No Forum Atos, estamos comentando a notícia veiculada ontem no Jornal Nacional, da Globo, sobre o juiz de Palmas (TO), que mandou soltar vários criminosos condenados por crimes hediondos, que não tinham advogado constituído e que já haviam cumprido 1/6 da pena, o que lhes daria o direito de passarem para o regime aberto, se tivessem seus recursos atendidos, tal como aconteceu com outros réus que tinham advogados, tudo em nome de uma alegada igualdade entre todos eles. A atitude do juiz, obviamente, deixou muita gente boquiaberta, e merece ser analisada mais detidamente (sem qualquer trocadilho).
Impunidade, infelizmente, é uma rotina no Brasil... claro que por um fator ideológico que domina este país desde os tempos da colônia, ou seja, essa voz rouca e invisível da ideologia dominante diz o seguinte: "olha! a gente vai roubar aqui em cima, então vocês podem roubar aí embaixo, que todo mundo fica impune, combinado?!"... e, infelizmente, o povo, mais preocupado com o que comer naquele dia, vai deixando passar... mas vou retomar esta linha de raciocínio isso no final do texto, me aguardem...
O que aconteceu em Palmas, em maior ou menor grau, acontece em todo o país. Primeiro, dentro desta ideologia da impunidade, temos um Código Penal (CP) de 1940, com algumas reformas - que abrandaram ainda mais o que já era ruim - em 1984, mais um Código de Processo Penal (CPP) de 1941, que teve também algumas reformas ao longo dos anos, todas no sentido de aumentar o direito de defesa dos criminosos, com tantos recursos que qualquer advogado razoável consegue prolongar indefinidamente o julgamento do caso, e temos ainda a Lei de Execuções Penais (LEP), de 1984, que é uma coisa linda, filosófica até, na recuperação dos presos, só que cai bem na Suiça e na Bélgica, e não no Brasil. Como dizem que de boas intenções, o inferno está cheio, o mesmo se aplica à LEP.
Para o leigo, que não entende bem esses meandros da Justiça, a coisa funciona mais ou menos assim, em termos bem genéricos e sem maiores cuidados com a precisão jurídica:
1) o CP é a lei que diz quais fatos são considerados crimes no país (ex. art. 121 - homicídio, art. 157 - roubo, art. 171 - estelionato), prescreve as penas para eles e diz quais são os fatores agravantes e atenuantes a serem analisados na gradação da pena.
2) o CPP diz respeito à parte processual dos crimes. Ou seja, estabelece as responsabilidades da polícia, ao receber a queixa-crime, ao investigar e ao encaminhar o processo ao Ministério Público (ao promotor); do promotor ao analisar a queixa-crime e oferecer a denúncia ao juiz; e do juiz ao aceitar a denúncia (ou não), processar o réu em caso afirmativo, até a sentença final; e, principalmente, o CPP estabelece quais são os recursos que o advogado pode utilizar em cada fase do processo... só pra dizer alguns, temos o habeas corpus e a apelação ao Tribunal do Estado, por exemplo, mas todos esses recursos podem ir "subindo" de Tribunal em Tribunal até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, e mesmo lá existe uma série de recursos internos que, dependendo do caso, podem ser utilizados várias vezes.
3) a LEP trata única e exclusivamente da execução da pena. Se alguém é condenado por um crime, a temporada do CP e do CPP já passou, e agora ele(a) é destinado(a) a uma prisão. A LEP estabelece como se dará essa prisão, e também dá algumas possibilidades de "progressão da pena", ou seja, se alguém é condenado a 30 anos de prisão, a partir do cumprimento de 1/6 da pena, com bom comportamento, já terá direito ao regime aberto, assim, desde que consiga trabalho registrado, poderá deixar a prisão durante o dia, retornando a uma casa chamada de "albergue" à noite, onde dormirá. Por isso se chama "prisão-albergue".
