Matéria interessante publicada no Estadão de 30 de junho de 2013:
Síndica monja une vizinhos em meditação semanal
'O ambiente de paz deve ajudar todo o quarteirão', diz morador participante
TIAGO QUEIROZ
Todas as noites de quarta-feira são de meditação no salão de um prédio residencial de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Uma pausa na rotina estressante da cidade. Para sentir "o sangue passando pelas veias", segundo as palavras de um praticante.
A sessão, denominada zazen, é conduzida pela monja budista Sandra Degenszajn, de 49 anos, que por acaso também é a síndica do prédio. Como todos os síndicos, Sandra distribui vagas de garagem, calcula o valor do condomínio e ajuda a resolver conflitos (externos e internos) de moradores. Além disso, está sempre vestida com o samuê, a roupa de trabalho dos monges.
A monja síndica iniciou a meditação no prédio há dois anos. Desde o começo já eram muitos os interessados. "Na primeira vez, almofadas do salão tiveram de ser improvisadas para acomodar tanta gente", diz Sandra. Mas pouco a pouco os praticantes foram minguando, até que em uma quarta-feira se viu sozinha. "As pessoas buscam experiências e resultados mirabolantes. Isso a meditação não pode proporcionar." Ela não desistiu. "Descia e via que ninguém viria. Fazia a meditação sozinha. Para mim também foi um teste de persistência." Hoje, o grupo voltou a crescer. São de oito a doze pessoas de diversas profissões e credos.
Comunidade. A ideia para iniciar o zazen surgiu do dia a dia participativo do condomínio. Arquiteta e moradora do local há 14 anos, Sandra ajudou a construir um banheiro na guarita. Depois percebeu que podiam montar uma academia em um espaço inutilizado com custo zero, graças a doações dos condôminos. "Um morador doou uma bicicleta, outro alguns pesos, conseguimos uma esteira e assim montamos uma academia de modo colaborativo. Hoje também temos uma horta comunitária com hortelã, alecrim, manjericão..."
Discípula da monja Coen, Sandra - ou Waho, seu nome budista (que significa "harmonia dos ensinamentos") - conduzia as meditações para iniciantes nas noites de terça-feira em um templo perto do prédio. "Quando o templo teve de mudar de endereço, pois estava pequeno para tanta gente, algumas pessoas da região e do prédio me sugeriram continuar com o zazen por aqui."
No início levava incenso, um pequeno altar e a imagem de Buda. Falava algumas palavras e ensinamentos da religião. Isso incomodou um morador católico que gostava de participar. "Quando esse rapaz veio falar comigo, percebi que não devia mais trazer o altar e a figura de Buda. Só levava o incenso, que também acabei deixando de trazer porque tinha uma moça alérgica no grupo. O que eu quero mesmo é que as pessoas meditem, descubram seus benefícios. Não quero tornar ninguém budista. Existe meditação cristã, judaica, é algo inerente ao ser humano."
Prática. A meditação começa entre as 19h e as 22h. Quem pode chega antes e toma o chá oferecido pela monja síndica. Os praticantes sentam-se virados para a parede em almofadas pretas chamadas de zafu. Outros usam cadeiras. São 20 minutos imóveis. Depois, pratica-se o kinhim - 10 minutos de lenta caminhada em círculo, onde todos procuram andar na mesma intensidade. Após o kinhim, mais 20 minutos de zazen.
A editora de vídeo Priscila Bellotti, de 41 anos, disse que ficou surpresa ao flagrar uma sessão de meditação. "Estava pegando o elevador e me intrigou ver aquelas pessoas sentadas. Entrei e perguntei: 'O que acontece aqui?' Quando me explicaram, na semana seguinte estava participando."
Priscila não mora mais no prédio, mas continua frequentando as sessões. "Aqui é um espaço para observar a linha de meu pensamento."
O casal Regina Pinheiro, de 50 anos, e o subsíndico do prédio, Jair de Andrade, de 45, ainda estão nos primeiros encontros com a meditação. "Tenho muita dificuldade de me concentrar. Achei o silêncio barulhento, mas gostei", disse Regina. Jair conta que apesar de nunca ter participado antes, sentia uma "energia efervescente que emanava do salão". "As pessoas estão muito desequilibradas, mas esse ambiente de paz deve ajudar todo o quarteirão."
Para a fotógrafa e artista plástica Cris Bierrenbach, de 48 anos, o mais importante é o encontro com os outros. "Você consegue fazer meditação mais tempo do que se estivesse sozinho. É como se as pessoas se ajudassem por estarem na mesma sintonia. Parece uma comunhão."
O fato de ser monja não atrapalha o trabalho de síndica, segundo Sandra. "Existem três preceitos do budismo: Buda, que é aquele que despertou, Dharma, que são os ensinamentos, e Sanga, que é a comunidade. E viver em um prédio não é uma relação de comunidade?"