Faleceu ontem na Cidade do México, aos 87 anos de idade, o grande escritor colombiano Gabriel García Márquez, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1982.
Para quem conhece a literatura de García Márquez, morrer assim, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, feriado católico que é tão celebrado e sentido na América Latina, parece ser uma dessas pequenas anedotas do destino.
É que ele, como nenhum outro escritor, soube captar o espírito místico e religioso do povo latinoamericano e transpô-lo para os livros, dentro do gênero "realismo mágico", do qual é fundador.
A exemplo de muitos outros leitores ao redor do mundo, este aqui que vos escreve acha que a primeira frase de um livro já é suficiente para dizer se a obra é boa ou não.
Neste aspecto, García Márquez é responsável por duas das melhores aberturas de romance que eu, modestamente, conheço.
A primeira está em "Cem Anos de Solidão": "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo".
A segunda (a meu ver, a melhor da literatura universal) é de "Crônica de Uma Morte Anunciada": “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”.
Ambas as aberturas, coincidentemente, abordam uma morte anunciada, uma execução irreversível, uma espécie de sexta-feira-santa-e-pagã, e mesmo assim cada trama se desenrola e se desenvolve de maneiras surpreendentemente distintas.
Só esses dois pequenos trechos de sua monumental obra podem dar, a quem nunca o leu, a dimensão de sua genialidade e importância para quem aprecia as boas letras.
Além dos dois romances citados acima, pessoalmente eu incluo mais dois entre os, digamos, vinte melhores livros que li na vida: "O Amor Nos Tempos do Cólera" e "Do Amor e Outros Demônios".
Tão acostumado a retratar o misticismo tipicamente latinoamericano em suas obras, não deixa de ser uma fina ironia o escritor e militante esquerdista "Gabo" ter morrido na quinta-feira da Semana Santa, período em que multidões seguem suas procissões chorosas pelo continente, do Rio Grande à Terra do Fogo.
Aqui no blog, já tivemos a oportunidade de destacar três momentos especiais de Gabriel García Márquez, aos quais remetemos o leitor nos links indicados a seguir: a nossa resenha de "Cem Anos de Solidão" (publicado em junho de 2008), a sua crítica mordaz sobre as festas de Natal (em dezembro de 2010) e seu discurso quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1982 (em março de 2012).
Morre o homem, mas fica seu gênio literário para ser apreciado enquanto o mundo for mundo e houver alguém disposto a sair da rotina e ler um bom livro.