Três fatos recentes, aparentemente isolados e desconexos podem ter algo muito mais em comum do que a nossa vã filosofia consegue imaginar:
1) uma cena da novela Insensato Coração, em que um personagem gay comenta: “A minha mãe só fala comigo para me dar sermão, o meu pai nunca passou do bom dia e cascudo. Os dois vão na conversa do pastor da igreja deles e me tratam como se eu fosse o fim do mundo”. Silas Malafaia protestou no twitter dizendo que havia se manifestado diretamente a um dos donos da Rede Globo porque pastores estavam sendo “ridicularizados” pela emissora.
2) as declarações do Lula sobre riqueza, que alguns pastores tomaram como “teológicas”: "Bobagem, essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no céu".
3) o atentado na Noruega, segundo se sabe até agora, teria sido perpetrado por um “fundamentalista cristão”, seja lá o que isto signifique.
O traço comum entre estes três acontecimentos tão díspares é, a meu ver, a ideologia. O próprio fato de Silas Malafaia ter se dirigido diretamente a um dos donos do maior império de comunicação no Brasil, que manipula ideologicamente quem, quando e o que quiser, já revela que se trata de um jogo de poder. Malafaia disse no seu twitter, que “a novela ataca e ridiculariza os pastores”, no que foi acompanhado por muitos evangélicos que se sentiram igualmente ofendidos. Não lhes ocorreu, estranhamente, que quem mais ridiculariza o pastorado e o evangelho são os mesmos pastores ditos “evangélicos” com suas campanhas ideológicas e sua “teologia” da prosperidade, mais afeitos que são ao pedido (e ao acúmulo) de dinheiro e às esferas terrenas de "poder", do que propriamente à pregação do evangelho. Os evangélicos brasileiros têm hoje uma indignação bastante seletiva e conveniente: não se ofendem quando algum “pastor” engana seus fiéis para extorquir dinheiro no mundo real, mas se ofendem quando são coletivamente depreciados por uma obra de ficção televisiva.
A declaração de Lula é apenas mais uma das bobagens que ele fala rotineiramente, na sua mania de dar opinião sobre tudo. Registre-se, entretanto, que ela foi dada no campo ideológico (que é o seu habitat natural) e é um direito do ex-presidente expressar-se livremente, e a repercussão no meio evangélico foi igualmente ideológica, ainda que travestida de ultra-sensibilidade “teológica”, já que pastores que fizeram campanha contra o PT nas eleições passadas se sentiram no direito de reviver o horário eleitoral gratuito à sua maneira. Por outro lado, gostem ou não, tudo o que o Lula disse – infelizmente – está sendo pregado na maioria das igrejas evangélicas brasileiras, com seu discurso da prosperidade material imediata e seu desprezo à Bíblia e aos ensinamentos teológicos da Igreja cristã. O que Lula comentou foi apenas a percepção que o cidadão médio brasileiro tem da pregação dos mesmos pastores que o criticam, percepção esta que – obviamente – não guarda nenhuma relação com o que Jesus e a Igreja – historicamente – ensinaram. Afinal, que atire a primeira pedra o evangélico que nunca ouviu uma pregação de que “o cristão tem que comer do melhor desta terra”...
Já o atentado na Noruega, com suas dezenas de mortos, que teria tido como causador um fanático alucinado que se apresentou como “fundamentalista cristão” e islamofóbico, é uma prova cabal de onde esta “ideologização” do cristianismo – levada ao extremo - pode desembocar. Uma insanidade que mata dezenas de inocentes deve ter começado, muito provavelmente, com a deturpação dos ensinos do evangelho em nome de uma aplicação distorcida de seus princípios a uma espécie de guerra ideológica contra inimigos imaginários que precisam ser vencidos não mais no terreno das ideias e da (outrora gloriosas) oração e perseverança (mesmo em meio ao sofrimento), mas à bala.
Ainda dá tempo dos evangélicos brasileiros abandonarem seu corporativismo ideológico e pararem de se comportar como uma torcida organizada no estádio, irritada com os cânticos e refrões da torcida contrária. Senão, seu fim será igualmente trágico. Lamentavelmente.
