quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sentimentalismo gospel


Outro dia eu estava no trânsito e resolvi ouvir uma rádio gospel para me inteirar do que a juventude evangélica anda produzindo e ouvindo. 

Confesso que não tenho muita paciência para o que andam tocando por aí, já que impera a baixa qualidade tanto nas letras como nas composições musicais. 

Curiosamente, naqueles poucos minutos em que ouvi uma rádio gospel, tocaram três canções que me chamaram a atenção.

 De certa forma, estavam mais inter-relacionadas do que pareciam a princípio. Não conheço pessoalmente quem as compôs nem quem as canta, e a análise que vou fazer aqui deve servir mais como alerta e incentivo do que juizo de valor ou condenação. 

Espero que os envolvidos na produção dessas canções sejam verdadeiramente cristãos e saibam aceitar opiniões contrárias e aprender com as críticas.

A primeira canção é "Um Sentimento Novo", do Irmão Lázaro:




Irmão Lázaro é um bom cantor, bem afinado, a melodia é de fácil assimilação, sem grande elaboração musical, mas a letra apela para esse sentimentalismo inconsequente que tem se tornado uma marca do estilo gospel no Brasil. 

Fica difícil combater o relativismo e o existencialismo que imperam na sociedade quando as próprias canções que se dizem cristãs apelam para o sentimentalismo, que é uma característica própria do mundo sem Cristo. 

A letra, então, é sofrível, sobretudo na parte em que diz: "Essa sensação de que só Deus me basta. Certeza de que eu em Deus e Deus em mim se encaixa". 

Primeiro, saber que "só Deus me basta" não é uma "sensação", mas uma certeza que todo crente deve(ria) ter. 

Além disso, "sensação" e "encaixa" são palavras temerárias e que não combinam para quem quer comunicar uma mensagem cristã. 

É - no mínimo - de um mau gosto atroz. Pode até arrepiar os pelos do braço, mas dificilmente contribui para o crescimento espiritual ou a conversão de quem quer que seja.

A outra canção com que fui brindado em seguida é "Agora é Só Vitória", de Damares, que canta razoavelmente bem uma melodia comum, simpática até, mas sem grandes pretensões musicais.

 A letra repete o já surrado discurso triunfalista evangélico, de "agora é só vitória", acompanhado de um certo consolo bastante emotivo de cunho "celebridade midiática", ao dizer que o "vencedor que está chegando" vai sair do "anonimato" e - implicitamente - atingir a "fama". 

O refrão insiste que "a prova acabou" e "a luta foi embora", mas todo cristão sabe que a provação deve ser motivo de alegria e "grande gozo" (Tiago 1:2), e que Jesus já nos alertava de que "no mundo tereis tribulações, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (João 16:33). 

Lamento informar, irmãos, mas enquanto houver fôlego de vida, a luta não vai embora não. Crente que não passa por lutas e provações, ou já morreu ou tá no time errado. Logo, a letra dessa canção está em desarmonia com o evangelho.




Por fim, escutei "Toda Sorte de Bênçãos", do Ministério Apascentar, que tem uma qualidade musical melhor, embora sem grandes novidades, mas que segue na linha do pensamento positivo do "em tudo o que eu faço sou abençoado", "tudo possuirei", "prosperarei, transbordarei":




Depois eu fui pesquisar mais sobre o Ministério Apascentar e vi que "prosperidade" é o grande tema recorrente nas canções do grupo. De fato, a Bíblia fala sobre prosperidade, mas numa escala muito menor do que a ênfase que o Ministério lhe dá. 

Há uma desproporção gritante, portanto, se alguém se der ao trabalho de não simplesmente cantar, mas principalmente pensar e estudar a respeito. 

Na canção "Te Conhecer" a letra diz que "agradecido eu sou pelo que já recebi, mas não estou satisfeito: eu quero mais". Talvez estejamos vendo uma geração de crentes insatisfeitos com a graça de Deus, justamente Ele que disse a Paulo que "a minha graça te basta" (2 Coríntios 2:9). 

É claro que, também de acordo com a Palavra, Deus pode fazer tudo "muito mais do que pedimos e pensamos" (Efésios 3:20), mas esta é uma iniciativa exclusiva e arbitrária dEle, e a Ele nos submetemos agradecidos e satisfeitos.

Contraditória - mas felizmente -, o Ministério Apascentar tem outra canção ("Tua Graça me Basta"), com uma belíssima letra que nega o que foi dito nas canções acima referidas. 

Ao contrário de fugir do anonimato e buscar a fama, como quer Damares em "Agora é Só Vitória", em "Tua Graça me Basta", o grupo diz que "eu não preciso ser reconhecido por ninguém". E contraria o que o próprio ministério diz - insatisfeito - em "Te conhecer", ao cantar que "só Tua Graça me basta e Tua presença é o meu prazer".




