terça-feira, 6 de março de 2012

TJ-RS determina retirada de símbolos religiosos de repartições da Justiça gaúcha

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tomou nesta terça-feira, 6 de março de 2012, a decisão unânime do Conselho da Magistratura local de retirar símbolos religiosos dos prédios da Justiça gaúcha, em resposta a um pedido de diversas organizações de defesa dos direitos de mulheres e homossexuais. A meu ver, não faz mesmo sentido manter símbolos religiosos em lugares onde, ao contrário do que se possa imaginar à primeira vista, tantas decisões injustas são tomadas. Apenas quanto à questão da laicidade do Estado, acho que essa é uma questão menor, já que o Brasil é um país que foi colonizado segundo os preceitos da civilização cristã ocidental, muito mais naquilo que ela tem de cultural do que propriamente religioso. Qualquer pessoa com o mínimo de interesse na questão, se for consultar os livros de história e de filosofia do direito, saberá que foi o cristianismo que trouxe à justiça as noções de intenção, perdão e reconciliação, entre outros valores, em oposição à antiga ideia de justiça greco-romana como retribuição do malfeito e retaliação. Então, uma medida como essa é apenas um jogo político-ideológico de picuinhas atiradas de lá pra cá e daqui pra lá. Não acrescenta absolutamente nada ao debate sobre a intromissão da religião em assuntos do Estado e vice-versa, nem soluciona as dúvidas sobre se a Justiça está, de fato, sendo servida por quem se incumbe dessa missão. Aliás, essa é uma discussão que pode e deve ser tratada democraticamente segundo as regras estabelecidas no país. Chama a atenção, nesse sentido, o seguinte trecho do voto do desembargador Cláudio Baldino Maciel:
“(…) hoje é fácil constatar a existência de uma política de concessão de rádios e televisões que, além de criar outros graves problemas (…), proporcionou a criação e a manutenção de uma bancada evangélica no Congresso Nacional, hoje com número e força suficiente para barrar a tramitação de qualquer projeto de lei que contrarie elementos de sua doutrina religiosa.”
Ainda que o nobilíssimo desembargador pudesse eventualmente estar coberto de razão, a questão da concessão de rádios e da bancada evangélica não tem absolutamente nada a ver com a questão que ele estava decidindo. Enquadra-se, portanto, no quesito "picuinha". Por outro lado, a existência de uma "bancada evangélica" que provoca reações apaixonadas contra e a favor revela o quanto o termo "evangélico" é hoje entendido, no Brasil e no mundo, como um catalisador ideológico e não teológico. De evangelho propriamente dito não tem mais nada, infelizmente. A notícia vem do Sul21:

TJ-RS determina retirada de símbolos religiosos dos prédios da Justiça gaúcha

Samir Oliveira

Uma decisão unânime do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) determinou nesta terça-feira (6) a retirada dos símbolos religiosos das dependências da Justiça gaúcha. Foi a etapa final de um processo que havia começado no dia 7 de novembro de 2011, quando diversas organizações ligadas à defesa dos direitos dos homossexuais e das mulheres protocolaram no TJ o pedido de retirada dos crucifixos de suas repartições.

A primeira manifestação sobre o tema veio somente no dia 27 de janeiro deste ano, quando o então presidente do TJ-RS, desembargador Leo Lima, acatou o parecer do juiz-assessor Antonio Vinícius Amaro da Silveira, que utilizou o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 para justificar a presença dos símbolos, sendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que esse trecho da Carta Magna não possui força normativa.

No preâmbulo, está escrito que a Constituição foi promulgada “sob a proteção de Deus”. O juiz-assessor também argumentou que a permanência dos crucifixos “se justifica em raízes predominantemente cristãs, que amoldaram a cultura deste país”.

Os autores da ação recorreram da decisão, que parou nas mãos do segundo vice-presidente do TJ-RS, desembargador Cláudio Baldino Maciel, que decidiu submeter o tema ao Conselho da Magistratura, entidade formada pela cúpula administrativa do Judiciário gaúcho. Maciel leu seu voto na sessão de hoje do conselho, que acompanhou integralmente a decisão de retirar os símbolos religiosos das dependências da Justiça no Estado.

Acompanharam a posição os desembargadores Marcelo Bandeira Pereira (presidente do TJ-RS), André Luiz Planella Villarinho, Liselena Schifino Robes Ribeiro e Guinther Spode. O tribunal irá esperar a decisão transitar em julgado para determinar a remoção dos símbolos religiosos na sede estadual do TJ e nas comarcas no interior do Rio Grande do Sul.

