segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Bispo de Bauru compra briga com Justiça Eleitoral

O bispo bom de briga
Dom Caetano Ferrari (foto ao lado), bispo da diocese de Bauru (SP), nacionalmente conhecido pela purpurina levantada pela polêmica em que se envolveu ao excomungar o irrequieto padre Beto, agora volta suas baterias contra a Justiça Eleitoral, que cassou cinco vereadores da Câmara Municipal daquela cidade pelo apoio que lhes foi dado pela igreja católica local nas últimas eleições (2012).

Independentemente da questão ética sobre a representatividade política de cada setor da sociedade, do abuso do poder econômico e das relações obscuras que comandam esses apoios eleitorais, cá entre nós, não deixa de ser um tanto quanto hipócrita impedir uma diocese católica de apoiar candidatos num pleito enquanto várias denominações evangélicas têm, cada uma, os seus representantes em todas as esferas de poder.

A notícia foi publicada originalmente no jornal Valor Econômico, e reproduzida pelo IHU:

Dom Ferrari, bispo de Bauru,
luta por vereadores cassados

"Sabe aquele buraco que já fez aniversário na rua da casa? Ou a merenda escolar que não chega até a boca das crianças de sua cidade na quantidade que deveria? Ou o posto de saúde que nunca tem médico para atender? Saiba que a solução para todos esses problemas está na ponta de seus dedos". O texto, ilustrado com uma urna eletrônica, traz a solução: o voto em um dos 20 candidatos católicos, recomendados pelo bispo de Bauru, dom Caetano Ferrari. O apoio da igreja a postulantes a vereador, divulgado em um jornalzinho em Bauru nas eleições de 2012, teve o efeito reverso na cidade do interior paulista. Dos candidatos, 75% foram derrotados e os cinco eleitos foram cassados por conta do apoio católico. Agora, os três vereadores e dois suplentes apoiados pelo bispo lutam na Justiça para voltar ao cargo.

A reportagem é de Cristiane Agostine e publicada pelo jornal Valor, 23-09-2013.

Por trás do folheto, está dom Caetano, um religioso de 71 anos que defende que a igreja "oriente e eduque" os católicos para a política. "É necessário", diz. Com a voz calma e o jeito de desconfiado, o bispo é responsável por guiar 41 paróquias em 14 municípios paulistas, que concentram mais de meio milhão de pessoas.

Nas últimas três eleições, a diocese de Bauru distribuiu folhetos recomendando o voto em candidatos. Em 2012, por meio do conselho de leigos, selecionou os nomes, de diferentes partidos, e organizou o jornalzinho "Voto responsável - informativo dos candidatos a vereador referendados por paróquias da diocese de Bauru". Foram distribuídos 88 mil exemplares aos 248,9 mil eleitores da cidade para divulgar os "idôneos", segundo o bispo. "Não temos partido, mas oferecemos critérios para o pessoal escolher. Não é para votar em corrupto, num mensaleiro", diz dom Caetano. "A igreja indica aos fiéis que, de preferência, votem em católicos".

No entanto, o Ministério Público Eleitoral questionou o material, alegando dois problemas: propaganda ilegal dentro de templo religioso e doação irregular da diocese, já que a legislação proíbe doações da igreja "em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie".

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) concordou e, por unanimidade, cassou o mandato dos vereadores Fabiano Mariano (PDT), Antônio Faria Neto (PMDB) e Fernando Mantovani (PSDB), e dos primeiros suplentes Jorge Sebastião dos Santos (PRB) e José Carlos de Souza Pereira (PT). Os parlamentares não conseguiram reverter a decisão no TRE-SP e recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral, que ainda não julgou o caso. Os suplentes dos três vereadores assumiram no início do mês, alterando a composição da Câmara Municipal, com 17 vereadores.

O bispo está indignado com a decisão. "Vemos nisso uma forma de atacar a igreja católica", afirma. "Todos os candidatos têm base de alguma instituição, de um grupo de pessoas. Pode ser um sindicato, uma igreja ou uma associação de bairro", diz. "Nós orientamos a votar nesses candidatos. Os evangélicos não dizem que elegem poste?"