Logo, fica claro que o crime compensa no Brasil. São tantas facilidades para o criminoso, que dificilmente alguém vai cumprir uma pena realmente grande e na prisão. A Constituição também estabelece que ninguém pode ficar mais de 30 anos na cadeia, então, mesmo aquele sujeito que matar 500 pessoas em circunstâncias diferentes, e pegar 1.200 anos de prisão, vai cumprir apenas 30 anos, a não ser que seja psicopata e requeira internação psiquiátrica, mas aí já não se trata de pena propriamente dita, mas "medida de segurança", e nesses casos a pessoa pode ficar presa indefinidamente, até o fim da vida, conforme o caso.
Algum tempo atrás, houve uma tentativa de se estabelecer que, no caso de crimes hediondos, não haveria nenhum benefício de progressão da pena, resultado de uma campanha popular liderada pela novelista Glória Perez. A lei foi aprovada, mas o STF, por maioria de votos, entendeu que a lei era inconstitucional por violar a garantia constitucional da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, da Constituição). Qualquer leigo que leia este inciso, vai reparar que ele não diz nada a respeito da obrigatoriedade de beneficiar o réu com o abrandamento das condições da pena ao longo do seu cumprimento, mas a maioria dos nossos queridos ministros do STF entendeu que é obrigatório, sim. Deve-se registrar que houve ministros que entenderam que não, mas venceu a maioria capitaneada pelo Min. Marco Aurélio de Mello, pródigo em interpretar a Constituição favoravelmente aos criminosos.
Por mais que os juízes tenham direito a pensar independentemente, o que eu acho é que muitos deles se sentem acima do bem e do mal, como se fossem extraterrestres a quem coubesse a difícil missão de julgar no Brasil. Parecem não ter qualquer compromisso com o povo ou com a segurança pública, como se pairassem soberanos e imunes a toda e qualquer intempérie humana. Além disso, muitos deles se esquecem facilmente de que são funcionários públicos, pagos pelo povo, a quem supostamente deveriam servir. Pilatos não teria feito melhor. Infelizmente, esta idéia de que o juiz deva prestar contas ao povo é algo que passa longe dos nossos tribunais. Talvez, se adotássemos o regime jurídico anglo-saxão (vigente nos EUA, por exemplo), em que os juízes, promotores e delegados são eleitos pelo povo, eles se preocupariam mais com os seus súditos.
Enfim, no caso de Palmas, o que provavelmente aconteceu é que o juiz não atuou sozinho, até porque o juiz só atua quando é provocado, no sentido jurídico da palavra "provocação", ou seja, deve ter sido o promotor que, vendo a situação dos réus que não tinham advogados, e comparando-as com aqueles que tinham, e por isso mesmo haviam obtido o benefício da progressão da pena mesmo no caso de crimes hediondos, tratou de propor ao juiz que o mesmo benefício fosse estendido aos réus que ainda não haviam conseguido a progressão. O juiz aceitou o pedido e, portanto, os criminosos foram soltos. Tanto o juiz como o promotor pensam ter agido em respeito aos sublimes ideais da igualdade entre os homens, mas eu acho que, se eles pudessem ser responsabilizados pelos crimes cometidos por aqueles que eles soltaram, eles contariam até 10. Infelizmente, no Brasil, prevalece esta idéia do Estado de Direito que poupa os juízes e promotores das suas decisões erradas ou equivocadas. É lindo dizer que vivemos num Estado de Direito, em que todo aquele que sofre ameaça ou lesão a seus direitos pode se proteger junto ao Judiciário. O problema é mais embaixo (ou mais em cima): e quando os juízes erram, quem é que nos protege do Judiciário?
A Emenda Constitucional nº 45, do final de 2004, criou o Conselho Nacional de Justiça, que, em tese, é o órgão responsável pelo controle externo de todo o Poder Judiciário, e é composto de representantes do próprio Judiciário e de membros da sociedade civil, como a OAB. Já tem contribuído, de alguma maneira, para que alguns abusos dos juízes sejam reparados e punidos, mas ainda há um longo caminho no sentido de se estabelecer no país um Estado de Direito que realmente proteja todos contra todos. e acabe com essa ideologia do "todos a favor de todos", em que o "favor" aí deve ser entendido como impunidade. Como disse no início desse texto, todos somos responsáveis por este estado de coisas. Se há corruptos lá em cima, é porque somos corruptos aqui embaixo, e vice-versa. "Corrupção", neste caso, deve ser entendida no sentido mais amplo da palavra, já que se há falta de educação, se não há distribuição de renda, se os políticos são mal eleitos, se poucos sabem realmente votar, então os culpados somos todos nós, por não fazermos a nossa parte de conscientização e mobilização naquilo que podemos fazer, no nosso contexto social, nas nossas famílias, nos nossos clubes, nas nossas igrejas, nos nossos trabalhos. É muito cômodo atribuir tudo isso a "eles" lá em cima, que abusam de "nós". Eu sinto muito em dizer isso, mas "eles" somos "nós".
