quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Carta aos Romanos - 4

Nos 7 primeiros capítulos de Romanos, Paulo vem traçando um paralelo entre a lei e a graça, entre judeus e gentios, para concluir, no primeiro versículo do capítulo 8, que "nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus". Depois, nos capítulos 9 a 11, ele vai retomar a questão dos judeus de maneira mais específica, em que vai falar da rejeição da justiça de Deus pelos judeus.

O capítulo 8 funciona, para mim, como o cume da montanha que Paulo pretendia atingir na sua carta ao Romanos. Ele era um cara muito inteligente, e sabia usar muito bem as ferramentas da retórica. Não por acaso o capítulo 8 está colocado bem no meio da carta, pois Paulo vem construindo um raciocínio lógico até aí, para mostrar a depravação humana e a misericórdia e a justiça de Deus, e depois de dar mais ênfase a isso no capítulo 8, vai retomar algumas questões, como a dos judeus, para detalhá-las nos capítulos seguintes. Assim, ele vai subindo a montanha cheia de obstáculos da lei em contraste com a graça, e da pecaminosidade do ser humano, para chegar no capítulo 8 e fazer uma apologia da graça de Deus, e, a partir daí, desce a montanha de maneira mais pausada e tranqüila, falando detalhadamente de algumas questões que não gostaria que ficassem pendentes, e que queria explicar melhor.

Para não me estender muito, vou comentar primeiro sobre os 17 primeiros versículos do capítulo 8. A primeira coisa que me chama a atenção é essa construção do primeiro versículo, de que não há nenhuma condenação para quem está em Cristo Jesus. Karl Barth traduz este versículo da seguinte maneira: "Agora, porém, não há sentença de morte contra aqueles que estão em Cristo Jesus!". Paulo faz questão de explicar quem é que "está em Cristo" nos versos 4-11, ou seja, está em Cristo quem tem o Espírito de Cristo, quem não está na carne, mas nele habita "o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos" (v. 11).

Esta é uma passagem eminentemente trinitária. Paulo faz questão de distinguir (sem dividir) as Três Pessoas da Trindade, em especial no v. 11. Aqueles que criticam a doutrina da trindade, dando como razão o fato do nome "trindade" não aparecer na Bíblia, desviam os olhos de versículos como esse, em que Paulo, no mesmo versículo 11, fala do Pai (aquele que ressuscitou a Jesus), do Espírito Santo e de Cristo Jesus. Ainda que o tema do tópico não seja este, pra mim fica claro que Paulo está tomando muito cuidado – pisando em ovos mesmo -ao falar desse mistério - inalcançável à razão – que é a Trindade, até porque boa parte dos seus destinatários era de judeus convertidos, a quem a idéia de Deus Único lhes era muito preciosa por distingui-los dos demais povos politeístas. Acho que esta é uma das razões pelas quais Paulo não usa a palavra Trindade nem esmiúça este entendimento neste trecho em particular. Primeiro, porque é uma palavra que somente vai ser usada pela primeira vez por Tertuliano quase 200 anos depois. Segundo, porque Paulo temia que fosse mal compreendido pelo seu público, por isso apresenta com muito cuidado o "Deus Único em Três Pessoas", sem fazer um tratado sobre o tema, mas deixando algumas pistas do que pensava a respeito, que hoje, para nós, são verdadeiras evidências, mas a audiência romana de sua época ainda não tinha condições de entender a amplitude do que ele estava falando.

Nos versos 12 a 16, Paulo continua falando do Espírito Santo, reforçando a idéia (no v. 14) de que "todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus", ou seja, está em Cristo (e portanto não sofre nenhuma condenação) quem "o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (v. 16), pelo que não estamos mais (insiste Paulo) na escravidão da lei, mas recebemos o espírito de graça e de adoção pelo qual podemos dizer "Aba, Pai! (v. 15 – uma ressonância de Gálatas 4:6). Essa idéia do testemunho (ou "testificação") pelo Espírito vai ser retomada muito tempo depois por João em sua 1ª carta, dizendo que "o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade" (1 João 5:6) , "e o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida" (1 João 5:11-12).

Talvez se possa dizer que Romanos 8 seja o capítulo do Espírito Santo nas cartas de Paulo. Em apenas alguns versículos, ele fala bastante sobre o Espírito, o Espírito de Deus, o Espírito de Cristo, "o Espírito da vida que, em Cristo Jesus, nos livra da lei do pecado e da morte" (v. 2). Jesus, ainda que fosse o Messias prometido pelos profetas, era um dado novo para os judeus, que conheciam a existência do Espírito Santo, mas o Velho Testamento não falava dEle com tanta ênfase e com tanta Personalidade como Paulo agora estava escrevendo, acho eu que para avisá-los que uma nova era havia começado no relacionamento de Deus com os seres humanos, e o Espírito Santo, que convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8 ) agora atestava quem era filho de Deus (ou não) mediante Jesus e, assim, estava livre (ou não) de condenação.

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