sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sabedoria islâmica aplicada à decadência dos impérios eletrônicos


Interessante artigo de Paul Krugman publicado na Folha de S. Paulo de 26/08/13:

O declínio dos impérios eletrônicos

O inesperado anúncio de Steve Ballmer de que ele deixaria a presidência executiva da Microsoft causou grande volume de comentários. Não sendo especialista em tecnologia e nem guru de gestão, não há muito que eu possa acrescentar quanto a essas duas frentes. Mas creio saber um pouco sobre economia, e também leio muita História. Assim, o anúncio de Ballmer me levou a pensar sobre externalidades de rede e Ibn Khaldun. E eu argumentaria que pensar sobre essas coisas pode ajudar a garantir que extraiamos as lições corretas dessa reviravolta empresarial específica.

Primeiro as externalidades de rede: considere o estado do setor de computação por volta de 2000, quando o preço das ações da Microsoft atingiu seu pico e a companhia parecia completamente dominante. Recorde as camisetas que mostravam Bill Gates como um borg (um ser integrado a uma mentalidade coletiva de colmeia em "Jornada nas Estrelas"), com os dizeres "resistir é fútil. Prepare-se para ser assimilado". Você se lembra, além disso, que a Microsoft ocupava posição central nas preocupações quanto à aplicação das leis antitruste?

O estranho era que ninguém parecia gostar dos produtos da Microsoft. Todos concordavam em que os computadores Apple eram melhores que os computadores equipados com o sistema operacional Windows. Mas a vasta maioria dos computadores de mesa e laptops usava o Windows. Por quê?


A resposta, basicamente, é que todo mundo usava o Windows porque todo mundo usava o Windows. Se você tinha um computador equipado com o Windows e precisava de ajuda com ele, bastava pedir ao cara no cubículo ao lado, ou ao pessoal da informática no andar de baixo, e a probabilidade de que obtivesse a resposta desejada era considerável. O software era criado para operar com o Windows; os periféricos idem.

Era um retrato das externalidades de rede em ação, e elas fizeram da Microsoft um monopólio.

A história de como situação surgiu é complicada, mas não creio que seja injusto afirmar que a Apple acreditou, erroneamente, que os compradores comuns dariam à qualidade superior de seus produtos o mesmo valor que as pessoas da empresa atribuíam. Por isso, ela cobrava preços mais caros que os da concorrência, e quando veio a perceber o número de pessoas que estavam optando por máquinas que não eram assim tão boas mas faziam o trabalho do mesmo jeito, o domínio da Microsoft já estava garantido.

Discussões como essas sempre atraem intervenção dos devotos da Apple, que insistem em que tudo que um computador Windows pode fazer, um Apple faz melhor, e apenas idiotas compram computadores Windows. Pode ser que estejam certos. Mas isso não importa, porque existe grande número desses idiotas - entre os quais me incluo. E o Windows continua a dominar o mercado de computadores pessoais.

Os problemas da Microsoft surgiram com a ascensão de novos aparelhos cuja importância notoriamente escapou à empresa. "Não há chance", declarou Ballmer em 2007, "de que o iPhone conquiste fatia de mercado significativa".

Como a Microsoft conseguiu ser tão cega? É nesse ponto que Ibn Khaldun entra na história. Ele foi o filósofo muçulmano do século 14 que basicamente inventou o que hoje designamos como ciências sociais. E uma de suas percepções, baseada em uma história de sua África do Norte natal, era a de que existia um ritmo na ascensão e queda de dinastias.

Os nômades do deserto, ele argumentou, sempre tiveram mais coragem e coesão social do que o as pessoas civilizadas e assentadas em cidades, e por isso ocasionalmente eles emergem de seus baluartes para conquistar terras cujos governantes se tornaram corruptos e complacentes. Os novos soberanos criam dinastias - e com o tempo se tornam igualmente corruptos e complacentes, e ficam à mercê de um novo conjunto de bárbaros.

Não creio que seja absurdo aplicar essa história à Microsoft, uma companhia que se saiu tão bem com seu monopólio sobre os sistemas operacionais que perdeu o foco, enquanto a Apple - ainda vagueando pelo deserto depois de tantos anos - estava alerta a novas oportunidades. E assim uma nova onda de bárbaros deixou o deserto.

Às vezes, aliás, os bárbaros são convidados a intervir por uma facção doméstica em busca de reacomodação. Talvez seja isso que está acontecendo no Yahoo: Marissa Miller não se parece muito com um feroz líder beduíno, mas é possível que esteja cumprindo o mesmo papel funcional.

De qualquer forma, o divertido é que a posição da Apple nos aparelhos móveis agora porta forte semelhança com aquela que a Microsoft detinha nos sistemas operacionais. É fato que a Apple produz aparelhos de alta qualidade. Mas a maioria dos observadores concorda em que são pouco melhores do que os dos rivais, se é que o são, e seus preços são altos.

Por que as pessoas os compram, então? Externalidades de rede: muita gente mais usa os iQualquercoisa, há mais apps para o iOS do que para outros sistemas operacionais, e com isso a Apple se torna a escolha mais segura e fácil. Meet the new boss, the same as the old boss [diga olá ao novo patrão, igualzinho ao velho patrão].

Há uma moral política a aprender com isso? Deixem-me propor ao menos um argumento negativo: mesmo que a Microsoft na verdade não tenha conseguido dominar o mundo, as preocupações antitruste quanto a ela não eram levianas. A Microsoft era um monopólio, vivia como rentista desse monopólio e não exibia inovação. A destruição criativa significa que monopólios não duram para sempre, mas não que sejam inofensivos enquanto duram. Isso valia para a Microsoft ontem; pode valer para a Apple, o Google, ou uma empresa que ainda não está em nosso radar, amanhã.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.



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