domingo, 7 de fevereiro de 2010

O ateu do coral

Brian Eno é um produtor musical inglês de 61 anos que pouca gente conhece pelo nome, mas certamente já ouviu sons e grupos produzidos por ele, como o Talking Heads, o U2 e o Coldplay, entre outros. Só a experiência sonora variada das três bandas citadas mostra do que ele é capaz. A Folha de S. Paulo de hoje traz uma longa matéria sobre Brian Eno, que se declara ateu, mas faz comentários interessantes sobre sua origem católica e sobre o fato de cantar até hoje num coral de música gospel (a verdadeira música gospel americana, não a cacofonia da moda no Brasil). Destaco esses trechos:

Catolicismo

Se você cresce com uma religião forte como o catolicismo, certamente cultiva certo apego pela intensidade das ideias, quer a favor, quer contra elas.

Você jamais se esquece do processo mental por que passou. Isso se torna parte de seu quadro intelectual mais amplo.


Música na igreja

Se você refletir sobre a metade final dos anos 1950, quando tudo isso começou a acontecer para mim, a experiência de ouvir sons era muito diferente da atual. O estéreo não existia.

Se você ouvia música fora da igreja, exceto música ao vivo, o que era muito raro, os alto-falantes eram minúsculos. A experiência era agradável, mas muito pequena.

Assim, ir à igreja, um espaço especialmente projetado, repleto de ecos, encontrar um órgão, o órgão que meu avô construiu para a igreja que frequentávamos, e subitamente ouvir a música e o canto... Isso era uma experiência maravilhosa.

Era como ouvir o disco de alguém em um radinho de pilha e depois assistir a um show da mesma pessoa em um estádio de 60 mil lugares. Imenso, em termos comparativos.

Isso teve forte relação com meus sentimentos sobre som e espaço, um tema que se tornou muito importante para mim.

Como o espaço influencia o som, qual é a diferença entre ouvir alguma coisa nesta sala e depois na outra sala? Seria possível imaginar outras salas em que se pode ouvir música?

Isso também afetou a maneira como me sentia com relação à música como experiência comunitária, no sentido de que a música de que mais gosto, o canto em igreja, era realizada não por profissionais, mas sim por pessoas sem treinamento, apenas um grupo de pessoas comuns que eu via trabalhando durante o resto da semana na padaria ou entregando carvão.

Gospel

Faço parte de um coral gospel. Sabem que sou ateu, mas são muito tolerantes. Em última análise, a mensagem da música gospel é a de que tudo vai ficar bem.

Se você ouvir milhões de discos gospel -eu ouvi- e tentar destilar o que existe de comum a todos eles, é essa sensação de que podemos triunfar de alguma maneira.

Também envolve a perda do ego, dizendo que se pode vencer ou superar as coisas abrindo mão do individualismo e se tornar parte de algo melhor.

Ambas as mensagens são completamente universais e pouco se relacionam à religião ou a uma dada religião. Relacionam-se a atitudes humanas básicas, e você pode ter essa atitude, e portanto cantar gospel, mesmo que não seja religioso.

Chama a atenção, portanto, que alguém que se diz ateu tenha uma experiência tão forte – e aparentemente positiva – da vida na igreja, a ponto de chegar aos 61 anos de idade cantando num coral gospel. Digno de destaque, também, é o fato do coral gospel aceitar alguém ateu no seu grupo, mesmo que seja alguém famoso como o Brian Eno. Pelo menos bom gosto musical ele tem...

É tênue mesmo a linha que separa a crença da descrença, e isto vale para ambos os lados. Da mesma maneira que é possível um ateu cantar num coral gospel, não deixa de ser preocupante pensar que alguém que se diz cristão esteja cantando exaltações a Deus, mas no fundo nEle não crê. Temo que isto seja muito mais comum do que nossa santa ingenuidade possa imaginar.

3 comentários:

  1. Prezado irmão Hélio,
    quanto ao ato de cantar em um coral de igreja, acredito que nada significa, pois, fica o cantar pelo cantar. Quando identificamos o ato de cantar em um coral gospel com adoração, que é muito mais do que cantar, aí tudo muda. Um ateu não consegue e não pode adorar sendo ateu. Pelo descrito por Brian este coral gospel não adora, somente canta valores universais. De qualquer maneira a sensação que ficou foi a de uma grande confusão. Suas observações finais são muito pertinentes.
    Um abraço

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  2. Obrigado pelo comentário, Pr. Luiz Fernando,

    Concordo com o irmão, me parece que este coral gospel está mais interessado na beleza da música e da mensagem do que propriamente na adoração. Por ser um fato inusitado, isto me chama a atenção para algo que é uma faca de dois gumes: a estética. De um lado, Deus é a perfeição absoluta e inatingível, e o grande inspirador da música que persegue esta mesma perfeição. Entretanto, o senso estético pode desviar a atenção para o ser humano, no sentido de que ele é o compositor e destinatário final de todo louvor. Aí é que mora o perigo.

    Graça e paz!

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  3. kkk

    esses pastores só querem dinheiro e dão uma de santo!

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