Confira abaixo trechos do voto do desembargador Cláudio Baldino Maciel
“Embora sejam ouvidas algumas vozes apontando para a irrelevância do tema ora tratado quando cotejado com as graves questões enfrentadas pelo Poder Judiciário brasileiro, não hesito em afirmar, em primeiro lugar, que o tema deste expediente é muito relevante, especialmente porque diz respeito a matéria regida pela Constituição Federal e porque se trata de refletir a respeito da relação entre Estado e Igreja em um país republicano, democrático e laico.”

“(…) hoje é fácil constatar a existência de uma política de concessão de rádios e televisões que, além de criar outros graves problemas (…), proporcionou a criação e a manutenção de uma bancada evangélica no Congresso Nacional, hoje com número e força suficiente para barrar a tramitação de qualquer projeto de lei que contrarie elementos de sua doutrina religiosa.”

“Ora, a laicidade deve ser vista, portanto, não como um princípio que se oponha à liberdade religiosa. Ao contrário, a laicidade é a garantia, pelo Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos, sem preferência por uma ou outra corrente de fé. Trata-se da garantia da liberdade religiosa de todos, inclusive dos não crentes, o que responde ao caro e democrático princípio constitucional da isonomia, que deve inspirar e dirigir todos os atos estatais (…).”

“(…) não se trata de julgar forma de decoração ou preferência estética em ambientes de prédios do Poder Judiciário, senão de dispor sobre a importante forma de relação entre Estado e Religião num país constituído como república democrática e laica.”

“Nada impede que um magistrado, no interior de seu gabinete de trabalho, faça afixar na parede um símbolo religioso ou uma fotografia de Che Guevara.(…) no entanto, à luz da Constituição, na sala de sessões de um tribunal, na sala de audiências de um foro, nos corredores de um prédio do Judiciário mostra-se ainda mais indevida a presença de um crucifixo (ou uma estrela de Davi do judaísmo, ou a Lua Crescente e Estrela do Islamismo).”

“Ora, o Estado não tem religião. É laico. Assim sendo, independentemente do credo ou da crença pessoal do administrador, o espaço das salas de sessões ou audiências, corredores e saguões de prédios do Poder Judiciário não podem ostentar quaisquer símbolos religiosos, já que qualquer um deles representa nada mais do que a crença de uma parcela da sociedade (…).”

“Causaria a mesma repulsa à idéia de laicidade estatal, por exemplo, a ostentação, em um altar de Igreja católica, do brasão do Estado do Rio Grande do Sul.”

“O cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão, é tão brasileiro e detentor de direitos quanto os cristãos. Tem ele o mesmo direito constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação, em local estatal e por determinação do administrador público, de expressivo símbolo de uma outra religião, ainda que majoritária, que não é a sua.”




Um comentário:

  1. Muito me entristece essa decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

    Primeiro pois eles parecem ignorar a distinção fundamental entre laicidade e laicismo. A primeira idéia denota a benevolência e estímulo que o Estado dá ao fenomeno religioso em geral. Por ver com bons olhos a religião, o estado a fomenta ao invés de reprimi-la. Já o laicismo é a doutrina que defende que a religião deve ser vivida apenas dentro das paredes das residências e dos templos, reprimindo sua manifestação pública. Vê a religião como má em geral, portanto busca minar sua influência.

    A Constituição da República adota claramente a via laicista em vários dispositivos, como o que permite assistência religiosa ou a recusa de consciência, ainda na questão tributária ou na dispensa dos religiosos servirem ao exército em tempos de paz. Como se não bastasse, o próprio Preâmbulo da Constituição é clara na sua visão benéfica da religião.

    Além disso o tribunal ignora a importancia cultural da religião em geral e do cristianismo particular no consciênte coletivo nacional. Mandar retirar esses simbolos é ignorar que o povo se diz cristão e dá valores a esses simbolos.

    Como se não bastasse o tribunal foi ingênuo e anti democrático. É ingênuo ao achar que a retirada desse símbolo significa a neutralidade do estado frente as religiões. Na verdade tudo o que foi feito foi ser acolhida a pretenção de um grupo bem específico, o grupo anti-religioso, frente ao grupo religioso. Por que dar preferência a um grupo frente a outro? Foi anti democrática pois não levou em conta que o grupo religioso é maioria da nação, sendo que a sua representatividade justificaria nesse caso se manter o símbolo no tribunal.

    Ademais, tal símbolo em NADA diminuiu a laicidade do tribunal citado. Todos os que trabalham com direito sabe que o TJ-RS é famoso por suas decisões liberais, que com certeza desagrada a maioria da população cristã praticante do país. Ora, se o símbolo em nada interferiu para diminuir a laicidade estatal por que tirá-lo de lá se não para agradar a um pequeno grupo que não gosta da religião e quer miná-la de toda forma???

    O senso comum e a falta de reflexão impera até mesmo nas mais altas instâncias do poder e, o que é pior, justamente naquela que deveria fazer justiça.

    Lamentável é tudo o que se pode dizer.

    ResponderExcluir

Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails