segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Morre Cláudio Cavalcanti, o padre Albano de Roque Santeiro


Faleceu ontem no Rio de Janeiro (RJ), aos 73 anos de idade, o grande ator Cláudio Cavalcanti, que teve (e nos deu) o privilégio de tomar parte em uma época de ouro da televisão brasileira, também já finada (infelizmente).

Foram mais de 50 participações em novelas e minisséries televisivas, além de 22 filmes para o cinema e outras tantas peças teatrais, que deram ao Brasil um de seus maiores atores.

Entre os muitos papéis que desempenhou na telinha, eu destacaria Jerônimo Coragem ("Irmãos Coragem", 1970, ainda em preto e branco), o poeta sonhador Juca Campos Lara da esquecida novela das seis "O Feijão e o Sonho" (adaptada do romance homônimo de Orígenes Lessa por Benedito Ruy Barbosa em 1976), e o que considero seu auge, o padre Albano de "Roque Santeiro" (1985).

Nesta novela de Dias Gomes, padre Albano era o sacerdote socialista, o "padreco vermelho" segundo Sinhozinho Malta (interpretado por Lima Duarte) que agitava a fictícia Vila Miséria da cidade de Asa Branca, dominada pelo misticismo em torno da suposta morte de Roque Santeiro.

Além da defesa da teologia da libertação em oposição ao conservador padre Hipólito (interpretado magistralmente por Paulo Gracindo), o roteiro da novela reservou ao padre Albano a discussão do celibato, ao, digamos, "tentá-lo" com a paixão por Tânia (filha de Sinhozinho Malta, interpretada por Lídia Brondi).

Foram - talvez - os maiores momentos da dramaturgia televisiva brasileira, com atores e atrizes espetaculares contracenando numa estória que discutia a força dos mitos e dos "santos" criados pela religião, numa sátira rocambolesca em que Dias Gomes não economizou as tintas.

O enredo já é conhecido da maioria dos brasileiros, mas Roque Santeiro era o "santo" popular venerado pelo seu martírio na defesa da fé do povo de Asa Branca, que na verdade não havia morrido, mas fugido por covardia.

Quando Roque Santeiro retorna vivinho da silva a Asa Branca, a confusão se instaura junto com o debate sobre até que ponto é possível negar a mitologia criada pelo povão.

O que pode - eventualmente - surpreender os mais novos é saber que a televisão brasileira já foi capaz de produzir obras-primas como "Roque Santeiro", quando se vê o lixo que oferece hoje às multidões ignaras.

Nesses quase 30 anos que se passaram desde a estreia de "Roque Santeiro", o Brasil mudou muito, e talvez se a novela tivesse um "remake", muitas crendices evangélicas atuais pudessem ser acrescentadas ao misticismo de origem católica. 

Até o nome da obra podia mudar para "Roque Apóstolo". Que tal? 

Já pensou? A praça central de Asa Branca recheada de estátuas em homenagem a "apóstolos", "bispos" e "pastores" "ungidos" que vendem Bíblias a 900 paus? Fica a dica!

No primeiro vídeo abaixo, Cláudio Cavalcanti fala um pouco sobre seu personagem padre Albano. No segundo vídeo, Roque Santeiro (interpretado por José Wilker) se convence da impossibilidade de contar a verdade sobre si mesmo, enquanto o padre Hipólito se confessa com padre Albano. No terceiro vídeo, é a vez de padre Albano se convencer de que o povo não quer mesmo saber o que é a verdade. Momentos antológicos da TV brasileira.

É uma pena, mas todos nós passamos pela vida e procuramos, de alguma forma, deixar algo bom, inspirador e construtivo para os que ficam. Cláudio Cavalcanti se foi, mas deixou uma vasta obra para ser admirada por toda a posteridade.

Descanse em paz, Cláudio Cavalcanti!






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