1) uma cena da novela Insensato Coração, em que um personagem gay comenta: “A minha mãe só fala comigo para me dar sermão, o meu pai nunca passou do bom dia e cascudo. Os dois vão na conversa do pastor da igreja deles e me tratam como se eu fosse o fim do mundo”. Silas Malafaia protestou no twitter dizendo que havia se manifestado diretamente a um dos donos da Rede Globo porque pastores estavam sendo “ridicularizados” pela emissora.
2) as declarações do Lula sobre riqueza, que alguns pastores tomaram como “teológicas”: "Bobagem, essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no céu".
3) o atentado na Noruega, segundo se sabe até agora, teria sido perpetrado por um “fundamentalista cristão”, seja lá o que isto signifique.
O traço comum entre estes três acontecimentos tão díspares é, a meu ver, a ideologia. O próprio fato de Silas Malafaia ter se dirigido diretamente a um dos donos do maior império de comunicação no Brasil, que manipula ideologicamente quem, quando e o que quiser, já revela que se trata de um jogo de poder. Malafaia disse no seu twitter, que “a novela ataca e ridiculariza os pastores”, no que foi acompanhado por muitos evangélicos que se sentiram igualmente ofendidos. Não lhes ocorreu, estranhamente, que quem mais ridiculariza o pastorado e o evangelho são os mesmos pastores ditos “evangélicos” com suas campanhas ideológicas e sua “teologia” da prosperidade, mais afeitos que são ao pedido (e ao acúmulo) de dinheiro e às esferas terrenas de "poder", do que propriamente à pregação do evangelho. Os evangélicos brasileiros têm hoje uma indignação bastante seletiva e conveniente: não se ofendem quando algum “pastor” engana seus fiéis para extorquir dinheiro no mundo real, mas se ofendem quando são coletivamente depreciados por uma obra de ficção televisiva.
A declaração de Lula é apenas mais uma das bobagens que ele fala rotineiramente, na sua mania de dar opinião sobre tudo. Registre-se, entretanto, que ela foi dada no campo ideológico (que é o seu habitat natural) e é um direito do ex-presidente expressar-se livremente, e a repercussão no meio evangélico foi igualmente ideológica, ainda que travestida de ultra-sensibilidade “teológica”, já que pastores que fizeram campanha contra o PT nas eleições passadas se sentiram no direito de reviver o horário eleitoral gratuito à sua maneira. Por outro lado, gostem ou não, tudo o que o Lula disse – infelizmente – está sendo pregado na maioria das igrejas evangélicas brasileiras, com seu discurso da prosperidade material imediata e seu desprezo à Bíblia e aos ensinamentos teológicos da Igreja cristã. O que Lula comentou foi apenas a percepção que o cidadão médio brasileiro tem da pregação dos mesmos pastores que o criticam, percepção esta que – obviamente – não guarda nenhuma relação com o que Jesus e a Igreja – historicamente – ensinaram. Afinal, que atire a primeira pedra o evangélico que nunca ouviu uma pregação de que “o cristão tem que comer do melhor desta terra”...
Já o atentado na Noruega, com suas dezenas de mortos, que teria tido como causador um fanático alucinado que se apresentou como “fundamentalista cristão” e islamofóbico, é uma prova cabal de onde esta “ideologização” do cristianismo – levada ao extremo - pode desembocar. Uma insanidade que mata dezenas de inocentes deve ter começado, muito provavelmente, com a deturpação dos ensinos do evangelho em nome de uma aplicação distorcida de seus princípios a uma espécie de guerra ideológica contra inimigos imaginários que precisam ser vencidos não mais no terreno das ideias e da (outrora gloriosas) oração e perseverança (mesmo em meio ao sofrimento), mas à bala.
Ainda dá tempo dos evangélicos brasileiros abandonarem seu corporativismo ideológico e pararem de se comportar como uma torcida organizada no estádio, irritada com os cânticos e refrões da torcida contrária. Senão, seu fim será igualmente trágico. Lamentavelmente.