Alegre o seu feriadão com a leitura divertidíssima da crônica de Luis Fernando Verissimo, publicada no Estadão em 06/04/17:
Em comum
Uma das teorias sobre o nascimento de fonemas é que o ser humano teria começado a imitar os sons dos animais, sendo a última vez em que o mundo teve uma linguagem comum
O homem é o único animal que fala pela mesma razão que é o único animal que se engasga. Algo a ver com a localização da laringe. Ou é da faringe? Enfim, algo no homem lhe dá o dom da expressão verbal que nenhum bicho tem, mas os bichos, em compensação, nunca se veem na situação embaraçosa de dizer o que não deviam ou se engasgar na mesa.
O fato também sugere uma questão: foi a necessidade que o homem — ou, mais provavelmente, a mulher — sentiu de falar que determinou a eventual localização privilegiada da laringe, ou foi o acaso da laringe humana evoluir como evoluiu que determinou a fala?
O ser humano desenvolveu a fala por um acidente anatômico e assim virou gente ou a linguagem foi uma etapa lógica da sua evolução, porque para ser gente só faltava falar?
O próprio Darwin chegou a especular que a fala começou com a pantomima, com os órgãos vocais inconscientemente tentando imitar os gestos das mãos.
A linguagem oral teria se desenvolvido porque, antes da invenção do fogo, a linguagem gestual não era vista no escuro e as pessoas, ou as pré-pessoas, não podiam se comunicar. A linguagem é filha da noite!
Teorias estranhas sobre a origem da linguagem não faltam.
No século XVII um filólogo sueco afirmou com certeza que no Jardim do Éden Deus falava sueco, Adão falava dinamarquês, e a serpente falava francês (Sempre a má vontade com os franceses).
Na sua infância — a palavra “infância”, por sinal, vem do latim “incapacidade de falar” — a humanidade não produzia palavras mas certamente produzia sons, e uma das teorias sobre o nascimento de fonemas é que o ser humano teria começado a imitar os sons dos animais para identificá-los e que esta foi a última vez em que o mundo teve uma linguagem comum.
Foi chamada de “teoria bow-wow”, e o nome já a desmentia, pois “bow-wow” é como latem os cachorros anglo-saxões, enquanto os luso-brasileiros fazem “au-au” e os japoneses, segundo os japoneses, “bau-bau”.
A única linguagem comum a toda a humanidade é a dos ruídos involuntários do nosso corpo.
Toda a espécie humana espirra e tosse da mesma maneira, não há como variar a pronúncia de um arroto e nada simboliza melhor a nossa igualdade intrínseca do que o pum, que todos dão da mesma maneira, não importa o que digam do pum alemão.
Eis uma receita para o entendimento, inclusive entre os grupos e facções em choque no Brasil de hoje, esquerda x direita, políticos x Lava-Jato etc. Todos os confrontos entre partes litigantes deveriam começar com um coro de ruídos elementares, para enfatizar nossa humanidade em comum.