segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Usando situações imaginárias para acalmar o paciente de Alzheimer

Outro dia eu li que um hospital de Dusseldorf, na Alemanha, criou um ponto de ônibus falso em frente ao prédio para acalmar os pacientes do mal de Alzheimer que ali estão em tratamento. 

Quem já teve a experiência de lidar com essa enfermidade na família, sabe como as pessoas que sofrem desse mal têm certos períodos de surtos em que acham que não estão na própria casa ou mesmo cidade, e querem voltar para a sua casa imaginária, em geral um fragmento da memória de um lugar antigo onde habitaram. 

Quando isto acontece, eles entram em pânico e as pessoas que estão no seu juízo perfeito não sabem como lidar com a situação. No caso do hospital alemão, o ponto de ônibus fake faz com que os pacientes se acalmem com a ideia de que, de alguma forma, vão sair dali para irem a outro lugar que eles nem sabem exatamente qual é, mas é o tempo suficiente para que alguém os ajude a juntar os cacos do que lhes resta de consciência a fim de evitar problemas piores. 

Lendo essa notícia do Treta, lembrei-me de dois fatos já distantes no tempo, mas que ficaram muito gravados na memória. 

O primeiro foi ali no começo da década de 1980, quando eu estava num ônibus que subia a Rua Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros em São Paulo (SP), quando um senhor já idoso subiu no veículo e logo em seguida entrou apressadamente um homem mais jovem tentando impedi-lo de prosseguir viagem. 

O velhinho gritava desesperado que queria ir a algum lugar, enquanto o outro tentava explicar que ele sofria de Alzheimer e que as suas fugas eram rotineiras. Instalou-se um pânico entre os condutores e passageiros do ônibus, incapazes que éramos todos de confirmar a veracidade dos fatos, até que - depois de alguns constrangedores minutos - a história foi aparentemente atestada pelos que estavam no ponto, e o velhinho teve de descer à calçada, ainda protestando que estava, de alguma forma, sendo "abduzido". O ônibus seguiu viagem deixando o problema pra trás, mas acredito que quem estava lá dificilmente se esqueceu do que ocorreu. 

O segundo fato foi como a minha família teve de aprender a lidar com os repentinos transtornos de localização que a minha avó tinha há 20 anos atrás. De uma hora pra outra ela cismava que queria voltar para esse lugar imaginário que ela chamava de "casa", e não havia quem lhe convencesse da realidade. 

Felizmente não demorou muito para imaginarmos um estratagema para, mais do que enganá-la, acalmá-la. Deixávamos que ela se dirigisse ao portão, saísse caminhando pela calçada, sempre vigiada, e depois de uns 50 metros de caminhada, alguém já aparecia com o carro do lado dela, chamando-a pelo nome e perguntando o que ela estava fazendo ali, ao que ela respondia que estava indo pra sua casa. 

Então era só manifestar preocupação com a situação dela e oferecer uma carona com jeitinho que a velhinha aceitava de bom grado. Depois se dava uma volta pela cidade, passávamos em lugares familiares a ela, e os parentes e amigos já sabiam que, ao vê-la, tinham que participar do teatrinho também, assim meio parecido com aquele filme "O Show de Truman". Depois de uns 20 minutos de encenação, era só voltar pra casa que ela já estava calma e reconhecia todo mundo de novo, dentro do que se pode chamar "reconhecimento" para quem enfrenta o Alzheimer. 

A experiência, depois compartilhada e comprovada com amigos que também tiveram o problema na família, nos mostrou que a melhor maneira de ajudar a pessoa que está com esse mal é entrar no mundo dela e não tentar trazê-la de volta à realidade de quem cuida dela. 

Aquela pessoa ativa e consciente que conhecemos no passado não existe mais, restam apenas fragmentos do que um dia ela foi. Sem dúvida, é triste ter que lidar desta maneira com alguém que amamos, mas mesmo assim é possível fazer dessa experiência cênica e lúdica algo não tão pesado de se viver. Serve também para aprender. 

Minha avó, quando saía de casa para suas incursões imaginárias no desconhecido, caminhava devagar e levava consigo a roupa do corpo e uma sacola amarela da Saraiva apenas com alguns bombons e uns lencinhos. Só aquilo já era suficiente para deixá-la feliz e segura. 

E, cá entre nós, precisa tão pouca coisa pra ser feliz na vida, não é mesmo?



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