Retomando o tema que inicia a matéria do Nassif sobre a Veja, ele comenta:
O estilo neocon
De um lado, há fenômenos gerais, que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos foi adotada por parte da imprensa brasileira, como se fosse a última moda.Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.
Isso provoca algumas situações inusitadas. Embora a direita em geral, e a extrema-direita em particular, sejam terrenos privativos do fundamentalismo religioso interdenominacional, há situações como a do meu amigo Moisés que, mesmo sendo ateu, vem seguidamente postando artigos neoliberais e anticomunistas no fórum Atos. Como somos amigos (sim, eu tenho amigos ateus e os prezo muito!), eu brinquei com o Moisés, dizendo que pediria para o Supremo Concílio dos Ateus expurgá-lo dos seus quadros, já que, como diria o Padre Quevedo, "non ecziste" ateu de extrema-direita. Essa "conversa" se deu num dos artigos postados pelo Moisés (ver aqui), assinado por João Mellão Neto e publicado no Estadão, de profundo mau gosto (no melhor estilo neocon), que iniciava e terminava assim:
"Ensinamento ministrado numa aula de Filosofia do Direito para alunos do 7º semestre de uma conceituada universidade paulistana: “Vocês, que só transaram com ‘patricinhas’ burguesas, não sabem de fato o que é sexo. Essas meninas se preocupam exclusivamente com sua aparência e nunca se permitem entregar-se por inteiro aos prazeres da carne. Se vocês querem saber o que é sexo de verdade, tenham relações com moças da periferia. Estas estão livres dos condicionamentos e valores burgueses e por isso sabem de fato como se pratica um ato sexual.”
...
Quanto ao professor universitário que citei nos preâmbulos, devo confessar que, apesar de seus eloqüentes argumentos, continuo vendo mais encantos nas “patricinhas”..."(artigo completo no site do Estadão)
Este senhor que atende pelo sobrenome de Mellão é figurinha antiga e desbotada da direita brasileira. Foi secretário da prefeitura de Jânio Quadros, e apoiador de primeira hora da campanha do Collor, de quem foi ministro da Administração. Ele até tinha uma certa admiração da direita brasileira até então, e defendia com unhas e dentes os dois tristes exemplos da política brasileira aí em cima. Depois que o filme deles queimaram, o Mellão sumiu.... talvez envergonhado por ter vendido ao país uma idéia de modernidade tão nefasta como Fernando Collor. Como a memória do Brasil é reconhecidamente curta, depois de passar muito tempo no ostracismo, hoje ele ainda tem um certo trânsito na direita brasileira, mais pelo jornal em que ele é articulista (o Estadão) do que propriamente por méritos pessoais.
De fato, ele atravessa uma fase de decadência constrangedora. Só o exemplo com que ele começa e termina o seu artigo é de um mau gosto que articulistas de direita jamais cometeriam. Talvez ele quisesse realçar a sua condição de privilegiado, por ter filhos que estudam em universidade e podem transar com patricinhas.... vai saber... a idade deve ter chegado, e a virilidade típica dos machistas tende a se projetar nos filhos, ainda mais se eles puderem reproduzir a velha tradição colonial dos filhos de senhores-de-engenho que se iniciavam sexualmente com as escravas negras. Freud explica!
Igualmente infeliz é a ligação que Mellão tenta fazer entre o malfadado exemplo das patricinhas e o amontoado de idéias desconexas que despeja sobre o leitor a seguir. Como participante de governos em que os comandantes não reservaram à posteridade uma imagem de bons gestores públicos (pra dizer o mínimo), soaria engraçado ele falar de desperdício de verbas públicas, não fosse trágico. Cita eleições livres, como se não fosse estranho o Bush ter assumido o primeiro mandato tendo menos votos do que Al Gore, sendo que a contagem dos votos na Flórida foi varrida pra debaixo do tapete. Cita tribunais de contas como garantia de lisura na administração pública, como se os tribunais de contas do Brasil não fossem compostos de juízes e conselheiros nomeados pelos próprios governantes que deveriam investigar (vide o atual escândalo de corrupção no TCE de São Paulo). Fala da globalização como se fosse uma concessão da suprema bondade dos países ricos aos pobres, e não uma necessidade da economia deles que permita a desova do excedente de produção nos mercados marginais, a fim de não haver desemprego LÁ. Se os países pobres terão boa parte de sua população tirada dos bolsões de miséria, isso se trata de mero efeito colateral desejável, pois garante o incremento da produção e da riqueza dos países ricos nas próximas décadas. Obviamente, embora o seu sobrenome até inspirasse a lembrança, Mellão não fala nada dos subsídios agrícolas e das barreiras fitossanitárias que os países ricos impõem aos pobres. Tampouco fala da fiscalização das suas políticas econômicas pelo FMI, que obriga os pobres a seguir sua cartilha, mas faz vistas grossas aos constantes e seguidos déficits das economias maiores, como os EUA, tão próximos de uma recessão, e, agora (pasmem!), ameaçado pelo FMI com uma investigação nas suas contas. O remédio é amargo, mas deixe que os outros tomem.
Enfim, Mellão não continua o mesmo, piorou muito! Atualmente tem uma certa dificuldade em concatenar idéias e o ranço do seu passado oligárquico e collorido contamina o seu texto e a sua percepção do mundo, das patricinhas e das moças da periferia. Estas, se pudessem falar, se tivessem vez e voz, talvez pudessem lembrar aquela velha frase que, me parece, foi originalmente proferida por Rui Barbosa: "os canalhas também envelhecem".