2) ORIGENS DO PENSAMENTO GREGO
Muito se discute sobre a gênese do pensamento grego. A sua contribuição para a história da humanidade é de tal ordem que, em geral, tem-se a impressão de que, por assim dizer, os gregos nasceram prontos. Como lembra Werner Jaeger, “as origens do pensamento filosófico grego têm sido consideradas, geralmente, dentro do quadro tradicional da “história da filosofia”. Os pré-socráticos” constituíram, desde Aristóteles, o problema histórico e o fundamento sistemático da filosofia Ática clássica, isto é, o platonismo. Nos últimos tempos, esta conexão histórica teve uma tendência a passar a segundo plano devido ao desejo de compreender cada um daqueles pensadores em si mesmo, na sua própria individualidade, como filósofo original, assim destacando melhor relevo a sua verdadeira importância”[1].
Conhecemos, pois, uma versão, digamos, “condensada” da formação da civilização grega, em que a genialidade dos seus pensadores - e o seu legado estruturante da cultura ocidental - sobrepujam o desejo de se entender o estabelecimento dos gregos no seu território, e a maneira como o organizaram. Tradicionalmente, se divide a História Grega antiga em 4 períodos[2]:
1) Período homérico – 1.200 a 800 a.C. – período resumido pelas obras de Homero (Ilíada e Odisséia), em que aqueus, jônios e dórios conquistam e dominam Micenas, Tróia e Creta, instalando nessa região um regime patriarcal e pastoril, uma economia de subsistência que vai paulatinamente se tornando agrária e comercial com o intercâmbio com outras regiões do mundo então conhecido;
2) Período arcaico – 800 a 500 a.C. – período em que os gregos definitivamente se estabelecem e formam as primeiras cidades-estado, como Atenas, Esparta e Tebas, deixando a monarquia agrária para trás e dirigindo-se por uma oligarquia marcantemente urbana e comerciante, em que a influência grega se espalha pelo Mediterrâneo;
3) Período clássico – 500 a 400 a. C. – conhecido como “o século de Péricles”, em que a civilização grega atinge o seu apogeu, com o intercâmbio não apenas de mercadorias, mas principalmente de idéias. Nessa época se consolida a democracia ateniense, e o império grego se consolida no Mediterrâneo;
4) Período helenístico – 400 a. C. ao início da civilização cristã – em que o domínio macedônio, especialmente com Alexandre, o Grande, faz com que a civilização e, principalmente, a cultura e a língua grega se tornem hegemônicas no mundo então conhecido, influenciando para sempre os rumos do Ocidente.
Dentro desse quadro cronológico, há uma crescente migração da explicação mítica, cosmológica, do mundo pelos primitivos, até um entendimento mais humano, realista, especialmente no que tange à multivocidade do termo “justiça”, que a princípio era mais conhecida pelo termo “thémis”, ligado a Zeus, e ao etéreo, e começa a ter mais força o termo “diké”, mais ligado às questões do mundo real, da sociedade humana que atinge um maior grau de desenvolvimento.
Como ensina o professor Eduardo C. B. Bittar:
Muito se discute sobre a gênese do pensamento grego. A sua contribuição para a história da humanidade é de tal ordem que, em geral, tem-se a impressão de que, por assim dizer, os gregos nasceram prontos. Como lembra Werner Jaeger, “as origens do pensamento filosófico grego têm sido consideradas, geralmente, dentro do quadro tradicional da “história da filosofia”. Os pré-socráticos” constituíram, desde Aristóteles, o problema histórico e o fundamento sistemático da filosofia Ática clássica, isto é, o platonismo. Nos últimos tempos, esta conexão histórica teve uma tendência a passar a segundo plano devido ao desejo de compreender cada um daqueles pensadores em si mesmo, na sua própria individualidade, como filósofo original, assim destacando melhor relevo a sua verdadeira importância”[1].
