concentração de Gurs.

Conseguiu fugir para os Estados Unidos em 1941, onde viveu como apátrida por 18 anos, e ali lecionou Filosofia, sempre se concentrando nos temas da maldade humana e do totalitarismo como sistema político opressor.

Por ocasião do julgamento de Adolfo Eichmann, sequestrado em Buenos Aires em 1960, processado em Israel e ali executado em 1962, Hannah Arendt esteve presente a várias sessões do tribunal especialmente montado em Jerusalém para sentenciar o criminoso nazista.

Fruto dessa experiência, foi publicada uma série de artigos na conceituada revista americana The New Yorker, que depois se transformariam no livro "Eichmann em Jerusalém", que já tivemos oportunidade de resenhar aqui no blog, e recomendamos a sua leitura por se tratar de uma das mais grandiosas obras sobre a maldade que o gênio humano foi capaz de produzir.

Hannah Arendt conseguiu se distanciar o suficiente do objeto analisado, a triste figura de Eichmann e o regime opressor que ele representava, para traçar um perfil demolidor de uma era em que a maldade atingiu níveis estratosféricos, e não se eximiu de criticar as lideranças judaicas locais que, de alguma forma, colaboraram com os nazistas no genocídio de seus próprios irmãos.

Este foi apenas um lado da profunda análise de Arendt que, por exemplo, teve insights brilhantes como aquele em que diz que, para o militante nazista de qualquer estirpe, a tentação era ser bom.

Afinal, apesar da monstruosidade de Hitler e seus asseclas, a maldade que eles perpetraram foi executada - em sua imensa maioria e nas mais infames formas - por gente absolutamente comum, e nenhuma sociedade presente ou futura está imune a que essa barbárie volte a acontecer.

Entretanto, tanto a crítica ao que ela chamou de "banalidade do mal" como a exposição dos líderes judeus que ajudaram, de alguma forma, a azeitar a máquina nazista de matar, trouxeram a Arendt a repulsa exarcebada de setores da mídia mundial à época, o ódio da comunidade judaica, bem como a perda de algumas amizades que lhe eram muito preciosas.

As feridas da Segunda Guerra Mundial ainda estavam abertas e Hannah, de certa forma, estava muito adiante do seu tempo no papel de observadora daquele fenômeno social pantagruélico. 

É precisamente sobre este período que trata o filme "Hannah Arendt" (2012), dirigido por Margarethe von Trotta, com Barbara Sukowa no papel-título.

É preciso alertar que não estamos falando de um filme, digamos, comercial, já que ele vai fundo no pensamento e nas citações de Hannah Arendt e de outros filósofos, e sua preocupação é instigar o espectador a pensar.

Trata-se, portanto, de um filme muito mais "pensado" e "falado" do que propriamente "visto".

Demorou algum tempo para que se entendesse o que a filósofa percebeu com Eichmann em Jerusalém. 

O fato de ser judia fez com que a frieza de sua análise e o seu distanciamento crítico circunstancial fossem muito mal recebidos à época, mas os ânimos serenaram a tempo de que o seu trabalho fosse reconhecido e respeitado.

Nunca é demais lembrar, também, que o Estado de Israel era muito recente quando esses fatos se desenrolaram, e havia uma política deliberada em renegar a passividade das vítimas do holocausto e acentuar a capacidade de reação do povo judeu às constantes perseguições que sofreu ao longo de sua história.

Foi nesse contexto que Hannah Arendt viveu e pensou, e o filme em questão, entre um cigarro e outro fumado pela filósofa (devem ser dezenas em 1 hora e 40 minutos em cena), o espectador mais paciente e atento ganha uma preciosa lição sobre o que significa (e como é bom) simplesmente pensar, mesmo nos momentos mais difíceis.



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