O que aconteceu em Palmas, em maior ou menor grau, acontece em todo o país. Primeiro, dentro desta ideologia da impunidade, temos um Código Penal (CP) de 1940, com algumas reformas - que abrandaram ainda mais o que já era ruim - em 1984, mais um Código de Processo Penal (CPP) de 1941, que teve também algumas reformas ao longo dos anos, todas no sentido de aumentar o direito de defesa dos criminosos, com tantos recursos que qualquer advogado razoável consegue prolongar indefinidamente o julgamento do caso, e temos ainda a Lei de Execuções Penais (LEP), de 1984, que é uma coisa linda, filosófica até, na recuperação dos presos, só que cai bem na Suiça e na Bélgica, e não no Brasil. Como dizem que de boas intenções, o inferno está cheio, o mesmo se aplica à LEP.
Para o leigo, que não entende bem esses meandros da Justiça, a coisa funciona mais ou menos assim, em termos bem genéricos e sem maiores cuidados com a precisão jurídica:
1) o CP é a lei que diz quais fatos são considerados crimes no país (ex. art. 121 - homicídio, art. 157 - roubo, art. 171 - estelionato), prescreve as penas para eles e diz quais são os fatores agravantes e atenuantes a serem analisados na gradação da pena.
2) o CPP diz respeito à parte processual dos crimes. Ou seja, estabelece as responsabilidades da polícia, ao receber a queixa-crime, ao investigar e ao encaminhar o processo ao Ministério Público (ao promotor); do promotor ao analisar a queixa-crime e oferecer a denúncia ao juiz; e do juiz ao aceitar a denúncia (ou não), processar o réu em caso afirmativo, até a sentença final; e, principalmente, o CPP estabelece quais são os recursos que o advogado pode utilizar em cada fase do processo... só pra dizer alguns, temos o habeas corpus e a apelação ao Tribunal do Estado, por exemplo, mas todos esses recursos podem ir "subindo" de Tribunal em Tribunal até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, e mesmo lá existe uma série de recursos internos que, dependendo do caso, podem ser utilizados várias vezes.
3) a LEP trata única e exclusivamente da execução da pena. Se alguém é condenado por um crime, a temporada do CP e do CPP já passou, e agora ele(a) é destinado(a) a uma prisão. A LEP estabelece como se dará essa prisão, e também dá algumas possibilidades de "progressão da pena", ou seja, se alguém é condenado a 30 anos de prisão, a partir do cumprimento de 1/6 da pena, com bom comportamento, já terá direito ao regime aberto, assim, desde que consiga trabalho registrado, poderá deixar a prisão durante o dia, retornando a uma casa chamada de "albergue" à noite, onde dormirá. Por isso se chama "prisão-albergue".
Logo, fica claro que o crime compensa no Brasil. São tantas facilidades para o criminoso, que dificilmente alguém vai cumprir uma pena realmente grande e na prisão. A Constituição também estabelece que ninguém pode ficar mais de 30 anos na cadeia, então, mesmo aquele sujeito que matar 500 pessoas em circunstâncias diferentes, e pegar 1.200 anos de prisão, vai cumprir apenas 30 anos, a não ser que seja psicopata e requeira internação psiquiátrica, mas aí já não se trata de pena propriamente dita, mas "medida de segurança", e nesses casos a pessoa pode ficar presa indefinidamente, até o fim da vida, conforme o caso.
