O beija-mão de deputados federais recebidos por Valdemiro Santiago e divulgado pelo Genizah (vídeo abaixo) é um daqueles episódios grotescos que mostram o quanto a pregação de certos líderes religiosos é muito mais ideológica do que teológica. Diga-se de passagem, pra começo de conversa, que não são todos deputados evangélicos, já que há um maranhense que se apresenta como “católico” no meio, embora o seu padre ou bispo não deva saber disso, se é que ele frequenta alguma paróquia que não a do Sarney.
Por sinal o apoio do deputado Waldir Maranhão não é lá muito firme, já que ele corre o risco de ter o mandato cassado por irregularidades na sua campanha, o famoso “caixa 2”. É que ele gosta tanto, mas tanto de servir ao povo que prestou contas dizendo que vendeu um imóvel de 600 mil reais para financiar a sua eleição, e “torrou” toda a grana na campanha, quando a lei o autorizava a gastar apenas 10% do valor. Deve ser por isso que ele chamou Valdemiro de “homem alegre e festivo”, já que 10% é um número mágico para os ouvidos do “apóstolo”, se bem que ultimamente ele está mais chegado no “trízimo” (30%).
De qualquer maneira, o vídeo é uma aula sobre como funciona a política (e a manipulação) religiosa no Brasil.
- Primeiro, por mostrar que os latifundiários da fé veem seu rebanho como um verdadeiro “curral eleitoral”, que ainda que não respeite tanto seus líderes nas eleições majoritárias (para o poder executivo), não titubeia ao segui-los fielmente quando se trata de eleições proporcionais (para o legislativo). E aí não importa a sigla partidária, desde que os desejos do líder sejam satisfeitos.
- Segundo, por deixar claro que deputados não se elegem de acordo com convicções doutrinárias ou os objetivos dos crentes que votam neles, mas para servir um guia religioso a quem juram lealdade. São os famosos “deputados de cabresto”. Serão fiéis pelo menos até o momento em que os seus interesses pessoais são contrariados (ou se convertam ao Deus verdadeiro).
- Terceiro, por escancarar que essa rede de apoios navega ao sabor das marés políticas e dos conchavos de ocasião. Valdemiro não reuniu os deputados pelo “amor ao evangelho”, mas para oferecer a eles a possibilidade de amealharem os votos potenciais do seu curral eleitoral, bem como mostrar às autoridades constituídas que ele “tem bala na agulha” e pode – eventualmente – confrontar a bancada do arqui-inimigo (e “irmão”) Edir Macedo e barganhar qualquer coisa na bacia das almas da chantagem eleitoreira.
- Quarto, pelo silêncio gritante das ausências. São só esses os congressistas que apoiam Valdemiro contra Edir? Um dos deputados traz “de boca” o apoio do senador Magno Malta, que não compareceu ao conchavo encontro, mas mandou dizer que apoia Valdemiro. Um apoio assim, digamos, meio envergonhado e medroso, já que ele não quer se indispor com os outros "irmãos" Edir Macedo e Silas Malafaia, este último de quem é mais próximo.
- Quinto, por revelar que os deputados estão ali para atender interesses particulares, os seus e os de Valdemiro, e não os anseios maiores do povo que dizem representar.
Por fim, é claro que os evangélicos, a exemplo de outros segmentos da população brasileira, merecem e devem ser representados em todas as instâncias políticas, uma situação salutar para este sistema imperfeito que é a democracia (mas até hoje não inventaram nada melhor). Não podem, contudo, querer transformar o país numa teocracia do tipo iraniano.
Deviam, inicialmente, ter respeito pelo nome “evangélico” e pela magnitude do seu significado, não o misturando com os golpes mais baixos da política. Além disso, mesmo sendo evangélicos, não poderiam esquecer jamais que são servidores públicos, e - como o próprio nome diz e nunca é demais relembrar - é ao interesse público que devem servir, da mesma maneira que todos os demais representantes de outros partidos e comunidades.
Entretanto, parece que está distante o dia em que eles perceberão isso. Na verdade, até já perceberam, mas não praticam, principalmente porque a religião – quando mal usada – é um excelente refúgio para os mais baixos instintos.
Enquanto este dia não chega, só resta aos verdadeiros evangélicos orarem e votarem melhor.