Os folhetos, diz dom Caetano, não foram distribuídos dentro das paróquias, nem custeados pela diocese. Segundo o bispo, o grupo de leigos escolheu os candidatos que frequentam as paróquias e foram eles que pagaram os R$ 4,2 mil da impressão dos folhetos. O grupo de leigos é ligado à diocese, mas é independente, "com CNPJ próprio", afirma.

"Em vez de a Justiça se preocupar com corruptos que estão por ai, por excesso de rigor acaba praticando injustiça"

"Em vez de Justiça se preocupar em afastar corruptos que estão por aí, por excesso de zelo e de rigor acaba praticando injustiça", critica dom Caetano. "E os bandidos do mensalão que foram condenados e estão exercendo o cargo? O Supremo condenou e os caras ainda estão lá. Que justiça é essa? É o fim da picada".

Políticos católicos que não entraram na lista dos preferidos da diocese, no entanto, não reclamam. É o caso do vereador Milton Sardin, do PP, que assumiu no lugar de Fabiano Mariano, cassado. "O anúncio afirmava que votar naqueles candidatos era voto responsável. E os outros? Seria um voto irresponsável?", diz. "Os candidatos pagaram para estar no jornal. Eu não".

Sentado em uma poltrona na sala da casa onde vive, dom Caetano não se abala com a crítica. Ao seu redor estão inúmeras imagens de São Francisco de Assis, que inspira a ordem dos franciscanos, a mesma do papa. Nascido no interior de São Paulo, o bispo de olhos claros e cabelos brancos é de uma família de religiosos com ascendência italiana. Foi coroinha, ordenou-se frade franciscano há 46 anos, padre há 43 anos e bispo há 11.

Em frente à poltrona, perto da televisão, há uma pintura da imagem de São Francisco ao lado de uma foto do papa Francisco. Em outra parede da sala estão fotos de dom Caetano com João Paulo II e Bento XVI. Na mesa de centro, jornais locais e de circulação nacional. "Sou um humilde frade que por acaso é bispo", diz.

Dom Caetano esteve com o papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, e participou do almoço do religioso com bispos brasileiros, no fim de julho. Falar das impressões sobre o papa deixa seu semblante mais tranquilo. "O papa encarna a simplicidade franciscana, o calor da acolhida, da convivência. Por outro lado, como jesuíta, é firme naquilo que ensina", diz. O bispo cita duas vezes aquilo que se destacou no papa: a ternura, o rigor e a ordem.

Embora defenda que a igreja participe da escolha política dos fiéis, o religioso resiste ao engajamento em lutas sociais, defendido pela Teologia da Libertação, ala católica mais progressista. "Não há fé sem obras. Não pode ser uma igreja mística, que só pensa no céu e se esquece da Terra. Mas também não pode só pensar nas coisas da Terra, na transformação das realidades sociais", diz. "A igreja não é uma ONG, uma instituição de fins filantrópicos, assistenciais. É a Igreja de Cristo, com a missão de anunciar o evangelho, perdoar os pecados, santificar as pessoas", afirma. O religioso discorda de classificações que dividem a igreja entre conservadores e progressistas, apesar de estar mais próximo do primeiro grupo.

Assim que voltou do encontro com o papa Francisco, o bispo viu ressurgir a principal polêmica que enfrentou desde que assumiu a diocese de Bauru, em 2009: a excomunhão de um padre que defende a união civil de homossexuais, o aborto, o sexo fora do casamento e o fim do celibato para padres, entre outros temas polêmicos para a igreja. Depois da visita ao Brasil, quando o papa indagou-se "Quem sou eu para julgar os homossexuais?", Roberto Francisco Daniel, o padre Beto, de Franca, cidade a 300 quilômetros de Bauru, entrou com uma ação na Justiça para tentar reverter a decisão da diocese - e voltou a fazer barulho na imprensa. A ação do ex-padre ganhou ainda mais apelo agora que o papa Francisco, pela segunda vez, voltou a tocar no tema ao dizer á revista jesuíta italiana 'La Civiltà Cattolica' que a Igreja é 'obcecada' por temas como gays, aborto e anticoncepção.

