ENCARNAÇÃO: A(S) NATUREZA(S) DE CRISTO
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Sim, tudo que a Escritura diz de Cristo abarca toda a pessoa, como se tanto Deus quanto o homem fossem uma só essência. Muitas vezes, ela emprega expressões intercambiavelmente e concede os atributos de ambos a cada natureza por causa da unidade pessoal, que chamamos de communicatio idiomatum. Portanto, podemos dizer: “O homem Cristo é o Filho eterno de Deus, pelo qual foram criadas todas as criaturas, e Senhor do céu e da terra”. Por outro lado, também podemos dizer: “Cristo, o Filho de Deus (isto é, a pessoa que é verdadeiro Deus), foi concebido e nasceu da virgem Maria, sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado e morreu”. Além disso: “O Filho de Deus está sentado à mesa com coletores de impostos e pecadores e lava os pés dos discípulos”. Ele, naturalmente, não faz isso segundo a natureza divina. Porém, como isso é feito por uma só e mesma pessoa, é correto dizer que o Filho de Deus o está fazendo. Por conseguinte, S. Paulo declara, 1 Co 2[.8[: “Se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória”. E Cristo mesmo [afirma] em Jo 6[.62]: “Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava? “ Isso, em verdade, é dito a respeito da natureza divina, a única a estar com o Pai desde a eternidade, mas também é dito da pessoa, que é verdadeiramente homem.
Em resumo: tudo que esta pessoa, Cristo, diz e faz é dito e feito por ambos, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, de modo que todas as suas palavras e ações devem ser sempre atribuídas a toda a pessoa e não são divididas, como se não fosse verdadeiro Deus ou verdadeiro homem. Mas isso deve ser feito de modo a identificar e reconhecer apropriadamente cada natureza. Se quisermos falar correta e distintamente de cada uma, é necessário que digamos: “A natureza de Deus é diferente da do homem. A natureza humana não é, desde a eternidade, como a natureza divina, e a natureza divina não nasceu nem morreu temporalmente, etc., como a natureza humana. Mas as duas estão unidas em uma só pessoa”. Por isso, há um só Cristo e podemos dizer dele: “Este homem é Deus, e este homem criou todas as coisas”. De forma semelhante, corpo e alma constituem duas naturezas em uma pessoa natural e sadia, mas as duas constituem uma só pessoa ou um só ser humano, e atribuímos as atividades e os ofícios de ambas as naturezas à pessoa toda.
(LUTERO, Martinho. Os capítulos 14 e 15 de S. João, pregados e interpretados pelo Dr. Martinho Lutero e Capítulo 16 de S. João, pregado e explicado. 1537-1538. Tradução de Hugo S. Westphal e Geraldo Korndörfer, in MARTINHO LUTERO. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal. Porto Alegre: Concórdia. Canoas: Ulbra, 2010, vol. 11, págs. 142-143)