sábado, 5 de abril de 2014

Filósofo de Oxford sugere que estamos dentro da Matrix


Em outubro de 2012, divulgamos aqui duas matérias que sugerem que o universo está dentro de uma Matrix e aquilo que vemos não existe na realidade.

Agora o assunto volta à tona pela hipótese levantada pelo filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, só que pelo ângulo da matemática.

A matéria foi publicada na Folha de S. Paulo de 23/03/14:

Será o universo uma simulação?

As verdades duvidosas do mundo

EDWARD FRENKEL

RESUMO Físicos, filósofos e matemáticos, como o autor deste ensaio, têm estudado a possibilidade de que o universo no qual vivemos seja uma grande simulação computadorizada, desenvolvida por um programador do futuro. Natureza objetiva e atemporal da matemática seria uma chave para a compreensão da nossa realidade.

No romance "O Mestre e Margarida", de Mikhail Bulgákov, o protagonista, um escritor, queima um manuscrito em um momento de desespero, apenas para aprender mais tarde com o Diabo que "manuscritos não ardem".

Embora seja possível apreciar essa versão romântica, naturalmente, não há nenhuma razão para achar que ela seja verdadeira. Nikolai Gógol aparentemente queimou o segundo volume de "Almas Mortas", e o livro se perdeu para sempre. Da mesma forma, se Bulgákov tivesse ateado fogo a seus originais, nós nunca teríamos conhecido "O Mestre e Margarida". Nenhum outro autor teria escrito o mesmo romance.

Há, contudo, uma área da atividade humana que quase poderia exemplificar a máxima segundo a qual manuscritos não ardem. Essa área é a matemática.

Se Pitágoras não tivesse existido, ou se o seu trabalho tivesse sido destruído, alguém possivelmente teria descoberto o mesmo teorema de Pitágoras. Além disso, esse teorema significa para todos hoje a mesma coisa que significou há 2.500 anos e vai significar a mesma coisa para todo mundo daqui a mil anos -independentemente de avanços tecnológicos ainda por ocorrer ou do surgimento de novas evidências. O conhecimento matemático é diferente de qualquer outro conhecimento. As suas verdades são objetivas, necessárias e atemporais.

A que classe de objetos pertenceriam as entidades e os teoremas matemáticos para que possamos conhecê-los tal como fazemos? Será que eles existem em algum lugar, um conjunto de objetos imateriais nos jardins encantados do mundo platônico, esperando serem descobertos? Ou são meras criações da mente humana?

Essa questão tem dividido pensadores há séculos. Parece assustador sugerir que as entidades matemáticas tenham uma existência real e própria. Entretanto, se a matemática é apenas um produto da imaginação humana, como é que todos nós acabamos concordando com exatamente os mesmos conceitos matemáticos?

Seria possível argumentar que as realidades matemáticas sejam como peças de xadrez, ficções elaboradas em um jogo inventado por seres humanos. Porém, ao contrário do xadrez, a matemática é indispensável às teorias científicas que descrevem o nosso universo. E, ainda assim, há muitos conceitos matemáticos -de sistemas numéricos esotéricos até espaços dimensionais infinitos- que atualmente não se encontram no mundo que nos cerca. Em que sentido eles existem?

Muitos matemáticos, se instados a se definirem, admitem serem platônicos. O grande lógico austríaco Kurt Gödel (1906-1978) argumentou que as ideias e os conceitos matemáticos "formam uma realidade objetiva própria, que não podemos criar ou alterar, mas apenas perceber e descrever". Porém, se isso for verdade, como seria possível aos seres humanos aceder a essa realidade oculta?

Não sabemos como; mas uma possibilidade fantástica é a de que vivamos dentro de uma simulação computadorizada regida pelas leis da matemática -e não no que comumente consideramos ser o mundo real.

Segundo essa teoria, algum programador altamente avançado do futuro criou essa simulação e somos parte dela sem saber. Assim, quando descobrimos uma verdade matemática, estamos simplesmente descobrindo aspectos do código que o programador empregou.

PROBABILIDADE

É bem possível que isso lhe pareça altamente improvável. No entanto, na opinião do filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, há mais probabilidade de estarmos em tal simulação do que não.

Se há a possibilidade teórica para a existência de tais simulações, então, argumenta Bostrom, em algum momento os humanos irão de fato criá-las -e pode-se presumir que criarão muitas delas. E, se for assim, com o passar do tempo, haverá muito mais mundos simulados do que não simulados. Por isso, em termos estatísticos, temos mais probabilidade de estarmos vivendo em um mundo simulado do que em um mundo real.

A ideia é de fato muito inteligente, mas haveria alguma forma de pôr essa hipótese a teste, de maneira empírica?

Na verdade, pode haver. Em artigo de 2012, "Constraints on the Universe as a Numerical Simulation" [restrições sobre o universo como simulação numérica, publicado na plataforma arXiv.org, administrada pela Universidade Cornell], os físicos Silas R. Beane, Zohreh Davoudi e Martin J. Savage delineiam um possível método para detectar se o nosso mundo é, na verdade, uma simulação de computador.

Há anos físicos vêm criando as suas próprias simulações computadorizadas das forças da natureza -em escala minúscula, do tamanho de um núcleo atômico. Eles usam uma grade tridimensional para modelar um pedacinho do Universo e, então, rodam o programa para ver o que acontece. Dessa forma, eles foram capazes de simular o movimento e as colisões das partículas elementares.

Entretanto, observam Beane e seus colegas, essas simulações computadorizadas geram pequenas, porém, distintas anomalias -certos tipos de assimetrias. Eles se perguntam se conseguiríamos detectar essas mesmas anomalias distintas no universo real.

No artigo, eles sugerem que um olhar mais atento aos raios cósmicos -partículas de alta energia que chegam à atmosfera da Terra vindas de fora do Sistema Solar- pode revelar assimetrias análogas às dos modelos. Isso indicaria que existe a possibilidade -tão somente a possibilidade- de estarmos habitando a simulação computadorizada criada por outra pessoa.

Estaríamos preparados para tomar a "pílula vermelha", como faz o personagem Neo em "Matrix", e assim vermos a verdade por detrás da ilusão, para sabermos a que mundo nos leva o coelho quando o seguimos buraco abaixo?

Talvez ainda não. O júri ainda está discutindo a hipótese da simulação. No entanto, mesmo que isso se prove demasiadamente rebuscado, a possibilidade da natureza platônica das ideias matemáticas permanece -e pode fornecer a chave para a compreensão da nossa própria realidade.

EDWARD FRENKEL, 45, é professor de matemática da Universidade da Califórnia e autor do livro "Love and Math" (Basic Books). O texto "Será o Universo uma Simulação?" foi publicado originalmente no "New York Times".



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