quinta-feira, 10 de abril de 2014

Comunidade campineira nega sexo, cerveja e futebol a marido violento


Essa é uma daquelas histórias que seriam cômicas se não fossem trágicas e que - principalmente - mostram a capacidade de organização de uma comunidade contra a violência quando o Estado, que deveria dar a todos as condições mínimas de educação e segurança (só para citar alguns fatores), não faz a sua parte.

A experiência de Campinas (SP) lembra, de certa forma e guardadas as devidas proporções, a "greve do sexo" da comédia grega "Lisístrata", escrita por Aristófanes em 411 a. C., em que as mulheres de Atenas e Esparta, cansadas do fratricídio que arruinava seu povo, se unem e passam a negar relações sexuais com seus maridos enquanto eles não parassem com a Guerra do Peloponeso, em que se confrontaram as duas cidades-Estado.

Isto nos remete à linda canção "Mulheres de Atenas", de Chico Buarque, que você pode ver na gravação de 1976 que encerra este artigo, mais abaixo.

A matéria é da Folha de S. Paulo:

Marido agressivo fica sem sexo em comunidade em Campinas (SP)

GIOVANNA BALOGH

Nada de sexo, cerveja no bar nem partidas de bilhar ou futebol. Para grande parte dos homens, ficar sem apenas um desses itens já é uma verdadeira tortura. Em uma comunidade carente do bairro Jardim Columbia, em Campinas (a 99 km de SP), esse é um perigo constante.

Manter os companheiros "na seca" foi a saída encontrada pelas mulheres do local para puni-los por agressões físicas ou verbais.

A ideia foi reduzir os recorrentes casos de violência doméstica o que, segundo moradores, tem dado certo.

O chamado período de "disciplina", onde os homens são privados de sexo ou qualquer atividade de lazer, dura 15 dias e vale para todas as 200 famílias da comunidade que, por coincidência ou não, chama Menino Chorão.

A líder comunitária e cozinheira Maria do Carmo Pereira de Sousa, 44, diz que no bairro não existe o ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher". "Aqui todo mundo se mete e interfere."

Ela diz que a medida foi adotada há cerca de dois anos e só tem dado resultado porque são as próprias mulheres quem fiscalizam se o castigo está sendo cumprido.

"Se o meu companheiro está em disciplina e toma cerveja no bar com um amigo, a mulher dele vai puni-lo também deixando de fazer sexo com ele", diz Maria do Carmo, que faz reuniões quinzenais com as vizinhas para discutir os casos de agressão.

Ela, que é mais conhecida como Carmem, afirma que também foi vítima de violência doméstica quando vivia em Pernambuco com o pai dos seus sete filhos.

"Apanhei muitos anos sem saber o motivo. Muitas mulheres passam por isso diariamente e não sabem como se defender", diz a líder comunitária que vai contar hoje sobre essa experiência no "I Fórum sobre Violência contra a Mulher: Múltiplos Olhares", a partir das 9h na Unicamp.

Dono do único bar da comunidade, Ualas Conceição dos Santos, 24, diz que nunca agrediu a mulher, mas que vê muitos homens proibidos de frequentar seu estabelecimento. "Aqui quem manda são as mulheres. A "disciplina" funciona e acho bom pois as mulheres têm sido muito maltratadas", afirma.

Na comunidade, é difícil achar um homem que fale abertamente que ficou de "castigo". O técnico em refrigeração, Michel Nascimento Barbosa, 23, aprova a "disciplina" e diz que já enfrentou as restrições de lazer e de sexo. "Foi ruim, mas elas estão certas", diz ele, todo comedido.

REINCIDÊNCIA

Em caso de reincidência, o agressor também pode apanhar. "Ele pode ser amarrado e a mulher bate nele na frente de todo mundo", diz.

Nos casos mais graves, o homem é expulso da comunidade. Segundo ela, já ocorreram quatro expulsões e as vítimas escolhem se desejam ficar no local ou ir embora com o agressor. "Infelizmente, algumas foram com eles."

A delegada Maria Cecília Favero Lopes, da Delegacia de Defesa do Direito da Mulher, desconhecia a justiça feita por conta própria das mulheres do Menino Chorão.

Segundo ela, a recomendação é que as vítimas de violência doméstica denunciem os casos e, se for necessário, solicitem medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha. "O homem que for agredido pela mulher também deve procurar uma delegacia e relatar o caso", diz a delegada.

De acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 2012, foram registrados 3.108 casos de lesão corporal dolosa na DDM de Campinas. No ano passado, foram 2.242 ocorrências. A pasta não divulgou, no entanto, os números deste ano.







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