sexta-feira, 7 de abril de 2017

Evangélicos cariocas não creem que "bandido bom é bandido morto"

Admita: o raciocínio rasteiro e demagógico serve para qualquer coisa... 

Comecemos pelo óbvio ululante. Leia, pense e opine. Tudo isso com calma.

Primeiramente, não existem sistemas penais ou ideológicos perfeitos. Quem assim o afirma, passa um atestado de burrice ou má fé intelectual.

Em segundo lugar, você é o único responsável por desfrutar o imenso prazer desse dom que Deus deu à humanidade sem parcimônia: a razão.

Pense, portanto. Exercite o seu sagrado direito de raciocinar.

Não aceite instantaneamente opiniões alheias e rasteiras como "verdade". Refine-as pelo seu filtro do bom senso.

É que, com tanto imbecil apresentando programas policiais matutinos e vespertinos na TV, usando suas frases rasteiras e demagogas para enganar a população em busca de audiência, tudo isso tolerado pelas autoridades constituídas, sejam elas de que ideologia forem, fica realmente difícil explicar para o leigo que quem defende "direitos humanos" não defende bandido, mas a sociedade como um todo.

Isso, meu amigo, minha amiga, porque a maior desgraça que pode acontecer - para a Justiça como valor filosófico supremo e para o Poder Judiciário como pretenso aplicador dessa tal "justiça" - é condenar um inocente ou matar (ou permitir que matem) um acusado sem lhe dar direito à defesa, ou vice-versa, ou tudo isso junto.

Basta um erro nesta área para que todo o edifício da segurança criminal seja demolido.

Então - pasme! - quem defende os direitos humanos defende, obviamente, os humanos, ou seja, VOCÊ! (incrível, não?), pois ninguém está livre de ser confundido com um bandido qualquer na rua e ser imediatamente linchado por uma manada furiosa de outros supostos humanos, ou de sofrer uma arbitrariedade policial qualquer.

Acontece, não é mesmo? Preciso mesmo dar exemplos?

Um argumento geralmente utilizado por quem critica os direitos humanos é que "ninguém vai visitar a família da vítima".

É verdade, o ideal seria que cada governo, cada Estado tivesse um serviço especializado em socorrer a família da vítima diante da ocorrência de um crime.

Entretanto, por incrível que pareça, a Justiça e o Poder Judiciário não estão nem deveriam estar preocupados com a família da vítima sob o aspecto penal. Sabe por quê?

Porque, desde os tempos da antiguidade grega, se entendia que o homicida que tira a vida de um cidadão deve ser punido NÃO por causa da família da vítima (uma espécie de "justiça retributiva", na base do "olho por olho"), mas por causa do dano que ele causou à sociedade em que está inserido.

Sim, é isto mesmo que você leu. Desde os tempos de Sócrates, todas as sociedades ditas civilizadas punem o assassino pelo simples (e dolorosíssimo) fato de que ele causou um distúrbio gigantesco na sociedade em que vive ao perpetrar um homicídio.

Trata-se, portanto, de uma punição socialmente elaborada em contrapartida ao prejuízo causado pelo ato danoso de um de seus membros.

Já tivemos oportunidade de abordar este tema por ocasião de nossos artigos sobre a "justiça no pensamento aristotélico".

Claro que a família da vítima pode (e deve) buscar a reparação privada dos danos causados pelo homicida, mas como você já percebeu isso se dá no campo do direito civil e não do penal (que é público).

Talvez haja outro sistema melhor do que este, mas é assim que todas as sociedades ditas civilizadas decidiram se comportar para não entregar - de bandeja - os seus membros à barbárie e ao ciclo da violência sem fim.

Todos os outros sistemas já foram testados e reprovados (a Alemanha e seu Führerprinzip que o diga, e isso há menos de 100 anos). 

Estaríamos todos literalmente fritos se Herr Präsident Roland Freisler fosse o modelo universal de juiz.

Se você tiver outro sistema melhor a sugerir, não se acanhe: formule-o, estruture-o e apresente-o ao mundo para que o consideremos. Precisamos sempre de algo melhor.

Dito isto, considerando a confusão que impera no Brasil sobre esses antigos conceitos civilizatórios relativamente simples, chega a surpreender que os evangélicos cariocas sejam a camada da população mais avessa ao bordão conhecido de que "bandido bom é bandido morto".

