O capítulo 7 é o mais longo de Eclesiastes, e talvez seja o mais belo e o mais injustiçado, já que muita atenção se dá a Eclesiastes 3 e se esquece a profundidade dos ensinamentos do Pregador em Eclesiastes 7.
Para mim, este é o momento de sua pregação em que aquilo que parecia etéreo, excêntrico, filosófico (ou distante) demais, começa a ter uma aplicação mais prática, mais "pé no chão", ao alcance das atormentadas almas mortais.
Assim, ele lista uma série de situações em que a nossa vaidade é despertada, em que nos sentimos importantes e especiais, como no caso de um ungüento precioso (7:1), o banquete na casa (7:2 - na companhia de várias pessoas supostamente felizes, portanto), a canção do insensato (7:5), e - a cada uma dessas circunstâncias específicas em que a vaidade é realçada -, o Pregador contrapõe outra situação em que a sabedoria verdadeira está sendo negligenciada, talvez porque é mais cômodo se ater apenas à própria solidão.
Temos, portanto, uma sabedoria que se apresenta, se deixa conhecer, aplicando-se às cenas cotidianas de todos nós, e este é o momento em que o Pregador [Qohélet] começa a dizer a que veio, e qual é sua real intenção.
Assim, a preocupação do primeiro versículo é com a reputação, com a "boa fama", a qual o Pregador considera melhor do que um perfume caro, o "ungüento precioso", o que não deixa de ser uma comparação bastante atual, já que muitas pessoas preferem camuflar a sua reputação atrás de perfumes sensuais e roupas caríssimas, como se elas tivessem o condão de modificar o que lhes vai por dentro.
A estes Jesus chamaria de "sepulcros caiados" (Mateus 23:27), e alguns de nós poderiam usar o provérbio "por fora bela viola, por dentro pão bolorento".
Na sabedoria prática de Qohélet, é melhor o dia da morte do que o do nascimento, porque a morte, sobretudo para o cristão, não deixa de ser um momento de redenção, uma tarefa cumprida, uma volta para casa, um encontro marcado com a eternidade, enquanto o nascimento é apenas o começo de uma vida sujeita a todas as vaidades debaixo do sol.
Neste diapasão, é melhor ir a um velório do que a um banquete (v. 2), pois diante da morte do outro (seja ele querido ou não) é que compartilhamos da humanidade que nos une, do destino comum a todos nós, e aí podemos refletir como estamos, de fato, levando a nossa própria vida.
Afinal, só temos um vaguíssimo vislumbre da morte pela experiência dela pelo outro. Curiosamente, nenhum de nós passará - em vida - pela experiência da morte, razão pela qual ninguém sabe exatamente o que seja o fim que a todos é reservado, e é nos velórios que somos lembrados de que ela existe e nos espera.
Não que os banquetes não sejam bons, mas a comida e a bebida tendem a entorpecer os nossos verdadeiros objetivos nesta vida.
Ainda nesta lógica, digamos, esquisita, é melhor magoar-se do que rir (v. 3), porque a mágoa, em geral, é conseqüência do conhecimento de algo ou de alguém que até então se apresentava como verdadeiro e agora vemos que é falso, enquanto rir pode ser algo meramente inconsequente.
O sofrimento e a dor, se devidamente encarados, vividos, apreendidos e aprendidos, sem vitimização, purificam e nos fazem crescer. É por isso que "o coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria" (v. 4).
Embora a maioria das pessoas não goste, é melhor ser repreendido pelo sábio do que juntar-se à cantoria dos insensatos (v. 5), cujas gargalhadas se comparam a espinhos crepitando debaixo de uma panela (v. 6).
Ora, o que mantém o fogo aceso são as achas de lenha e não os espinhos, que apenas crepitam, fazendo o efeito sonoro, mas inútil para o cozinhar.
A seguir, o Pregador volta a um tema que lhe preocupa bastante durante todo o livro de Eclesiastes, a opressão, que chega a enlouquecer o sábio, e a corrupção dos subornos (v. 7).
O mundo é corrupto, ele não cansa de dizer, e "melhor é o fim das coisas do que o seu princípio" (v. 8), o que contraria, até certo ponto, o senso comum, de que o fim das coisas é sempre triste, mas Qohélet tem outros olhos para isso, vê as coisas de outra perspectiva, que é a eternidade, como já havia deixado claro em Eclesiastes 3:11.
No seu prisma, as coisas que realmente importam não têm princípio nem fim, pertencem a outra dimensão, mas neste mundo tudo é temporal e se desgasta naturalmente.
Ele ainda encontra lugar para admoestar-nos que devemos ser tardios em irar-nos (v. 9), uma característica geralmente atribuída a Deus no Velho Testamento (Números 14:18; Salmos 103:8, 145:8; Joel 2:13, por exemplo) e que Tiago (1:19) nos aconselha a cultivar.
Salomão já havia dito isso em Provérbios 19:11 – "a sabedoria do homem lhe dá paciência; sua glória é ignorar as ofensas" – NVI. Então, no v. 10, o Pregador dá um conselho que contraria ainda mais aquilo que estamos acostumados a pensar:
"Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim."
No nosso mundo, a juventude é admirada, louvada, apreciada, benquista. O envelhecimento é tido como algo feio, sujo, fétido, ruim, malvado, que devemos evitar a todo custo, embora seja o curso natural (e inevitável) das nossas vidas.
Por isso mesmo, nos cercamos de saudosismo e nostalgia. Ficamos a lembrar-nos, morbidamente, de como éramos felizes e não sabíamos, de como o que passou tem mais valor do que o que estamos vivendo, de como o passado é melhor do que o presente.
