sábado, 14 de janeiro de 2012

Religiosidade humana existe desde as mais primitivas eras

Julien Ries é um sacerdote católico belga, mais conhecido como professor, teólogo, filósofo e historiador, tendo trabalhado muitas décadas na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, e que publicou ótimos trabalhos sobre o instinto religioso que permeia a história da humanidade desde as eras mais ancestrais. 

Desde o último dia 6 de janeiro, ele se tornou uma rara exceção na Igreja Católica. 

É que nesse dia o papa Bento XVI o nomeou cardeal, no caso, um dos mais idosos a alcançar o cardinalato, já que ele está com 92 anos de idade. 

Trata-se, portanto, mais de uma homenagem em vida ao seu trabalho do que propriamente uma nova função a ser desempenhada, já que ele - por exemplo - não pode votar no conclave que elege o papa por já ter ultrapassado a idade limite de 80 anos. 

Abaixo, uma entrevista de D. Julien Ries ao Vatican Insider, publicada no IHU do Brasil, em que ele fala sobre a área em que ficou mais conhecido, o instinto religioso do ser humano:

"O homem é religioso desde o tempo do australopiteco Lucy". Entrevista com Julien Ries

"O homem é desde a sua origem um homem religioso". O sacerdote belga Julien Ries, 92 anos, por muito tempo professor da Universidade Católica de Leuven, é o fundador de um novo campo do saber, a antropologia religiosa fundamental. Proponente do diálogo entre as religiões, Ries será criado cardeal no próximo dia 18 de fevereiro.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 07-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A sua existência tem sido dedicada aos estudos sobre o sagrado nas diversas culturas: tem uma bibliografia enorme, e sua a opera omnia foi publicada em italiano pela editora Jaca Book.

Eis a entrevista.

O senhor chega à púrpura depois de uma vida de pesquisa: foi um dos primeiros a insistir sobre a dimensão religiosa como originária no ser humano. O sentido religioso é realmente inato?

Estou muito de acordo com o paleontólogo Yves Coppens, o descobridor de Lucy, que há anos repete que o ser humano é desde já um homem religioso.

Como se documenta essa afirmação?

Consideremos esse ser humano religioso como o conhecemos através dos fatos e dos gestos da história: se analisarmos as suas pinturas encontradas em centenas de cavernas, até agora descobertas, suas milhares de gravuras rupestres, se examinarmos o seu comportamento com relação aos falecidos, se tentarmos interpretar os gestos das suas mãos elevadas à cúpula celeste – o "Ka" dos antigos egípcios –, somos obrigados a pensar em uma experiência de relação vivida de forma consciente pelo ser humano arcaico com a realidade misteriosa e ultraterrena.

Qual é o papel dos textos sagrados das várias religiões?

Os livros sagrados da humanidade são um prodigioso patrimônio que historiadores e outros especialistas tentam analisar para compreender o discurso com o qual o ser humano religioso e simbólico traduziu a própria experiência. O conjunto desse discurso é coerente desde o paleolítico até os nossos dias. Isso nos leva a pensar em uma unidade da experiência espiritual da humanidade.

Hoje, certos símbolos religiosos parecem dividir em vez de unir. É possível a convivência entre religiões diferentes nas nossas sociedades?

O cristão é levado a compreender e a se beneficiar da contribuição das outras culturas. Os Padres da Igreja já haviam compreendido isso. Daí a riqueza da época helênica para a cultura cristã dos primeiros séculos e a grande importância do Renascimento. A sua pergunta subentende a objeção de Claude Lévi-Strauss, que tentou determinar o funcionamento do espírito humano, mas rejeitando buscar nos mitos um sentido que seria revelador das aspirações da humanidade. Para ele, os mitos não dizem nada sobre as origens do homem e sobre o seu destino. A sua busca desemboca em uma visão completamente materialista da cultura. Estamos, assim, na presença de um verdadeiro pessimismo.

Que novidade o cristianismo nos trouxe na história religiosa da humanidade?

No seu discurso construído sob a forma de parábolas, Jesus retoma, em parte, o simbolismo cósmico e o põe ao serviço do anúncio do Evangelho. Acrescenta a isso alegorias extraídas da vida cotidiana. É uma teofania no sentido pleno do termo. E essa mesma existência é a maior revolução religiosa da história. Cristo, depois de ter enviado o Espírito sobre os apóstolos, mediante o seu corpo que é a a Igreja, continua presente na história.

Qual o senhor considera como a sua descoberta científica mais importante?

O fato de ter identificado a possibilidade de construir um novo campo do saber, a antropologia religiosa fundamental. A primeira experimentação dessa construção foi organizar, a pedido da minha editora, Jaca Book, o Tratado de antropologia do sagrado, ao qual colaborou uma centena de estudiosos e no qual se documenta que o conceito de Homo religiosus é operacional e fundamental para a pesquisa sobre as religiões e as culturas. Um trabalho que evidencia o homem religioso e a sua experiência do sagrado, baseando-se nas três constantes da própria experiência: o símbolo, o mito e o rito. A antropologia fundamental aborda tudo isso e nos abre novos horizontes sobre o ser humano, também em tempos de crise como o nosso.

O que o senhor sente ao ser nomeado cardeal aos 92 anos?

A nomeação a cardeal me enche de alegria. No entanto, não me enche de alegria a idade que eu tenho!



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