Conhecemos, pois, uma versão, digamos, “condensada” da formação da civilização grega, em que a genialidade dos seus pensadores - e o seu legado estruturante da cultura ocidental - sobrepujam o desejo de se entender o estabelecimento dos gregos no seu território, e a maneira como o organizaram. Tradicionalmente, se divide a História Grega antiga em 4 períodos[2]:
1) Período homérico – 1.200 a 800 a.C. – período resumido pelas obras de Homero (Ilíada e Odisséia), em que aqueus, jônios e dórios conquistam e dominam Micenas, Tróia e Creta, instalando nessa região um regime patriarcal e pastoril, uma economia de subsistência que vai paulatinamente se tornando agrária e comercial com o intercâmbio com outras regiões do mundo então conhecido;
2) Período arcaico – 800 a 500 a.C. – período em que os gregos definitivamente se estabelecem e formam as primeiras cidades-estado, como Atenas, Esparta e Tebas, deixando a monarquia agrária para trás e dirigindo-se por uma oligarquia marcantemente urbana e comerciante, em que a influência grega se espalha pelo Mediterrâneo;
3) Período clássico – 500 a 400 a. C. – conhecido como “o século de Péricles”, em que a civilização grega atinge o seu apogeu, com o intercâmbio não apenas de mercadorias, mas principalmente de idéias. Nessa época se consolida a democracia ateniense, e o império grego se consolida no Mediterrâneo;
4) Período helenístico – 400 a. C. ao início da civilização cristã – em que o domínio macedônio, especialmente com Alexandre, o Grande, faz com que a civilização e, principalmente, a cultura e a língua grega se tornem hegemônicas no mundo então conhecido, influenciando para sempre os rumos do Ocidente.
Dentro desse quadro cronológico, há uma crescente migração da explicação mítica, cosmológica, do mundo pelos primitivos, até um entendimento mais humano, realista, especialmente no que tange à multivocidade do termo “justiça”, que a princípio era mais conhecida pelo termo “thémis”, ligado a Zeus, e ao etéreo, e começa a ter mais força o termo “diké”, mais ligado às questões do mundo real, da sociedade humana que atinge um maior grau de desenvolvimento.
Como ensina o professor Eduardo C. B. Bittar:
“O termo diké, apesar de surgido provavelmente na mesma época do termo thémis, assume, com as modificações da civilização grega, uma carta de significação específica, revelando seu sentido como igualdade, como cumprimento da justiça, como bom julgamento, assumindo uma conotação social de grande relevo quando do surgimento dos primeiros movimentos sociais, em oposição às injustiças, que sulcavam abruptas diferenças entre os grupos sociais, as classes dominantes e as classes campesinas. Nesse sentido, ampla contribuição foi dada pelo poeta do povo, Hesíodo, responsável pela exaltação do trabalho, do esforço e dos valores populares ligados ao modo campesino de vida.Perceba-se que o processo de transformação da idéia de justiça entre os gregos corresponde a um movimento de passagem contínua e lenta, entre os vocábulos thémis, diké e dikaiosýne[3]. Se a justiça estava depositada sobre a autoridade de thémis, atribuída pelas próprias mãos de Zeus aos dirigentes e governantes, como investidura divina e sagrada, significando o bom conselho ungido sobre o que é humano, com sua passagem para diké, constrói-se um novo baluarte da realização material de um maior igualitarismo, na medida em que não somente diké assume um sentido de justiça mais próximo e igualitário, como poder humano de decisão sobre as coisas humanas, como também se dessacraliza e destrona, como desafio, a autoridade de thémis.” [4]
Entretanto, pouco espaço foi reservado, nas primeiras eras formadoras do pensamento grego, à discussão da Justiça como valor central da organização da sociedade. Ela foi pensada, basicamente, como virtude dentro das relações interindividuais e coletivas, mas de maneira apenas perfunctória. Quando se consolida a organização política das cidades gregas, é natural que essa discussão cresça em importância, e é nessa transição fundamental da cultura grega que Aristóteles surge no cenário ateniense, não por acaso logo após Platão e Sócrates, seus antecessores. De todos os filósofos da antiguidade, foi o estagirita que desenvolveu mais a fundo os conceitos relacionados à Justiça, e é no seu pensamento que vamos nos debruçar a partir de agora.
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[1] JAEGER, Werner. Paidéia. A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 4ª ed., 2003, pág. 190
[2] CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª ed., 2005, págs. 16/17
[3] sobre dikaiosýne, vide nota 6, infra
[4] BITTAR, Eduardo C. B., A Justiça em Aristóteles. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 3ª ed., 2005, págs. 48/49
[1] JAEGER, Werner. Paidéia. A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 4ª ed., 2003, pág. 190
[2] CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª ed., 2005, págs. 16/17
[3] sobre dikaiosýne, vide nota 6, infra
[4] BITTAR, Eduardo C. B., A Justiça em Aristóteles. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 3ª ed., 2005, págs. 48/49