Eu gosto de cães e animais em geral, mas acho que é salutar tanto para o ser humano como - principalmente - para o outro animal que cada espécie continue no seu devido lugar, sem forçar exageradamente os limites naturais da convivência. Cada macaco no seu galho, (deveria ser) simples assim. Parece, entretanto, que até as barreiras religiosas não são mais capazes de resistir a esse irreversível processo de "humanização" dos animais de estimação, como mostra o artigo de Jaime Spitzcovsky publicado na Folha de S. Paulo de hoje:
Feliz Bark Mitzvá!
Colocar os animais como personagens de rituais espelhados na condição humana é um exagero
A humanização dos cães continua a oferecer episódios insólitos. Tradição milenar judaica, a cerimônia do "bar mitzvá" festeja a maioridade religiosa do jovem ao completar 13 anos, e, nos final dos anos 1990, donos de pets nos Estados Unidos passaram a celebrar o "bark mitzvá", brincando com o verbo latir, em inglês [bark]. E chegam agora notícias de que a moda vive mais uma onda, com bufê, salgadinhos e convites feitos sob medida.
Expressar apego e carinho aos nossos amigos de quatro patas corresponde a um dos momentos mais sagrados dessa relação ímpar entre duas espécies. Mas exageros despencam dos mais diferentes rincões do planeta, das mais diferentes tradições e culturas. E alguns judeus norte-americanos, ao escolherem uma cerimônia tão relevante como o "bar mitzvá", geraram críticas de rabinos e uma controvérsia que foi parar nas páginas do "The New York Times".
"Bar mitzvá" significa, em hebraico, filho do mandamento. É uma referência ao fato de, a partir dos 13 anos, o jovem ser considerado responsável pelo cumprimento de ensinamentos religiosos. Meninas alcançam essa condição aos 12 anos, quando celebram "bat mitzvá" (filha do mandamento).
Longe de mim ousar opinar sobre questões de fé. Porém, a fim de aprofundar o meu judaísmo, já inquiri vários rabinos sobre a visão religiosa a respeito dos animais e de seu relacionamento com o ser humano. Também já pedi a sacerdotes de outras confissões informações sobre o tema.
Há indubitavelmente lugar para bichos de estimação em nossas crenças e fé. Agora, torná-los personagens de rituais simplesmente espelhados na condição humana ultrapassa uma fronteira perigosa. Parece-me, como no caso do "bark mitzvá", exagerar na humanização do nosso companheiro.
Os defensores da festa canina, feita quando o animal tiver idade correspondente aos 13 anos de um humano, argumentam se tratar de algo bem humorado, forma de demonstrar afeto. Congregações nos Estados Unidos também usaram "bark mitzvás" com o intuito de arrecadar recursos para atividades educacionais e de tzedaká (justiça social, em hebraico).
Para tudo isso, precisa vestir o "bark mitzvando" com a quipá (solidéu) e o talit (xale usado em rezas)? Pesquisei no Youtube e encontrei mais de 70 vídeos sobre o tema. Algumas cenas são hilárias; outras, despropositadas. Mostram o tratamento de temas relevantes sem a devida seriedade.
O Reino Unido testemunhou, em 2010, luxuosa cerimônia de batizado de Sheridan, um shih tzu. O animal chegou num Jaguar, com motorista particular, e trajando túnica de seda. O Youtube também oferece vídeos com batismo de cães.
Os donos se regozijam nessas ocasiões. Já os cães muitas vezes me parecem pouco à vontade diante dos rituais. De qualquer forma, tenho medo de um dia acabar recebendo um convite para cerimônia de "brit milá" (pacto da circuncisão, em hebraico) de um pet. Que eu saiba, não organizaram ainda em um evento religioso para circuncidar nossos amigos de quatro patas.