Enfim, diante de tanto sentimentalismo, não me senti animado a ouvir música gospel da nova safra, mas - como mostra o último exemplo - ainda há esperança.

6 comentários:

  1. Caro Irmão Hélio.
    Gostaria muito que escrevesse sobre Filosofia ou sobre os Estóicos.
    É muito bom vir aqui e ver que ainda existe vida inteligente e sóbria no meio evangélico -- me perdoem os politicamente corretos -- e digo mais: sua aptidão para o jornalismo é inata.
    Só não entendo às vezes porque seus artigos são tão pouco comentados...

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  2. Obrigado pelo elogio, irmã Universitária!

    Isso me anima muito.

    De fato, não é muita gente que comenta os artigos, embora pelas estatísticas a que tenho acesso, há um bom número de pessoas que os leem.

    Quanto aos poucos comentários, acho que é porque os assuntos que eu procuro tratar aqui são um pouco fora do convencional, e faço isso de caso pensado, exatamente para fornecer um conteúdo muito mais abrangente do que o arroz com feijão (e as fofocas) que eu vejo que infelizmente ainda fazem muito sucesso em outros blogs evangélicos.

    De qualquer maneira, acho que estou contribuindo para que algumas pessoas abram os olhos e a mente, e ajudem a mudar o panorama decadente da igreja evangélica brasileira. E tudo isso para glória de Deus, somente dEle.

    Graça e paz!

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  3. Bem, aproveitando os comentários aqui postados, sobre a quantidade de gente que comenta este blog, resolvi dizer algumas palavras. Hoje é a primeira vez que entro no blog. Li alguns artigos e o único sentimento que tenho, após lê-lo é de raiva. Entendi primeiramente que o site era feito por um ateu. Pensei, hummm. Ao descobri que o autor é cristão, sei lá de qual seguimento, já que critica muito e informa menos, pensei: qual será o fundamento deste blog? Dizer ao mundo que sua própria fé é falha e só tem erros? Os crentes já não são aceitos socialmente. Bem, a certeza que saio ao ler esses artigos é que se eu não tinha apreço aos evangélicos ou a religião... Bem, tenho menos agora.

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  4. Obrigado pela visita e pelo comentário, Anônimo!

    se o teu sentimento é de raiva, que "não se ponha o sol sobre a sua ira" (Efésios 4:26)

    se o teu desejo é que engulamos tudo como proveniente de Deus, "julgai todas as coisas, retende o que é bom" (1 Tessalonicenses 5:21)

    se você prefere esconder as sujeiras feitas em nome de Deus debaixo do tapete, "não vos associeis às obras infrutuosas das trevas, antes, porém, condenai-as; porque as coisas feitas por eles em oculto, até o dizê-las é vergonhoso. Mas todas estas coisas, sendo condenadas, se manifestam pela luz, pois tudo o que se manifesta é luz" (Efésios 5:11-13)

    se te preocupa o fato de denunciarmos os desvios dos evangélicos, lembre-se que "até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio" (1 Coríntios 11:19)

    Portanto, meu caro, se não quiser visitar mais o blog, é um favor que você faz pra você mesmo. Aproveite este tempo para ler a Bíblia e se converter a Cristo, pare de seguir falsos profetas e entenda-se única e exclusivamente com Deus, que é a única coisa que importa.

    Abraços!

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  5. levita diz
    Irmão helio o seu comentário sobre as conçoes aqui mencionadas me fazem refletir que nós cristãos quase sempre batemos palmas para quase tudo que vimos e ouvimos no que se refere a Deus, certo dia ouvi um pastor falar que a maioria dos levitas e os pregadores são os maiores mentiros., pois não vivem o que pregan e não vivem o que cantao .dessa forma concordo com o que voce diz,agradeço a Deus pela sua vida e pelas suas criticas, pois devemos defender o evangelho do senhor , porem a comcordância com esses fatos nos torna mornos diante de DEUS CRIADOR , somos criticados e até deixados de ( lado ) por não concordamos com tanta enganaçao e sensacionalismo, um grande abraço e que o Senhor Deus te abençoe e te quarde.

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  6. Obrigado, levita, pelo seu comentário.

    Eu acho que outra coisa que precisamos mudar é este conceito de "morno", que é entendido hoje muito mais culturalmente, como algo que tem a ver com uma atitude de ânimo exterior visível para os outros, mas não necessariamente para Deus. Ser "morno", para mim, significa ter uma atitude debochada e desinteressada diante da grandeza e da santidade de Deus, como se fosse possível impor a Ele os nossos conceitos do que achamos certo e errado na adoração, sem nenhuma espécie de questionamento. Se criticamos tantas interpretações 'estranhas', é para que somente Deus seja exaltado com nossas vidas e nosso canto.

    Abraços!

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