Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristãs, Ed. Vozes e Ed. Paulus, 2002, p. 1.076:
I. A comunidade cristã de Roma nos primeiros três séculos.
Sobre o período que precede a época constantiniana, são pouco numerosas as informações exatas sobre os bispos de Roma. A documentação que foi recolhida sobretudo por Eusébio de Cesaréia, na Hist. Eccles., é bem escassa e pouco segura. Também os catálogos dos papas, compostos em vista de uma demonstração apologética da sucessão apostólica, são bastante problemáticos. O de Ireneu (Adv. Haer. III, 3,3) merece algum crédito pelos nomes que são repetidos por tradições confiáveis. A lista, porém, não nos permite estabelecer o momento em que a direção colegial da comunidade romana passou para o episcopado monárquico. Ainda mais incerta é a cronologia que Eusébio (+ 339) e, depois dele, o chamado catalogus liberianus (336 ou 354) tentaram fixar, sincronizando cada pontificado com os dados dos governos imperiais. Apesar do caráter fragmentário das informações historicamente comprovadas, pode-se aceitar que quase desde o início o cristianismo se difundiu rapidamente até a capital do império (cf. At. 2,10). A notícia histórica mais antiga sobre a presença cristã em Roma encontra-se na Vida de Cláudio (41-54), escrita por Suetônio no séc. II (Mirbt n. 3; cf. At 18,2). Contudo, não se pode considerar a comunidade romana como fundação nem de Pedro nem de Paulo, como o quer a tradição referida pela primeira vez por Ireneu (Adv. haer. III, 1,1; III, 2,3). Foi antes fundada por judeu-cristãos desconhecidos.
Bíblia do Peregrino, Ed. Paulus, anotada pelo Pe. Luís Alonso Schökel, pág. 2702:
Roma, capital de um império sem precedentes, centro de um mundo que se considerava “o mundo”. Centro de irradiação e atração. De Roma partiam exércitos para conquistar, procônsules para governar províncias, leis e correios que percorriam a rede vital de estradas e rotas. Para Roma afluíam estrangeiros de todo tipo: embaixadores, vassalos, comerciantes, fugitivos, mestres, pregadores de muitos cultos. Entre seus habitantes havia uma comunidade de judeus compacta, diferenciada e numerosa: contaram-se treze sinagogas (ou comunidades). Flávio Josefo fala de oito mil judeus adidos de uma embaixada.
Não obstante tal riqueza de informações, a origem da igreja cristã em Roma ficou às escuras. É certo que Pedro foi a Roma e aí sofreu o martírio; não tem fundamento histórico que tenha estado antes ou tenha fundado essa igreja. Então, quem foi o missionário anônimo que levou a semente cristã a Roma? A que grupo pertencia? Dado o vai-e-vem humano da capital, perderam-se seus traços.
Teria sido um judeu convertido? Lucas, com sua mente universalista, diz que entre os ouvintes de Pentecostes havia peregrinos romanos (At 2,10); o mesmo Lucas menciona um casal judeu, Áquila e Priscila (At 18,2), que se mudou para Corinto quando o edito de Cláudio expulsou os judeus (ano 49); Suetônio registra laconicamente o fato: “expulsou os judeus que, incitados por Cresto, multiplicavam seus motins”.
É uma conjetura apenas plausível que surgissem contendas entre judeus agarrados às suas tradições e judeus convertidos ao cristianismo. Pode-se citar a analogia de At 17,1-8. Podemos contar com prosélitos, ou seja, pagãos atraídos à religião e ética judaica; também entre os prosélitos se davam conversões ao evangelho; a etapa judaica lhes servia de ponte (At 13,43). Finalmente, temos de contar com pagãos convertidos. A comunidade cristã de Roma, como indica a carta, era em sua maioria de origem pagã e em parte de origem judaica. Para o judeu apóstolo dos pagãos, esse dado era muito importante.
"Bíblia Sagrada - Edição Pastoral - Ed. Paulus"
Introdução
Nada sabemos sobre a origem da comunidade cristã de Roma, nem sobre suas condições na época de Paulo. As únicas informações são as que se podem tirar desta carta. Formada talvez por cristãos vindos da Palestina e da Síria, essa comunidade logo se tornou conhecida no mundo todo. Um edito do imperador Cláudio, no ano 49, expulsou de Roma os judeus e, provavelmente, também cristãos. Priscila e Áquila, um casal judeu-cristão, vítimas dessa expulsão, foram para Corinto, onde se encontraram com Paulo (At 18,1-3), que realizava a segunda viagem missionária (50-52 d.C.). É através deles que Paulo é informado sobre a situação dos cristãos em Roma. A partir dessa época, o Apóstolo começa a fazer planos para visitá-los pessoalmente. Por ocasião da terceira viagem (57-58 d.C.), ele se encontra novamente em Corinto (At 20,1-3), e projeta ir até a Espanha. Escreve, então, a fim de preparar os cristãos de Roma para a sua tão desejada visita (Rm 15,14-29).
A carta aos Romanos parece ter uma finalidade bem precisa: os temas teológicos tratados e o debate com o judaísmo mostram que Paulo está preocupado em corrigir falsas interpretações a respeito de sua pregação entre os pagãos, provavelmente levadas a Roma por judeus e por cristãos judaizantes (Rm 16,17-18 ).