O Pregador se indigna com este tipo de pensamento, e eu acho que ele está certo. O envelhecimento, visto como amadurecimento, é uma bênção de Deus.
Não podemos nos trancar no baú de recordações do passado, recusando-nos a envelhecer e, assim, nos esquecermos de que temos que viver hoje, e hoje a nossa vida é mais feliz do que foi alguns ou muitos anos atrás.
Não podemos nos esquecer, também, de que a memória é traiçoeira, e ela tende a apagar os maus momentos e reforçar, adoçar, açucarar mesmo as boas lembranças.
Qohélet se insurge contra esta atitude na vida, pois o que verdadeiramente importa é o hoje, o presente. Como eu já havia dito no primeiro capítulo, o Pregador é existencialista no melhor sentido da palavra, e o que lhe importa é o aqui e o agora, não o que passou.
O elixir da juventude é a eternidade no nosso coração.
Nos vv. 11 e 12, o Pregador faz uma comparação interessante entre sabedoria e dinheiro. Pela primeira vez, ele diz que herança e dinheiro podem ser coisas boas, para aqueles que vêem o sol, mas somente a sabedoria preserva a vida.
Muitas vezes, tanto a herança como o dinheiro causam a morte de quem os recebe. A sabedoria é muito melhor.
O v. 13 mostra a impotência do homem diante dos decretos de Deus, já que ninguém pode endireitar o que ele torceu.
É no v. 14 que o Pregador retoma um dos pilares de seu discurso, a providência divina, pois Deus tanto faz o dia da prosperidade como o da adversidade.
Os bons morrem, e muitos maus vivem bastante (v. 15), logo não há razão para imaginar que a providência de Deus seja uma lógica matemática.
Somente Ele sabe os seus desígnios e, principalmente, o que passa dentro de cada coração humano. Portanto, o equilíbrio deve ser buscado em tudo na vida. Todos os extremismos devem ser evitados.
Não devemos ser demasiadamente justos nem exageradamente sábios (v. 16), mas também não podemos ser demasiadamente perversos ou loucos (v. 17). Estes dois versículos deviam ser mais lidos na igreja para evitar tanto o farisaísmo como a licenciosidade.
É o equilíbrio que, por assim dizer, é o amálgama dos 4 pilares onde se sustenta Eclesiastes: a sabedoria, a providência divina, a eternidade e o temor de Deus, pois "quem teme a Deus de tudo isso sai ileso" (v. 18).
No v. 20, está uma declaração que embasa também o pensamento de Paulo em Romanos 3:10, pois "não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque".
Para quê, então, viver à espreita de quem possa estar cometendo um erro ou falando mal de nós (v. 21), se somos todos sujeitos aos mesmos pecados (v. 22)?
Eu acho que "justo" não é uma boa tradução, já que ninguém pode definir exatamente o que seja justiça. Aquilo que é justo para um pode ser injusto para outro. Além disso, há muitas leis injustas.
Então, eu concordo com alguns comentaristas que dizem que deve se entender essa palavra por legal, legalista, que cumpre a lei ao pé da letra. Desta maneira, não devemos ser legalistas como os fariseus, por exemplo.
Com relação ao "exageradamente sábio", o significado me parece que seja também de não querer ser o sabe-tudo, o dono da verdade, alguém que não só dita mas detém o monopólio da interpretação das regras como se fosse o próprio Deus.
Além disso, bem no espírito de Eclesiastes, o Pregador quer que se viva a vida sem grandes obrigações de ser a mais certinha das pessoas. O lema dele é "viva por prazer e não por obrigação".
Por "demasiadamente perverso ou louco", eu acho que o contexto indica que não devemos ser alucinadamente materialistas, ou seja, que vivamos única e exclusivamente em função de aumentar o nosso prazer material, esquecendo-nos do espiritual e dos pequenos prazeres da vida.
E entenda-se por "prazer material" aí tanto os excessos carnais como tudo aquilo que desrespeita, rouba, fere e mata os outros, apenas para que consigamos atingir os nossos objetivos mundanos pisando neles.
É na mistura de todas essas qualidades que eu acho que temos que encontrar o equilíbrio na vida.
Como o Pregador já havia dito logo no começo (1:8), muito conhecimento é enfado. Logo, perseguir a sabedoria apenas por perseguir também é vaidade, pois ela sempre se afasta de nós (v. 23).
Quanto mais sábios ficamos, menos sabemos, o que lembra a frase atribuída a Sócrates: "só sei que nada sei!". Ser sábio é ter consciência das próprias limitações e a elas se acomodar.
Querer saber demais nos põe em contato com a perversidade, a insensatez e a loucura (v. 25). Talvez por isso Deus tenha dito a Moisés que "as coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus" (Deuteronômio 29:29) e Jesus tenha dito aos discípulos: "ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar agora" (João 16:12).
Por fim, Qohélet faz um ataque aparentemente genérico às mulheres no v. 26, mas que deve ser entendido como uma autocrítica de Salomão a respeito de suas mulheres, o momento de introspecção de alguém que tinha 700 mulheres e 300 concubinas, "que lhe perverteram o coração" (1 Reis 11:3).
As mulheres não devem se sentir desprestigiadas por esse trecho final do capítulo 7, mas talvez não seja tão difícil assim fazer um pequeno esforço para tentar entender a amargura de um homem poderoso que, no fim da vida, se viu "metido em muitas astúcias" (v. 29) que ele próprio causou.
Afinal, nunca é demais repetir a mensagem que todo o livro de Eclesiastes transmite desde o seu segundo versículo: "vaidade de vaidades, tudo é vaidade"...
E não é que é mesmo?
Leitura seguinte: Eclesiastes - capítulo 8