O texto abaixo foi escrito por Levi B. Santos e publicado no seu blog Ensaios & Prosas. Como tem tudo a ver com o título e a proposta deste blog, pedi-lhe autorização para republicá-lo aqui e ele gentilmente a concedeu:
A "SOMBRA" NOSSA DE CADA DIA
Há que se rever os fundamentos do “humanismo” maldito de nossa civilização que elaborou o maniqueísmo de que devemos ser luz e não trevas, de que devemos valorizar a claridade em detrimento das sombras.
Nosso desafio maior é compreender como essa “dualidade psíquica” foi deformada pela cultura. “Luz”, “trevas” e “sombras” são metáforas que traduzidas revelam muito de nossas funções estruturantes. Estas três instâncias não são inconciliáveis ou inimigas, por isso mesmo, devem ser reintegradas, e não rejeitadas.
Detemo-nos, aqui, sobre a “sombra” — que na realidade nada mais é, que aquele nosso lado oculto não atingido pela “luz”. Um emblemático hino cristão tão ouvido em nossa infância, mas pouco analisado do ponto de vista psicológico, prenuncia um encaminhamento para a síntese entre luz e escuridão — trata- se do significante hino: “Deus está nas Sombras”.
O mito das origens, no livro de Gênesis, desenvolve uma dinâmica permeada por um desejo latente de se jogar para fora, o lado escondido ou oposto da moeda que simboliza o humano. No entanto, é nos evangelhos que se pode observar um movimento contrário ao realizado no mito do gênesis, onde um Homem vai em busca do outro lado da moeda que foi perdida ou jogada fora no início de nossa formação bio-psíquica: “Eu vim buscar o que se havia perdido” — disse Jesus. O livro de Isaias fala, figuradamente, das duas faces dessa moeda que foram separadas, mas que devem ser reintegradas: “O Lobo habitará com o Cordeiro” (Isaias 11:6)
Cristo, profundo conhecedor da alma humana, em suas parábolas sempre evidenciava que não se deviam separar os dois pólos aparentemente opostos de nossa psique — vide história do “Joio e do Trigo” —, na qual o Mestre dos mestres deu mostras de que esses dois elementos deviam viver juntos. Há uma tendência inata do homem querer separar o que é “mal” (joio) do que é “bem” (trigo). Nunca poderemos expulsar de nós os afetos indesejados ou contraditórios, e, quando pensamos que o fazemos, estamos simplesmente a projetar aquilo que racionalizamos como “o mal” (o joio) no outro diferente de nós; e isso, está na raiz de todo o preconceito e de toda intolerância. Infelizmente, no meio evangélico, o que se vê pregar como santificação e salvação não passa de uma esdrúxula tentativa (anticristã) de ficar livre do lado profano (eu estou salvo e os outros condenados). Tentar separar o “joio” do “trigo”, antes de tudo, significa projetar no nosso semelhante, partes de nossa obscuridade rejeitada.
A história registra que alguns antigos ao reconhecerem a dualidade existencial, simbolizada pelo joio (metáfora do mal) e pelo trigo (metáfora do bem), imaginavam que o ser humano fosse possuidor de duas almas: uma boa e outra má. Assim, é que Xenofonte em sua obra: “A Vida de Ciro”, sobre certo nobre persa de nome Araspe, o qual teve conduta errônea para com Pantéia, uma bela escrava, assim declamou: “Ó Ciro, estou convencido que tenho duas almas; quando a alma boa domina passo a praticar ações nobres e virtuosas; mas quando a alma má predomina sou constrangido a praticar o mal. Tudo quanto posso dizer quanto ao momento é que minha alma boa é encorajada pela tua presença, tendo assim obtido o domínio sobre minha alma má”.
Ao temermos aceitar esses dois pólos, como partes intrínsecas e inseparáveis de nossa natureza paradoxal, estaremos, de certa maneira, evitando o que é primordial ou necessário: a SÍNTESE entre esses dois arquétipos estruturantes de nossa personalidade. E fazer a síntese dessas duas instâncias é tornar-se íntimo de sua “sombra”. O psicanalista, Jung, uma vez disse: “A Sombra é a pessoa que preferiríamos não ser”.