O Apóstolo expõe de maneira serena, ordenada e aprofundada, a doutrina que já havia exposto de modo polêmico na carta aos Gálatas: a gratuidade da salvação pela fé. Ele mostra que só Deus pode salvar e que ele salva não apenas os judeus, mas toda a humanidade destruída pelo pecado. E Deus salva por meio de Jesus Cristo. Ora, para que a humanidade seja salva, Deus lhe dá uma anistia geral sob uma condição: que o homem acredite em Jesus Cristo, manifestação suprema do amor de Deus aos homens, e se torne discípulo dele.
A seguir, o Espírito age dentro do homem, assim anistiado, e constrói nele uma vida nova, que destrói o pecado. Solidarizando-se com Jesus Cristo, princípio da nova humanidade (novo Adão), a humanidade pode recomeçar seu caminho e salvar-se.
Paulo quer mostrar aos judeu-cristãos de Roma e a nós que nenhuma lei pode salvar, por melhor que seja, nem mesmo a judaica, pois não consegue destruir o pecado; ao contrário, ela até alimenta o pecado. Somente a fé que temos em Jesus Cristo é que nos insere no âmbito da graça e nos possibilita construir, no Espírito, a humanidade nova.
Com relação aos três primeiros capítulos, especificamente, o que eu acho importante destacar é que, às vezes, a subdivisão dos livros da Bíblia em capítulos e versículos faz com que a gente perca boa parte do significado que os escritores quiseram dar ao texto. Assim, por exemplo, o capítulo 1 de Romanos, na minha opinião, deveria terminar no primeiro versículo do cap. 2, e não no verso 32, como termina. Após descrever toda a devassidão do homem, e a maneira como Deus se revela na natureza e nos corações dos homens, mesmo os gentios, Paulo termina este raciocínio dizendo:
Rom 2:1 Portanto, és inescusável, ó homem, qualquer que sejas, quando julgas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu que julgas, praticas o mesmo.
Assim, imaginamos que o que está escrito em Romanos 1 diz respeito única e exclusivamente aos outros, aos que não conhecem a Cristo, aos que não fizeram parte do pacto com os judeus, quando, na verdade, Paulo está nos condenando a todos nós, indistintamente, como indesculpáveis diante de Deus, pelo que não devemos nos preocupar em julgar e condenar ninguém, mas cuidar da nossa relação única e especial com Deus, raciocínio que ele leva magistralmente durante toda a carta a Romanos, mas dá especial ênfase no capítulo 3, dizendo que "não há justo, nem um sequer" (v. 9) e "todos pecaram e carecem da glória de Deus" (v. 23), já preparando o terreno para a graça de Deus, "sendo justificados gratuitamente por sua graça" (v. 24), "mediante a fé" (v. 25), tema que desenvolverá ainda mais nos capítulos seguintes, no 5 em particular.
Outro dado interessante é que no capítulo 1, Paulo fala da depravação dos homens na terceira pessoa ("eles"), e no capítulo 2 passa a dirigir-se na segunda pessoa ("tu"). A Bíblia de Genebra diz o seguinte sobre essa mudança de perspectiva de Paulo:
Naquilo que se segue, Paulo volta-se para um representante imaginário de um grupo real e identificável de pessoas. Embora ele tenha mencionado especificamente os judeus apenas no v. 17, provavelmente ele já os tivesse em mente. Eles concordam com a declaração paulina sobre a ira de Deus, mas supõem-se a salvo dessa ira (o que explica a severa advertência do apóstolo no v. 5). Mas a natureza dessa presunção, se não em sua forma específica, não se limita aos judeus. Neste contexto, Paulo firma os princípios do julgamento divino que todos os seres humanos terão que enfrentar. Esse julgamento está baseado sobre a verdade (v. 2) e será marcado pela retidão (v. 5). Será de conformidade com as obras de cada um (v. 6), imparcial em sua natureza (v. 11) e executado por meio de Cristo (v. 16). Esse julgamento divino trará uma agonizante ruína a todos os pecadores.
E é dentro deste espírito que o capítulo 3 de Romanos começa com as tradicionais perguntas de Paulo, um processo que lembra a maiêutica socrática, em que ele vai, por assim dizer, "definhando" o seu raciocínio de maneira que não lhe sobrem quaisquer objeções. Assim, o povo judeu havia, de fato, sido privilegiado por lhe terem sido "confiados os oráculos de Deus" (3:3), mas isso, em si mesmo, não significava nenhum tipo de ascendência ou exclusividade sobre os outros agrupamentos humanos. Paulo ainda pergunta se não seria melhor praticar atos de injustiça para que, por meio disso, a misericórdia de Deus se manifeste (3:5-8), já adiantando a resposta ("Certo que não!"), mas que ele responderá de maneira mais abrangente nos primeiros versículos do capítulo 6 (vv. 1-2), concluindo em 6:15, "havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum!". Deus haverá de julgar o mundo (3:6-8), e ninguém pode dizer que tem vantagem sobre o outro, já que "não há justo, nem um sequer" (3:11). Daí a carta prossegue dizendo que todos se extraviaram e se fizeram inúteis (v. 12), e "todos pecaram e carecem da glória de Deus" (v. 23). Já que "ninguém será justificado diante dele por obras da lei" (v. 20), somos "justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (v. 24). Qual é o critério, então, para o julgamento de judeus e gentios, circuncisos e incircuncisos? Um só: a fé (v. 30). Afirmar a fé anula a lei? Certamente que não, diz Paulo, mas afirmar a fé confirma a lei, raciocínio que ele desenvolverá nos capítulos seguintes.