segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Egito e Tunísia: o desafio da trégua religiosa

O mês de fevereiro de 2010 termina hoje e entra para a História como o mês em que atingiram o auge as revoluções políticas no mundo árabe, com destaque para a queda do ditador Hosni Mubarak no Egito (no dia 11) e o início da revolta na Líbia contra o ditador Muamar Kadhafi (no dia 13), tudo isso após o estopim que representou a revolta popular na Tunísia, que resultou na deposição do ditador Ben Ali em 14 de janeiro. Muitos ditadores depostos, portanto, e ainda há outros países árabes em tumulto, como a própria Líbia, a Jordânia, o Iêmen e Bahrain.



No Egito e na Tunísia, em particular, onde a situação já está mais definida e pacífica, houve uma ampla participação conjunta da maioria islâmica e da minoria cristã na derrubada das respectivas ditaduras, como já comentamos aqui. Agora, no rescaldo das manifestações populares, muçulmanos e cristãos buscam superar também o passado de disputas e perseguições religiosas para instaurar um período de paz, tolerância e entendimento entre as duas religiões. No Egito, como informa a Reuters, a minoria copta (cristã) pode finalmente encontrar o reconhecimento que lhe foi negado nas últimas décadas, onde os cristãos eram colocados à margem das políticas públicas egípcias, pelo simples (e deplorável) fato de não terem sua cidadania reconhecida. No último dia 18 de fevereiro, ao dirigir as orações de milhões de muçulmanos na praça Tahrir o xeique Youssef al-Qaradawi, conhecido por algumas opiniões polêmicas (como o espancamento de esposas e a pena de morte aos homossexuais), mas que tem procurado construir pontes de diálogo com outras religiões, disse à multidão que "o Egito venceu o que eles chamavam de ódio sectário" e "aqui na praça Tahrir cristãos e muçulmanos lutaram lado a lado, esse maldito ódio não existe mais". Os cristãos coptas se alegraram com as declarações, embora prefiram esperar mais tempo para confirmar se esta paz é pra valer, mas pelo menos já estão recebendo o devido reconhecimento do Ministério do Interior egípcio, algo impensável até o último mês de janeiro.



Na Tunísia, por sua vez, houve uma marcha de protesto no último dia 19 de fevereiro, em que os tunisianos pediram que o Estado permaneça secular, ou seja, imune a influências religiosas de qualquer procedência. Segundo também informa a Reuters, 15.000 pessoas marcharam em Túnis, capital do país, para clamar por tolerância religiosa e se manifestar contra a organização islâmica extremista que, segundo se suspeita, foi a responsável pela morte de um padre católico de origem polonesa, de nome Marek Rybinski (foto abaixo), que havia sido assassinado no dia anterior, mesmo dia em que o xeique Yousef al-Qaradawi fazia seu discurso para milhões no Cairo. O padre teve a sua garganta cortada na escola católica em que trabalhava na cidade de Manouba. A cerimônia em sua memória, que foi realizada na Catedral de Túnis no dia seguinte, teve a participação de muçulmanos que se solidarizaram com os católicos e protestaram contra a barbárie.



Trata-se de um período profícuo - e ao mesmo tempo perigoso - por que passa o mundo árabe. A paz religiosa na região experimenta um equilíbrio delicado. Entretanto, qualquer ato tresloucado de um indivíduo ou pequeno grupo pode romper a tênue linha que separa a convivência pacífica do fanatismo religioso. Queira Deus que, ao ir embora, o mês de fevereiro de 2010 deixe como legado duradouro um rastro de paz, tolerância e mútua compreensão entre cristãos e muçulmanos naquela parte do globo. Que este cessar-fogo temporário sirva para desarmar os espíritos definitivamente.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails