sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Origens do misticismo do sal grosso

A notícia abaixo, do caderno Paladar do Estadão, passou um tanto quanto despercebida, mas não deixa de ser curiosa e um testemunho pungente sobre o misticismo que assola o futebol brasileiro:

É sol, é sal, é gol

Por Dias Lopes

Dirigentes do São Paulo espalharam sal grosso em um dos degraus da escada do Estádio do Morumbi, através da qual os jogadores têm acesso ao gramado, no dia 25 de agosto. Era para esconjurar o jejum de vitórias do Brasileirão 2013 que já durava 12 partidas. A mandinga funcionou. O São Paulo venceu o Fluminense do Rio de Janeiro por 2 a 1.

Não é pouco o poder que a fé do povo atribui ao sal grosso. “Afasta o azar, a inveja, o mau-olhado, a doença e as energias negativas”, sustentam os crentes. Alguém atravessa um momento difícil na vida? Que tome banho de sal grosso!

Turbina-se o efeito do sal grosso associando-o a outra crendice. No Estádio do Morumbi, ele foi colocado no terceiro degrau da escada, contado de baixo para cima. Três é um número propiciador, com magia fundamentada na saga cristã. O mistério da Santíssima Trindade preconiza que Deus é único, mas reunido em três figuras distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Três reis magos levaram presentes a Jesus. As Sagradas Escrituras contam que Cristo foi pregado na cruz “na terceira hora” (Mc 15.25). Três mulheres cuidaram do seu corpo. Ele ressuscitou no terceiro dia.

Na magia, sal grosso ou fino, que são a mesma substância (cloreto de sódio), têm finalidade ambivalente. Servem também para amaldiçoar. Os executores de Tiradentes salgaram o terreno da casa onde ele morava, em Vila Rica, para que nada voltasse a nascer ali. Luís da Câmara Cascudo, em um dos capítulos de Superstições e Costumes (Antunes & Cia., Rio de Janeiro, 1958), mostra uma faceta diferente do sal.

Segundo o mestre do folclore, comê-lo junto com uma pessoa reforça laços de convivência. Na França, aconselha-se comer “un miud de sel” com o futuro amigo. Em uma das histórias das Mil e Uma Noites, um homem participa de um assalto ao tesouro do rei. Na escuridão, vislumbra alguma coisa branca que brilha e a toca com a língua. Muda imediatamente de lado. Considera-se hóspede do rei, ligado a ele pelo laço da hospitalidade estabelecida pelo sal. Enfrenta os outros ladrões e os obriga a interromper o assalto.

Segundo Cascudo, justamente pelo fato de ser um símbolo de amizade, derramar sal é um gesto de repúdio, de traição. Leonardo da Vinci, no afresco Última Ceia, pintou um saleiro entornado diante do cotovelo de Judas. O traidor de Cristo se matou a seguir. Acredita-se que a Igreja Católica assimilou esse e outros significados do sal para incorporá-lo a seus rituais. Até 1973, empregou-o no batismo das crianças. O oficiante tomava o sal na mão e fazia o batizando provar uma pitada. Simbolicamente, purificava as culpas e pecados, acendia a luz da fé e promovia a aliança com Deus.

Na raiz das superstições em torno do sal se encontra a perplexidade do homem primitivo com seus prodígios na alimentação. Até o século 20, foi a mais importante substância para conservar e manter o sabor dos alimentos. Sem o sal não haveria o charque e o bacalhau, por exemplo.

Os exércitos e os navegadores de antigamente teriam passado fome em suas expedições se não dispusessem da comida preservada pelo sal. Ele também beneficiou a indústria moderna. Do pão de fôrma ao presunto, nenhuma substância natural prolonga mais a validade dos alimentos e lhes dá tanto sabor.

O organismo humano precisa do cloreto e do sódio reunidos no sal para manter o equilíbrio do corpo, a atividade dos músculos e nervos. Mas a medicina quer acabar com ele. Alega que seu consumo excessivo aumenta a pressão arterial e causa problemas renais, arritmia, infarto, etc. Se o sal for banido, porém, nossa comida ficará insípida e, no jogo de volta, o São Paulo vai levar uma goleada do Fluminense.



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