Surpresa porque - lamentavelmente - o que não falta no meio gospel brasileiro é pastor-mala vociferando impropérios e argumentos rasteiros e demagógicos contra quem ousa defender os direitos humanos.

Pelo jeito, ainda há esperança para os evangélicos cariocas.

A matéria é da Agência Brasil:

Contradições mostram que cariocas não compreendem direitos humanos, diz pesquisa

Vinícius Lisboa

A defesa dos direitos humanos é incompatível com o controle da criminalidade para 73% dos cariocas, segundo a pesquisa Olho por Olho?, divulgada hoje (5) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Quando confrontados com exemplos de situações mais concretas, no entanto, os entrevistados posicionam-se muitas vezes a favor dos direitos de que afirmam discordar, apontam os pesquisadores responsáveis.

"Temos contradições. Embora grande parte da população não acredite que lutar contra a violência seja compatível com o respeito aos direitos humanos, em uma série de outros dados, fica claro que a população não aceita violações específicas", diz a coordenadora do centro de pesquisas, Julita Lemgruber.

Na opinião da pesquisadora, existe incompreensão do termo "direitos humanos" que, muitas vezes, é confundido com impunidade ou "privilégio de criminosos". "A gente tem um dever de casa de explorar essas brechas e trabalhar com a população", afirma.

Para 56% dos entrevistados, quem defende direitos humanos defende bandidos. Apesar disso, 47% discordam da frase "os bandidos não respeitam os direitos dos outros, por isso, não merecem ter direitos".

A maior parte (61%) dos entrevistados afirma que a polícia deve, sempre que tiver escolha, prender em vez de matar. Para 93%, a polícia não pode atirar em quem acha que é criminoso. Além disso, mesmo diante da certeza de que alguém cometeu um crime, 75% são contra o disparo, e 69% são contra a polícia atirar em quem está fugindo e 29% discordam até mesmo de que a polícia dispare contra quem está apontando uma arma para os agentes.

"Essa pesquisa aponta para a possibilidade de desconstrução dessa lógica do 'bandido bom é bandido morto'. Há espaço para discussão com a sociedade", destacou Julita.

A pesquisa identificou uma base de cerca de 40% dos cariocas que têm uma atitude pró-direitos humanos na questão da segurança pública. Eles são contra o chavão "bandido bom é bandido morto", discordam da pena de morte e são contra linchamentos. Por outro lado, 12,5% declararam ser a favor da frase, da pena capital e da justiça com as próprias mãos.

Para o pesquisador Ignacio Cano, os dois grandes freios à ideia de que bandido bom é bandido morto são a defesa da legalidade e a religião. O estudo identificou que 37% da população concorda que bandido bom é bandido morto.

"Apesar de defender [a tese de que] bandido bom é bandido morto, a maioria dessas pessoas está pensando mais em uma pena legal do que em uma execução sumária ou um linchamento na rua", destaca.

A pesquisa mostrou que os religiosos praticantes, especialmente os evangélicos, são o grupo que mais discorda da frase e também o que mais acredita na ressocialização.

"Os religiosos, muitas vezes, acreditam que Deus é o único que pode tirar a vida", explica Cano, que defende uma renovação do discurso em defesa dos direitos humanos. "É preciso uma reciclagem. Nossa linguagem deve ser mais próxima da linguagem das pessoas, e não da dos tratados internacionais apenas".

Para Cano, é preciso desnaturalizar a ideia de "guerra" no Rio de Janeiro, desconstruir a demonização da figura do traficante e apontar o fundo racista nas violações dos direitos humanos.

Exposição

A pesquisa mapeou também a exposição das pessoas a cenas de violência e identificou as redes sociais Facebook e WhatsApp como as principais plataformas em que os entrevistados tiveram acesso a vídeos de violação de direitos humanos.

Do total de entrevistados, 42% já viram pessoas sendo mortas na internet, 40% já assistiram a tiroteios envolvendo policiais e 38% já viram vídeos de linchamentos.

A pesquisa ouviu 2.353 pessoas, com ao menos 16 anos, em pontos de fluxo do município do Rio de Janeiro. O questionário, com mais de 40 perguntas, foi aplicado em março e abril do ano passado.

Edição: Lílian Beraldo



LinkWithin

Related Posts with Thumbnails