Dom Caetano tensiona sua fisionomia ao falar do caso. O religioso ajeita-se na poltrona, aperta o braço do sofá e dita pausadamente duas frases, destacando palavra por palavra. "Desejo que seja feliz e estou rezando por ele. Não tenho mais nada a declarar". A expulsão do padre que defende gays marcou o bispo. "Foi um caso dolorido para mim e para a igreja. Mas graças a Deus está encaminhado à Santa Sé", diz.

Roberto Francisco Daniel foi excomungado em abril depois de expor suas ideias polêmicas em missas, entrevistas e em vídeos que estão no Youtube. A diocese obrigou o padre a reconhecer que estava errado e dom Caetano chegou a propor a gravação de um vídeo com o pedido de desculpas, mas o padre se negou. Formado em direito e história, Beto é professor universitário, tem um programa no rádio, escreve para jornais, dá palestras e lançou o livro "Verdades Proibidas - Ideias do padre que a Igreja não conseguiu calar".

O bispo considera quase impossível que a Justiça reverta a excomunhão. "Ele declarou pelos meios de comunicação pontos de divergência grave com relação à doutrina da fé e da moral da igreja. Fez isso publicamente", diz. "Beto não foi excomungado. Ele se autoexcomungou com as coisas erradas que disse", afirmou. "E o Estado é laico e não tem nada que se meter. Isso é da disciplina interna da igreja".

A crítica por ter excomungado Beto, diz o bispo, foi "um erro da imprensa". "A decisão não foi por causa dos homossexuais", diz. "Eu também defendo os gays, a igreja defende os gays, papa Francisco defende os gays. Quem sou eu para julgar? A homossexualidade não é matéria de excomunhão, mas a doutrina sim", diz o bispo em entrevista que antecedeu as declarações do papa sobre dogmas tratados como obsessões pela Igreja.

Antes de ir para Bauru, dom Caetano foi bispo de Franca. Naquela cidade, assim que deixou a diocese, um caso de pedofilia envolvendo um padre ganhou repercussão e abalou a igreja. Dom Caetano diz que enquanto estava em Franca não teve conhecimento do problema, nem recebeu denúncias. Afirma que trataria o problema com o mesmo rigor que tratou do padre Beto e diz que a Justiça deve cuidar do caso. No entanto, acha que a excomunhão do padre de Franca não precisaria ter a mesma "declaração formal e pública".

Dom Caetano lidou ainda com outro problema em Franca, antes mesmo de assumir a diocese. Um padre da região havia engravidado uma jovem menor de idade e teve que deixar o sacerdócio. O caso, assim como do padre acusado de pedofilia, foi tratado de forma mais discreta pela igreja, longe dos holofotes.

Ao falar dos casos polêmicos, Dom Caetano reclama de perguntas sobre o motivo de a igreja ter tratado aparentemente com mais rigor o padre midiático do que o processado por pedofilia e o que engravidou uma jovem. Para o bispo, há muita confusão em torno do termo "excomunhão". "Trair a mulher é um pecado mortal, que tira a comunhão. Você não pode comungar. Mas ninguém vai declarar: ele está excomungado. Não precisa fazer escândalo", diz, como exemplo.

Dom Caetano diz que os desvios de conduta dos religiosos já são tratados com rigor pela igreja e que muitos são aconselhados a casar ainda durante a formação. "Pode acontecer algum escândalo como tem acontecido, de padre que deixa [a igreja] para casar, de homossexualismo, de pedofilia, porque esses padres são humanos. Mas isso não se desenvolveu no seminário nem foi patrocinado lá. Muito pelo contrário. Os formadores são muito criteriosos. Dizem: você tem que casar; para você a castidade é impossível. Isso tanto para homossexual quanto para heterossexual", afirma.

Entre a defesa de uma igreja que eduque os fieis para a política e a crítica aos desvios de religiosos, dom Caetano lembra da passagem do papa Francisco pelo Brasil e da pregação por uma igreja mais próxima do povo, junto da periferia e perto de seus problemas cotidianos. Entre eles, os problema que sempre aparecem nas eleições: o buraco na rua, a falta da merenda escolar e o posto de saúde sem médico, como cita o jornalzinho com os 20 candidatos de Bauru. "É sair da sacristia e ir para as ruas", diz.



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