segunda-feira, 8 de julho de 2013

Os pastores latinos do Bronx

Alguns dias atrás reproduzimos aqui artigo do Estadão sobre a influência evangélica latina na política norteamericana. No mesmo dia, 30 de junho de 2013, o "jornalão" paulista publicou outra matéria interessante sobre os pastores de origem latina que atuam no bairro novaiorquino do Bronx.

Para os mais apressados, a síntese do artigo está neste parágrafo,com um trecho da entrevista do pastor Ruben Díaz:
Quando indagado se hoje é mais político ou pastor, ele não hesita: "Eu não sei como as pessoas podem dissociar as duas coisas. Eu sou o Estado e eu sou a Igreja. Como posso me separar de mim mesmo? Foi quando o Vaticano se afastou da política, que a Igreja Católica começou a ruir e o diabo tomou o seu lugar"
Uma declaração dessas revela - no mínimo - um profundo desconhecimento da história da humanidade e da igreja em particular.

Como o fenômeno evangélico na política dos EUA guarda muitas semelhanças com os seus pares do Brasil, ler o artigo abaixo - do Estadão - é uma excelente oportunidade para se conhecer e tentar prever o caminho que toma (e tomará) a bancada evangélica brasileira:

Os pastores que dominam o Bronx

ADRIANA CARRANCA

NOVA YORK - Saindo da Avenida Westchester, dominada naquele trecho por construções de antes da 2.ª Guerra transformadas em cortiços e por placas coloridas e em espanhol de pequenos estabelecimentos, um moderno prédio de 11 andares destaca-se no cenário. Na entrada, lê-se: Reverendo Diaz Plaza. A poucos metros está o Reverendo Diaz Garden e na quadra seguinte o Reverendo Diaz Village, blocos de apartamentos onde vivem 300 famílias pobres de Foxhurst, no sul do Bronx.

Com chapéu e botas de caubói, camisa xadrez e relógio dourado de proporções exageradas - estilo adotado em Porto Rico antes de se mudar para os EUA -, o reverendo Ruben Diaz, ex-viciado com breve passagem pela prisão, convertido do catolicismo e fundador da primeira igreja evangélica latina do Bronx, caminha com o peito inflado, distribuindo bênçãos aos moradores, que o reconhecem à distância: "Dios está en el control, hijo".

"Quando o Bronx parecia a Alemanha do pós-guerra, quando todos abandonaram os moradores, eles tiveram seus nomes negativados nos bancos e não havia mais a quem recorrer, eu estava aqui", ele diz, com um carregado sotaque latino. "Eu reergui esse bairro. Empreguei 3 mil pessoas quando não havia trabalho."

Imigrantes latinos batiam à porta de sua igreja em número crescente. Pagavam o dízimo em troca de bênçãos e serviços bem mundanos. Com a arrecadação e influência em ascensão, Diaz criou a Associação da Comunidade Cristã Benevolente, que levou projetos de habitação, empregabilidade e renda à comunidade latina do que já foi o mais violento bairro de Nova York, habitado predominantemente por negros, imigrantes latinos ou ambos.

O filho caçula, pastor Ruben Diaz Júnior, de 42 anos, é o atual presidente do Bronx (equivalente a subprefeito), cargo antes ocupado pelo pai. A filha, pastora Damaris, é sargento da polícia de Nova York e o pastor Samuel, o mais velho, ocupa cargo na secretaria de habitação. Nas últimas eleições, o velho Diaz tornou-se o primeiro pastor evangélico latino a vencer uma cadeira no Senado estadual.

Foi o único senador democrata a votar contra o casamento gay em Nova York, o que obrigou o partido a uma aliança com republicanos para obter o voto que faltava. A ampliação dos casos em que o aborto é permitido, proposta pelo governador Andrew Cuomo, foi para a gaveta sem o voto de Diaz. Ele ri. "Eu os deixo loucos, porque sou um democrata, mas um democrata conservador, espécie rara em Nova York", diz. "Meu compromisso não é com os senadores do partido, é com Deus e com os valores da igreja."

Quando indagado se hoje é mais político ou pastor, ele não hesita: "Eu não sei como as pessoas podem dissociar as duas coisas. Eu sou o Estado e eu sou a Igreja. Como posso me separar de mim mesmo? Foi quando o Vaticano se afastou da política, que a Igreja Católica começou a ruir e o diabo tomou o seu lugar"

Na corrida eleitoral à prefeitura da cidade, lançada há duas semanas, o velho reverendo e senador tenta eleger o afilhado espiritual e político, pastor Erick Salgado. Com Adolfo Carrion Júnior, filho do presidente das igrejas Assembleia de Deus do leste dos EUA, que concorre como candidato independente, os pastores evangélicos latinos são 20% dos candidatos na disputa pela prefeitura de Nova York.

Salgado domina os fundões do Brooklyn, onde prega há 24 anos, período em que imigrantes latinos como ele ocuparam a vizinhança. Em 2003, ele começou um programa numa rádio local em espanhol. Anos depois comprou a emissora, Radio Cântico Nuevo, hoje com cinco filiais e transmissão 24 horas de música gospel, sermões e serviços à comunidade. Tem 300 mil ouvintes nos Estados de Nova York, Nova Jersey e Connecticut. Por seus sermões homofóbicos, diz ter recebido três ameaças de morte, registradas na delegacia local.

Mas os 10 mil fiéis, a maioria do México e Guatemala, que frequentam uma de suas 23 igrejas aos domingos e contribuem regularmente com o dízimo lhe dão ânimo - e dinheiro - para seguir na campanha, para a qual levantou US$ 250 mil.

Dos 2,4 milhões de latinos em Nova York, 1 milhão são democratas como ele. Representam 35% do partido na cidade. "Temos agora um eleitorado forte e uma base forte para finalmente nos movermos na direção de cargos como a prefeitura de NY", diz Salgado. "Os imigrantes têm sido completamente ignorados pela administração atual. O governo tem a possibilidade de deportá-los, mas não o faz porque precisa deles, mas os quer aqui ilegalmente, para poder explorá-los como escravos", vocifera em um inglês quase ininteligível.

Ao lado de seu comitê de campanha há um galpão onde Salgado distribui doações do banco municipal de alimentos de NY. "Eles nos dão a comida e nós acessamos os beneficiados, porque as autoridades não conseguem chegar aos ilegais", diz. "Somos nós é que lidamos com os problemas do dia a dia. Nós atendemos as emergências." Após a passagem do Furacão Sandy, quando a área foi inundada e as casas de madeira ruíram, Salgado abrigou 70 famílias em suas igrejas. "Quando as autoridades tentaram avaliar os estragos não conseguiam sequer ter acesso às casas, porque abrigavam ilegais e eles tinham medo de abrir a porta e serem deportados."



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