Algum tempo atrás, houve uma tentativa de se estabelecer que, no caso de crimes hediondos, não haveria nenhum benefício de progressão da pena, resultado de uma campanha popular liderada pela novelista Glória Perez. A lei foi aprovada, mas o STF, por maioria de votos, entendeu que a lei era inconstitucional por violar a garantia constitucional da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, da Constituição). Qualquer leigo que leia este inciso, vai reparar que ele não diz nada a respeito da obrigatoriedade de beneficiar o réu com o abrandamento das condições da pena ao longo do seu cumprimento, mas a maioria dos nossos queridos ministros do STF entendeu que é obrigatório, sim. Deve-se registrar que houve ministros que entenderam que não, mas venceu a maioria capitaneada pelo Min. Marco Aurélio de Mello, pródigo em interpretar a Constituição favoravelmente aos criminosos.
Por mais que os juízes tenham direito a pensar independentemente, o que eu acho é que muitos deles se sentem acima do bem e do mal, como se fossem extraterrestres a quem coubesse a difícil missão de julgar no Brasil. Parecem não ter qualquer compromisso com o povo ou com a segurança pública, como se pairassem soberanos e imunes a toda e qualquer intempérie humana. Além disso, muitos deles se esquecem facilmente de que são funcionários públicos, pagos pelo povo, a quem supostamente deveriam servir. Pilatos não teria feito melhor. Infelizmente, esta idéia de que o juiz deva prestar contas ao povo é algo que passa longe dos nossos tribunais. Talvez, se adotássemos o regime jurídico anglo-saxão (vigente nos EUA, por exemplo), em que os juízes, promotores e delegados são eleitos pelo povo, eles se preocupariam mais com os seus súditos.
Enfim, no caso de Palmas, o que provavelmente aconteceu é que o juiz não atuou sozinho, até porque o juiz só atua quando é provocado, no sentido jurídico da palavra "provocação", ou seja, deve ter sido o promotor que, vendo a situação dos réus que não tinham advogados, e comparando-as com aqueles que tinham, e por isso mesmo haviam obtido o benefício da progressão da pena mesmo no caso de crimes hediondos, tratou de propor ao juiz que o mesmo benefício fosse estendido aos réus que ainda não haviam conseguido a progressão. O juiz aceitou o pedido e, portanto, os criminosos foram soltos. Tanto o juiz como o promotor pensam ter agido em respeito aos sublimes ideais da igualdade entre os homens, mas eu acho que, se eles pudessem ser responsabilizados pelos crimes cometidos por aqueles que eles soltaram, eles contariam até 10. Infelizmente, no Brasil, prevalece esta idéia do Estado de Direito que poupa os juízes e promotores das suas decisões erradas ou equivocadas. É lindo dizer que vivemos num Estado de Direito, em que todo aquele que sofre ameaça ou lesão a seus direitos pode se proteger junto ao Judiciário. O problema é mais embaixo (ou mais em cima): e quando os juízes erram, quem é que nos protege do Judiciário?
A Emenda Constitucional nº 45, do final de 2004, criou o Conselho Nacional de Justiça, que, em tese, é o órgão responsável pelo controle externo de todo o Poder Judiciário, e é composto de representantes do próprio Judiciário e de membros da sociedade civil, como a OAB. Já tem contribuído, de alguma maneira, para que alguns abusos dos juízes sejam reparados e punidos, mas ainda há um longo caminho no sentido de se estabelecer no país um Estado de Direito que realmente proteja todos contra todos. e acabe com essa ideologia do "todos a favor de todos", em que o "favor" aí deve ser entendido como impunidade. Como disse no início desse texto, todos somos responsáveis por este estado de coisas. Se há corruptos lá em cima, é porque somos corruptos aqui embaixo, e vice-versa. "Corrupção", neste caso, deve ser entendida no sentido mais amplo da palavra, já que se há falta de educação, se não há distribuição de renda, se os políticos são mal eleitos, se poucos sabem realmente votar, então os culpados somos todos nós, por não fazermos a nossa parte de conscientização e mobilização naquilo que podemos fazer, no nosso contexto social, nas nossas famílias, nos nossos clubes, nas nossas igrejas, nos nossos trabalhos. É muito cômodo atribuir tudo isso a "eles" lá em cima, que abusam de "nós". Eu sinto muito em dizer isso, mas "eles" somos "nós".