Anulamos a liberdade pela graça? De forma alguma; consolidamo-la. Assim como a lei se fortalece pela fé, a liberdade não se anula pela graça. Pois o cumprimento da lei depende da liberdade, mas pela lei se verifica o conhecimento do pecado e, pela fé, a súplica da graça contra o pecado; pela graça, a cura da alma dos males da concupiscência; pela cura da alma, a liberdade; pela liberdade, o amor da justiça; pelo amor da justiça, o cumprimento da lei. Desse modo, assim como a lei não é abolida, mas é fortalecida pela fé, visto que a fé implora a graça, pela qual se cumpre a lei, assim a liberdade não é anulada pela graça, mas consolidada, já que a graça cura a vontade, pela qual se ama livremente a justiça.
Todo este encadeamento é revelado nas santas Escrituras. A lei diz: Não cobiçarás (Ex 20,17). A fé suplica: Sara-me, porque pequei contra ti (Sl 4,5). A graça afirma: Eis que estás curado; não peques mais, para que não te suceda algo ainda pior (Jo 5,14). A cura exclama: Senhor, meu Deus, clamei a ti, e tu me saraste (Sl 30,3). A liberdade assegura: Eu te oferecerei um sacrifício voluntário (Sl 54,8). O amor da justiça brada: Os soberbos abriram covas para mim, aqueles que não procedem segundo a tua lei (Sl 119,85).
Por que, então, homens infelizes se atrevem ou se gabam de sua liberdade antes de serem libertados ou de suas forças, se já foram libertados? Não percebem que liberdade equivale a livre-arbítrio. E onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (2 Cor 3,17). Portanto, se estão sujeitos ao pecado, por que se gloriam da liberdade? Pois cada um é escravo daquele que o vence (2 Pd 2,19). E se já foram libertados, porque se gabam como se fosse obra sua e se gloriam, como se não tivessem recebido? Será que são livres a ponto de não quererem ter como Senhor aquele que lhes diz: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5), e: Se, pois, o Filho vos libertar, sereis realmente livres? (Jo 8,36).
(Santo Agostinho, “O Espírito e a Letra” (De Spiritu et Littera), cap. XXX, em “A Graça (I)”, Coleção Patrística, São Paulo: Paulus, 1998, pp. 52-53)
Todo este encadeamento é revelado nas santas Escrituras. A lei diz: Não cobiçarás (Ex 20,17). A fé suplica: Sara-me, porque pequei contra ti (Sl 4,5). A graça afirma: Eis que estás curado; não peques mais, para que não te suceda algo ainda pior (Jo 5,14). A cura exclama: Senhor, meu Deus, clamei a ti, e tu me saraste (Sl 30,3). A liberdade assegura: Eu te oferecerei um sacrifício voluntário (Sl 54,8). O amor da justiça brada: Os soberbos abriram covas para mim, aqueles que não procedem segundo a tua lei (Sl 119,85).
Por que, então, homens infelizes se atrevem ou se gabam de sua liberdade antes de serem libertados ou de suas forças, se já foram libertados? Não percebem que liberdade equivale a livre-arbítrio. E onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (2 Cor 3,17). Portanto, se estão sujeitos ao pecado, por que se gloriam da liberdade? Pois cada um é escravo daquele que o vence (2 Pd 2,19). E se já foram libertados, porque se gabam como se fosse obra sua e se gloriam, como se não tivessem recebido? Será que são livres a ponto de não quererem ter como Senhor aquele que lhes diz: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5), e: Se, pois, o Filho vos libertar, sereis realmente livres? (Jo 8,36).
(Santo Agostinho, “O Espírito e a Letra” (De Spiritu et Littera), cap. XXX, em “A Graça (I)”, Coleção Patrística, São Paulo: Paulus, 1998, pp. 52-53)