terça-feira, 3 de junho de 2008

Lupè

Toda forma de frustração provoca mais ou menos um estado de tristeza (lupè, em grego). Ora, a vida cristã é “alegria e paz no Espírito Santo” (Romanos 14:17).

Se quisermos chegar a este estado de paz e de alegria ontológica e não somente psicológica, é pois necessário lutar contra a tristeza e, por via de conseqüência, trabalhar sobre a frustração e a “carência”.

Ser adulto, para os antigos, é “assumir a carência”, mas a ascese do desejo está mais na orientação do que na não-satisfação da carência.

Viver voluntariamente um certo número de frustrações na ordem material, mas sobretudo na ordem afetiva, vai cavar-nos mais profundamente até aquele infinito que só o Infinito pode preencher... “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e nosso coração não repousará senão em Ti” (Santo Agostinho).

A tristeza visita o monge quando sua memória lhe apresenta os bens ou os prazeres que ele abandonou voluntariamente como sendo de novo desejáveis... Ele sonha com uma casa, uma família, sonha principalmente ser reconhecido e ser amado...

O espaço da carência é o próprio espaço do deserto para o qual ele se retirou. Mas, como algumas vezes a carência é muito grande e o deserto muito árido, não estaria o monge correndo o risco de perder sua humanidade? Ele veio buscar a alegria e encontrou a cruz. Que remédio receitar para sua tristeza?

Em primeiro lugar, pedir-lhe que recupere o “espírito de pobreza”... Um rico é alguém para o qual tudo é devido, um pobre é alguém para o qual tudo é dom. Nada nos é devido! Poderíamos não existir... “o que tens, que não tenha recebido?” (1 Coríntios 4:7).

A amizade, a felicidade, a alegria não nos são devidas. O espírito de pobreza deveria não apenas tornar o monge capaz de assumir as frustrações que sofre (e, portanto, de tornar-se adulto), mas também de apreciar as mínimas coisas, na sua gratuidade: um raio de sol, um pedaço de pão, um pouco de água... Pouco a pouco, deveria aprender o contentamento – “deseja tudo o que tens e tens tudo o que desejas!” – mas este contentamento não é ainda a alegria. A alegria está em experimentar no fundo do ser que o Transpessoal, para o qual ele orientou seu desejo, permanece aqui e agora: Ele É, e esta alegria ninguém pode arrebatar-lhe.

Sabemos muito bem que não estamos aqui no plano sensível, afetivo ou racional, mas no plano ontológico. Para os antigos, só quando pudermos fixar pelo desejo nossa alegria neste fundo ontológico é que ela pode resplandecer de modo durável nos elementos espácio-temporais do indivíduo.

Então esta alegria não depende mais das coisas exteriores, do que nos acontece, da presença tranqüilizadora de um objeto ou de uma pessoa, ou de circunstâncias favoráveis. Não se trata mais de uma questão de saúde ou de humor, mas de fidelidade à Presença incriada que habita todo ser humano. É a alegria que permanece.

Estamos aqui exatamente no transpessoal. Esta alegria não é a jovialidade ou a vivacidade de um temperamento privilegiado, mas a tranqüilidade profunda daquele que encontra o outro não para satisfazer suas carências, mas pelo prazer de comunicar a vida que ao mesmo tempo os une e os transcende.

(“Escritos sobre o Hesicasmo – uma tradição contemplativa esquecida”, Jean-Yves Leloup, Ed. Vozes, 2003, pág. 65)

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