quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Crendices quânticas

Realmente, não devemos nos surpreender quando certos "pastores", "bispos" e "apóstolos" de carteirinha (alguns com ficha corrida) vendem seus "martelos", "colunas", "arcas", "óleos", "mezuzás" e outros objetos supostamente "ungidos".

O povão gosta mesmo é de comprar qualquer coisa que lhes proporciona algum tipo de pensamento mágico com soluções simples e alívio imediato, mas raramente duradouro.

Resumo da ópera: tudo o que os incautos precisam na hora da dificuldade é de um bom efeito placebo.

Nesse borbulhar de interesses muito mais comerciais do que religiosos, a coitada da Física Quântica é apenas mais uma das disciplinas usadas e abusadas pelas crendices populares.

E, como já comentamos aqui em 2009, no artigo "O conto do bilhete premiado", cai quem quer...

A notícia foi publicada na Folha de S. Paulo de 24/09/13:

Feira de medicina quântica tem desde 'essência de golfinhos' até água 'carinhosa'

JULIANA VINES

De um lado, um homem fantasiado de golfinho vende florais com "essências vibracionais" de "golfinhos sutis". Do outro, um estande expõe um filtro de barro que, por R$ 1.500, promete transformar cristais de água em "obras de arte" graças à inscrição "amor e gratidão".

As ofertas foram apresentadas na 4ª Expoquantum, feira de terapias e produtos da chamada medicina quântica, corrente que transpõe conceitos da física para tratamentos alternativos.

A feira aconteceu nos dias 14 e 15 deste mês, no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. Reuniu 5.000 pessoas e 119 expositores.

A advogada Maria Lucia Teixeira de Araújo, 60, foi "de curiosa". Chegou cética e saiu com uma pulseira holográfica que diz aumentar o equilíbrio --parecida com a pulseira Power Balance, cuja publicidade foi proibida pela Anvisa em 2010.

"Não acreditava", diz. Depois da demonstração feita pelo expositor, não resistiu.

O vendedor pediu que ela cruzasse as pernas, em pé, e tentou desequilibrá-la, primeiro sem e depois com a pulseira. Com as mãos vazias, ela quase caiu. Quando segurou a pulseira de silicone, o homem se pendurou no seu braço e ela não se desequilibrou.

"Ando com mais firmeza. Não tiro a pulseira nem para dormir", disse ela, uma semana depois.

"Nenhum desses produtos tem relação com conceitos da física quântica", diz Daniel Bezerra, físico e autor do livro "Pura Picaretagem" (Leya, 176 págs., R$ 29,90), escrito com o jornalista Carlos Orsi.

Surgida no século 20, a física quântica trata do mundo microscópico. Ao observar a atividade de partículas subatômicas, como elétrons, cientistas descobriram que elas se comportavam de forma diferente da realidade macroscópica.

"O mundo microscópico se descreve com probabilidades, há elétrons que podem atravessar paredes. Mas isso tudo no mundo microscópico", diz Marcelo Knobel, físico e professor da Unicamp.

Para Orsi, os princípios que contrariam o senso comum fazem com que a física quântica seja usada para justificar terapias alternativas. "O raciocínio é: se a física quântica não faz sentido e é ciência, por que tal produto não pode ser também?", diz.

O fenômeno do misticismo quântico começou em 1975, na Califórnia (EUA), segundo Osvaldo Pessoa Jr., professor de filosofia da ciência da USP.

"Surgem correntes que tentam explicar como a física quântica justifica uma visão mística da realidade. Isso tem seu auge nos anos 1990 e 2000 [com os filmes 'Quem Somos Nós?' e 'O Segredo']."

Os dois filmes emprestam outra ideia da física: a de que o ato da observação define qual característica será manifestada por uma partícula.

"Algumas interpretações da física incluem o observador consciente como importante nesse processo. Mas o argumento do filme 'O Segredo' de que o observador pode modificar a realidade não é sustentado", diz Pessoa Jr.



SALTO QUÂNTICO

Para os defensores da medicina quântica, não faltam evidências. "A física quântica é a física das possibilidades", disse à Folha o físico indiano Amit Goswami, hoje o divulgador mais conhecido dessa corrente. Ele esteve no Brasil para um simpósio, realizado com a feira.

"O processo de cura quântica é completamente conhecido. Não há só o corpo físico, há também o energético."

Ele reconhece que há falsas promessas vendidas com o rótulo de ciência. "Isso é esperado. Mas não é suficiente para anular todos os bons resultados dessas terapias."

Por aqui, o pai da saúde quântica é o engenheiro Wallace Liimaa (as vogais foram duplicadas depois de um estudo cabalístico). Organizador do simpósio, ele conta que sentiu os efeitos de terapias quânticas na sua saúde.

"Tinha 25 anos quando tive um 'salto quântico': estava com gastrite, mudei a alimentação e isso mudou meu modo de ser. A saúde quântica vê a doença como oportunidade de transformação."

Para o clínico geral Paulo Olzon, da Unifesp, a abordagem preventiva das terapias quânticas é interessante.

"Não acredito em formulações mágicas. Mas meditação e mudança de atitude em relação à vida podem ter influência sobre doenças."





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