sábado, 5 de dezembro de 2009

Os "ais" de Habacuque e o triunfalismo "evangélico"



O discurso triunfalista de muitos pregadores “evangélicos” atuais, em que se pinçam promessas vitoriosas da Bíblia, mal consegue disfarçar o raciocínio raso e fora de contexto, que apresenta à plateia uma religião, digamos, “floreada”, em que a reza de alguns mantras supostamente cristãos consegue resolver magicamente todos os problemas imediatos do ouvinte, deixando-o, entretanto, pobre e nu quanto à verdadeira sabedoria de Deus expressa em Sua Palavra.

A Bíblia considerada como um todo, e o livro do profeta Habacuque em particular, não se prestam a esses devaneios esquizofrênicos, de quem alega pregar sobre o Eterno mas detém-se no provisório e temporal. 

Pouco se prega, e menos ainda se conhece, sobre o livro de Habacuque, e geralmente quando isso acontece, se limita a dois textos básicos: o de que “o justo viverá pela fé” (2:4), base da teologia da justificação de Paulo em Romanos (e não a confissão positiva atual, do “tudo posso”, “tomo posse” e “determino”), e o belíssimo hino final, “ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco e nos currais não haja gado, todavia eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação” (4:17-18), trecho ignorado pelos “apóstolos” da teologia da prosperidade.

Mais escondidos ainda ficam os 5 “ais” do capítulo 2 de Habacuque, uma gigantesca exortação - do próprio Deus - a que o crente viva uma vida digna, piedosa e honesta e se afaste dos terríveis pecados da presunção, da soberba e da ganância que - entre tantas outras mazelas - maculam a humanidade. 

É difícil - atualmente - encontrar alguém que tenha ouvido uma pregação sobre os “ais” nas igrejas evangélicas, embora eles continuem reverberando nas consciências de todos, como um grito surdo que - lamentavelmente - quase não consegue se fazer ouvir. 

Daí a importância de “ressuscitá-los” da letra morta das Bíblias empoeiradas (ou da coletânea de versículos triunfalistas recitados e manipulados) e torná-los incandescentes na memória viva do povo de Deus.

O primeiro “ai” de Habacuque ataca frontalmente o pensamento mágico de muitos falsos profetas de hoje, que pregam uma espécie de evangelho do abracadabra, do enriquecimento ilícito e sem causa: “Ai daquele que acumula o que não é seu! (até quando?) e daquele que se carrega a si mesmo de penhores!” (2:6 – Almeida Revista e Atualizada). A Nova Versão Internacional (NVI) traduz: “Ai daquele que amontoa bens roubados e enriquece mediante extorsão”. 

O segundo “ai” complementa o sentido do primeiro: “Ai daquele que adquire para a sua casa lucros criminosos, para por o seu ninho no alto, a fim de se livrar das garras da calamidade!” (2:9 – ARA). A Bíblia do Peregrino (BP) verte como “Ai de quem ajunta em casa ganhos injustos, e aninha muito alto para se livrar da desgraça”. 

O terceiro, na tradução da BP, parece cair como uma luva para o Brasil de 2009: “ai de quem constrói a cidade com sangue e alicerça no crime a capital!” (2:12). 

O quarto: “Ai daquele que dá de beber ao seu próximo, adicionando à bebida o seu furor, e que o embebeda para ver a sua nudez!” (2:15). 

Pode parecer que aqui se trata de alguma conotação sexual, mas o sentido original se refere àqueles que se valem de todo tipo de artimanhas para levar o próximo à miséria e à nudez, ou seja, para espoliá-lo (do latim spoliare – roubar, defraudar, tirar a roupa). 

A Bíblia de Jerusalém chega mais perto do significado ao traduzir por “ai daquele que faz beber seu vizinho! Tu misturas seu veneno até embriagá-lo, para ver a sua nudez!”. 

Por fim - o quinto "ai" -, o Senhor finaliza com “Ai daquele que diz ao pau: Acorda; e à pedra muda: Desperta! Pode isso ensinar? Eis que está coberto de ouro e de prata, e dentro dele não há espírito algum” (2:19 – ARA). 

Mais do que uma condenação veemente à vã idolatria do dinheiro e metais preciosos, temos aqui um grave alerta para que não se tire de Deus a glória que lhE é devida, e não se busque em ídolos de qualquer a espécie a dependência e a satisfação cuja única fonte deve ser tributada ao Senhor.

Vemos, portanto, que Deus condena, por intermédio de Seu profeta Habacuque, os lucros auferidos com o crime, o engano, a dissimulação e a extorsão (não só a que apela para a chantagem e as armas, mas também para as emoções). 

Não é da vontade do Senhor que Seus filhos enriqueçam ilegitimamente, a qualquer custo, mediante atos, oferendas, campanhas e pensamentos mágicos de qualquer espécie, por mais “positivos” que aleguem ser. 

Muito menos ainda que se beneficiem da corrupção e ainda tenham a cara-de-pau de "orarem" agradecendo pelo "lucro" obtido. 

O pernicioso discurso triunfalista de muitos “evangélicos” brasileiros esbarra na simples constatação de que Deus é um Deus justo e gracioso, que não negocia com o ser humano na base de mantras coletivamente ensaiados com o fim de “comprar” o Seu favor. 

A verdadeira fonte de lucro do cristão, na visão de Paulo, é outra totalmente diferente: 
“Se alguém ensina alguma doutrina diversa, e não se conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, injúrias, suspeitas maliciosas, disputas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade é fonte de lucro; e, de fato, é grande fonte de lucro a piedade com o contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e nada podemos daqui levar; tendo, porém, alimento e vestuário, estaremos com isso contentes. Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição. Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão” (1ª Timóteo 6:3-11).

9 comentários:

  1. PARABÉNS !! Não lia algo tão lúcido assim no nosso meio há tempos. Obrigado por suas palavras e graças a Deus por poderes divulgá-las a nós. Tomarei a liberdade de disseminar este texto o máximo possível. Amém.

    Adriano Rocha
    rochaadriano@hotmail.com

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  2. Olá, Paz a todos!
    Gostaria de parabenizar por tão próspero trabalho, Deus o abençoe!

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    1. Obrigado pelo feedback! Que Deus os abençoe ricamente! Abraço!

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  3. Grato pela visita e pelo comentário em meu singelo blog, prezado Hélio. Muito bacana seu blog, passo por aqui de vez em quando.
    Deus abençoe sua vida.

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  4. Muito, muito, bom. Que Deus o abençoe irmão!

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  5. Parabéns pelas palavras tão sábias sobre os ais ! Leio muito Habacuque .

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  6. Fiquei muito satisfeito com sua explanação. Muito bom texto. Sou pastor e estou fazendo estudos neste livro. tomarei a liberdade de usar seus argumentos em meu estudo. Muito obrigado. Pastor Valdomiro.

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  7. Parabéns meu irmão, pelo ato de coragem ,noite falar abertamente estas verdades. Sou um leigo, mas venho meditando nas palavras de deste profeta corajoso, que no seu tempo teve ousadia de questionar a Deus com muita reverencia e respeito que nosso Deus merece, mas também fez uma das mais lindas, citada na HC-3: 17 a 19 e que foi tema da minha ministração neste domingo 24/02/2019. Parabéns mais uma vez por sua coragem.

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    1. A Deus toda a glória, irmão! Fico feliz por saber que o irmão está incluído entre aqueles que não dobraram seus joelhos a Baal (1ª Reis 19) e se preocupa em servir fielmente ao Senhor nesta nação. Obrigado pelo seu comentário! Abraço!

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