Muitas vezes, para que o outro não tenha acesso às nossas vulnerabilidades, inconscientemente, erguemos muros imaginariamente indevassáveis, numa tentativa vã de negar ou sufocar a nossa “sombra” de cada dia.
Nosso desafio maior é compreender como essa “dualidade psíquica” foi deformada pela cultura. “Luz”, “trevas” e “sombras” são metáforas que traduzidas revelam muito de nossas funções estruturantes. Estas três instâncias não são inconciliáveis ou inimigas, por isso mesmo, devem ser reintegradas, e não rejeitadas.
Detemo-nos, aqui, sobre a “sombra” — que na realidade nada mais é, que aquele nosso lado oculto não atingido pela “luz”. Um emblemático hino cristão tão ouvido em nossa infância, mas pouco analisado do ponto de vista psicológico, prenuncia um encaminhamento para a síntese entre luz e escuridão — trata- se do significante hino: “Deus está nas Sombras”.
O mito das origens, no livro de Gênesis, desenvolve uma dinâmica permeada por um desejo latente de se jogar para fora, o lado escondido ou oposto da moeda que simboliza o humano. No entanto, é nos evangelhos que se pode observar um movimento contrário ao realizado no mito do gênesis, onde um Homem vai em busca do outro lado da moeda que foi perdida ou jogada fora no início de nossa formação bio-psíquica: “Eu vim buscar o que se havia perdido” — disse Jesus. O livro de Isaias fala, figuradamente, das duas faces dessa moeda que foram separadas, mas que devem ser reintegradas: “O Lobo habitará com o Cordeiro” (Isaias 11:6)
Cristo, profundo conhecedor da alma humana, em suas parábolas sempre evidenciava que não se deviam separar os dois pólos aparentemente opostos de nossa psique — vide história do “Joio e do Trigo” —, na qual o Mestre dos mestres deu mostras de que esses dois elementos deviam viver juntos. Há uma tendência inata do homem querer separar o que é “mal” (joio) do que é “bem” (trigo). Nunca poderemos expulsar de nós os afetos indesejados ou contraditórios, e, quando pensamos que o fazemos, estamos simplesmente a projetar aquilo que racionalizamos como “o mal” (o joio) no outro diferente de nós; e isso, está na raiz de todo o preconceito e de toda intolerância. Infelizmente, no meio evangélico, o que se vê pregar como santificação e salvação não passa de uma esdrúxula tentativa (anticristã) de ficar livre do lado profano (eu estou salvo e os outros condenados). Tentar separar o “joio” do “trigo”, antes de tudo, significa projetar no nosso semelhante, partes de nossa obscuridade rejeitada.
A história registra que alguns antigos ao reconhecerem a dualidade existencial, simbolizada pelo joio (metáfora do mal) e pelo trigo (metáfora do bem), imaginavam que o ser humano fosse possuidor de duas almas: uma boa e outra má. Assim, é que Xenofonte em sua obra: “A Vida de Ciro”, sobre certo nobre persa de nome Araspe, o qual teve conduta errônea para com Pantéia, uma bela escrava, assim declamou: “Ó Ciro, estou convencido que tenho duas almas; quando a alma boa domina passo a praticar ações nobres e virtuosas; mas quando a alma má predomina sou constrangido a praticar o mal. Tudo quanto posso dizer quanto ao momento é que minha alma boa é encorajada pela tua presença, tendo assim obtido o domínio sobre minha alma má”.
Ao temermos aceitar esses dois pólos, como partes intrínsecas e inseparáveis de nossa natureza paradoxal, estaremos, de certa maneira, evitando o que é primordial ou necessário: a SÍNTESE entre esses dois arquétipos estruturantes de nossa personalidade. E fazer a síntese dessas duas instâncias é tornar-se íntimo de sua “sombra”. O psicanalista, Jung, uma vez disse: “A Sombra é a pessoa que preferiríamos não ser”.
Muitas vezes, para que o outro não tenha acesso às nossas vulnerabilidades, inconscientemente, erguemos muros imaginariamente indevassáveis, numa tentativa vã de negar ou sufocar a nossa “sombra” de cada dia.